Os princípios leninistas da crítica do oportunismo e do revisionismo: um componente indispensável da luta dos comunistas contra o imperialismo
Victor Tiulkin Arcadievich
Primeiro Secretário do Comitê Central do Partido Comunista Operário da Rússia (PCOR – PCUS)
Introdução
Às vezes, dentro do movimento comunista, observa-se o verdadeiro infantilismo nos estados de ânimo e nas relações internas. Não se trata tanto da “doença infantil do esquerdismo”, mas do desejo de não ver ou ouvir o indesejado.
Li recentemente, com a minha neta, o magnífico conto de Nicolay Nosov, “Neznayka na Cidade das Flores”. Como relatado neste conto, Neznayka decidiu tornar-se um pintor. Quando todos os seus amigos dormiam, pegou seu material e decidiu pintar a cada um. Ponchik ele pintou tão gordinho que sequer podia caber em seu retrato; Toropyzhka com pernas muito delgadas e com cauda de cachorro; o caçador Pulka andando com seu cão Bulka. O médico Piliulkin, pintou-lhe um termômetro no lugar do nariz. Znayka ele pintou com orelhas de burro. O Dr. Piliulkin, médico, pintou um termômetro no lugar do nariz. Znayka, pintou com orelhas de burro. Ou seja, falando com a linguagem dos adultos, ridicularizou e caricaturizou a cada um. Antes do amanhecer, colocou os retratos nas paredes e deu nome a cada um, resultando em verdadeira exposição.
O primeiro que se levantou foi o Dr. Piliulkin. Ele viu as imagens na parede e começou a rir. Gostou tanto que colocou os óculos e começou a examinar os retratos com grande atenção. Aproximava-se de cada retrato e ria muito. “Bravo, Neznayka – disse o Dr. Piliulkin. Eu nunca ri tanto na minha vida”. De qualquer forma, ele parou em seu próprio retrato e perguntou com ar rigoroso: “Quem é este? Sou eu por acaso? Não, não sou eu. Está muito ruim este retrato. É melhor retirá-lo.”
Assim, cada um observou as caricaturas dos demais com prazer, porém, ao reconhecer-se, pediu para retirar o retrato.
Mais ou menos o mesmo ocorre na nossa vida adulta do Partido, ainda que não se trate de caricaturas amigas, mas de discordâncias reais. Todos criticam o oportunismo e o revisionismo, mas uma vez que se fale de nomes ou partidos concretos, replica-se: isso não tem problema, isso é “rotular”, o fogo da crítica devemos orientar contra a burguesia e não uns contra os outros, etc.
Nas reuniões internacionais tem-se manifestado ainda tentativas de negociar a abstenção da crítica com alvos concretos. Em Atenas, na 13ª Reunião dos Partidos Comunistas e Operários, tais propostas encontraram resistência.
Busquemos o conselho de Lenin, vejamos com que princípios ele se ateve em seu trabalho teórico e atividade prática.
1. O caráter científico. A atividade de classe. A revelação das contradições essenciais e o interesse de solucioná-las.
Lenin recusou o emprego da crítica como simples acusações emocionais ou, ainda pior, injúrias (no caso de hoje, as várias acusações de “oportunismo”, “liquidacionismo”, e ainda “neotrotskismo”). Ele sempre revelou a essência de um fenômeno. O que formulou em sua obra dizendo que “o radical russo reflete a posteriori” é a definição do oportunismo mais precisa e aplicável na vida cotidiana. “Não tem razão quem, com tanta frequência, considera esta palavra um ‘simples insulto’, sem tratar de refletir sobre seu significado. O oportunista não trai seu partido, não é desleal, não se retira dele. Segue servindo-lhe de forma sincera e zelosa. Porém seu traço típico e característico é que cede ao estado de ânimo do momento, é sua incapacidade de opor-se ao que está em voga, é sua miopia e apatia políticas. Oportunismo significa sacrificar os interesses de longo prazo e essenciais do Partido em favor de seus interesses momentâneos, transitórios, secundários”. (Obras completas, t. 14, pp. 37-38)
Lenin considerou que “forçar as cores da verdade é imoral”. (Obras completas em russo, t. 1, p. 410) Insistiu: “um marxista… considera como sustentável apenas a crítica a partir do ponto de vista da classe determinada”. (Obras completas em russo, t. 1, p.466). Ele sempre trabalhou nas críticas a partir das posições da classe operária. Com isso, Illitch sempre fez tudo para revelar e expor as verdadeiras contradições, para analizá-las e resolvê-las. Em particular, chamo atenção à maneira típica dos oportunistas – seu desejo de ajuste de contas aberto: “quando se fala da luta contra o oportunismo não se pode esquecer nunca um traço peculiar de todo oportunismo contemporâneo em todos os campos: seu caráter indefinido, difuso, inapreensível. O oportunista, por sua própria natureza, evita sempre plantar problemas de maneira concreta e decidida, busca a resultante, desliza como uma cobra entre pontos de vista que se excluem mutuamente, esforçando-se por ‘estar de acordo’ com um e com outro, reduzindo suas discrepâncias a pequenas alterações, a dúvidas, a bons desejos inocentes, etc., etc.” (Obras completas, t. 8, p. 416).
Para confirmar outra vez o caráter científico e de classe da atitude lenineana, chamamos a atenção para sua compreensão do seguinte: às vezes os assuntos de princípio se resolvem não por votações, mas pela luta real. Lenin não temeu ficar em minoria em alguns casos, acreditando que a vida e a luta do proletariado tudo iriam provar: “debilidade numérica? Mas, desde quando os revolucionários fazem depender sua política de estarem em maioria ou minoria?” Obras Completas, t. 3, p. 274). E acrescentou que “não se deve temer ficar em minoria” ( Obras Completas, t. 31, p. 112).
2. O caráter, o objeto e a direção concretos
A todo leitor das obras de Lenin é sabido que estes princípios eram característicos do seu estilo de trabalho. Não se tratava da crítica do oportunismo e liquidacionismo em geral, de maneira puramente teórica, mas de lutar contra suas manifestações muito concretas, e em seus exemplos, com generalizações e conclusões teóricas. Lenin favoreceu as expressões sinceras e simples: “Pronunciar frases altissonantes é uma propriedade dos intelectuais pequeno-burgueses. Os proletários comunistas organizados punirão certamente estas ‘maneiras’, pelo menos, com burlas e com a destituição de todo cargo de responsabilidade. As massas têm de dizer a verdade amarga com simplicidade, clareza e franqueza “(Obras Completas, vol. 36, p. 299).
Não se pode imaginar que Lenin chamaria sua obra de “Revolução proletária e alguns renegados do nosso movimento”. Não: Lenin nomeou abertamente – “Renegado Kautsky”, ainda que Karl Kautsky tivesse méritos indubitáveis ante o movimento.
Destaquemos aqui: Lênin não levou em conta qualquer situação particular que estivesse acima das classes. No artigo “Em memória do Conde Gueiden” bateu aberta e concretamente em alguns “companheiros” pelo seu panegírico “não classista” ao falecido: “Esse ponto de vista não é universalmente humano, mas universalmente lacaio. O escravo que tem consciência de sua condição e luta contra ela é revolucionário. O escravo que não tem conhecimento de sua condição e vegeta em sua vida silenciosa, inconsciente e apagado, esse é apenas um escravo. O escravo que baba quando descreve satisfeito a excelência da escravidão e faz questão de gentileza e bom humor de seu mestre, ele é um servo, um patife. Pois bem, senhores de Tovarishch, vocês pertencem precisamente a esta categoria de patifes… Em vez de converter os escravos em revolucionários, convertem os escravos em lacaios” (Obras Completas, vol. 16 , p. 43).
A crítica lenineana a Plekhanov, Martov, Trotsky, Bukharin e muitíssimos outros companheiros de luta, alguns dos quais abandonaram as posições proletárias, não deixa dúvidas de que, sempre e quando diante da necessidade, e mesmo do objeto de crítica, ele sempre seguiu a crítica concreta sobre este objeto, com o alvo concreto.
3. A orientação positiva e construtiva
A crítica lenineana nunca teve por fim apenas derrotar publicamente o oponente ideológico ou rival político. Sempre tinha a intenção de assegurar o desenvolvimento do movimento, o fortalecimento da organização. Uma de suas formulações mais conhecidas sobre os limites leva em si o potente cargo da tarefa mais elevada – a unificação futura: “antes de unificar-se, e para unificar-se, é necessário começar a demarcar os campos de um modo resoluto e definido” (Obras completas en ruso, t. 6, p. 22).
A tarefa da crítica lenineana não é somente denunciar as enfermidades, mas também curá-las: ”um partido político não seria merecedor do respeito se não soubesse dar à enfermidade de que padece o seu verdadeiro nome e um disgnóstico implacável, buscando o meio de curá-la” (Obras Completas, t. 8, p. 323).
4. A continuidade, a intransigência, a obrigação e a publicidade
Segundo Lenin, o bolchevismo, como uma corrente do pensamento político e como um partido político, existe desde 1903. Toda a história do Partido leninista é a história da luta contra as correntes ideológicas hostis aos interesses fundamentais da classe operária: o populismo e o economicismo, o oportunismo no sentido amplo do termo, o revogacionismo e o liquidacionismo, o desvio esquerdista, o trotskismo e outras múltiplas manifestações da influência ideológica burguesa sobre o movimento operário.
No livro “A doença infantil do esquerdismo” a pergunta “NA LUTA CONTRA QUE INIMIGOS NO SEIO DO MOVIMENTO OPERÁRIO PODE CRESCER, FORTALECER-SE E ESTABELECER-SE O BOLCHEVISMO?” Lenin respondeu: “Em primeiro lugar, e sobretudo, na luta contra o oportunismo, que em 1914 transformou-se definitivamente no social-chauvinismo e passou para sempre ao campo da burguesia contra o proletariado. Este era, naturalmente, o inimigo principal do bolchevismo no seio do movimento operário e segue sendo-o também em escala mundial”. (Obras Completas, t. 41, p. 14)
Este juízo de Lenin sobre o oportunismo como o inimigo principal do movimento operário não apenas tem mantido sua vigência, como também se tem feito ainda mais vital hoje em dia, porque a burguesia contemporânea converteu o oportunismo do mero conformismo em sua arma manipulada, liquidacionismo aberto e revisionismo teórico. A obrigação da luta sem quartel contra o oportunismo formulou-se nas palavras de Lenin: “a luta contra o imperialismo é uma frase vazia e falsa se não estiver ligada indissoluvelmente à luta contra o oportunismo” (Obras Completas, t. 27, p. 446).
Os oportunistas, tanto os do passado quanto os atuais, geralmente se propõem a absterem-se das críticas sob o pretexto da unidade das fileiras do partido. Deste modo, defendiam a Gorbachev, chamando-o a dirigir a arma da crítica contra Yeltsin. Hoje, defendem Ziuganov e o PCRF, dizendo que deve-se apontar armas contra Putin, etc. Dizem: temos todos a mesma bandeira vermelha, todos somos comunistas e somos pelo socialismo. Lenin expressou de modo contundente já em 1914 em seu artigo “A unidade”: “A unidade é uma grande coisa e uma grande bandeira! Mas a causa dos trabalhadores requer a unidade dos marxistas, não unidade dos marxistas com os inimigos e falseadores do marxismo”.
A respeito os falsificadores do marxismo, Lenin era não apenas rigoroso, mas também severo e duro até o desprezo moral: “ou a ditadura (ou seja, o poder férreo) dos latifundiários e dos capitalistas, ou a ditadura da classe operária”.
Não há meio termo. Com o meio termo sonham em vão os senhores, os intelectualóides, os sujeitos que estudaram mal e mal os livros. Em nenhuma parte do mundo há meio termo nem pode haver. Ou a ditadura da burguesia (disfarçada com pomposas frases dos socialistas-revolucionários e mencheviques sobre o governo do povo, a Assembleia Constituinte, as liberdades, etc.), ou a ditadura do proletariado. Aquele que não aprendeu isso na história de todo o século XIX é um idiota incurável” (Obras Completas, t.39, pp. 166-167). E acrescentou: “Somente os canalhas ou os bobos podem acreditar que o proletariado deve primeiro conquistar a maioria das votações sob o jugo da burguesia, sob o jugo da escravização assalariada, e que só depois deve conquistar o poder. Isso é como uma estultice ou uma hipocrisia, isto é substituir a luta de classes e a revolução por votações sob o antigo regime, sob o velho poder”. (Obras Completas, t. 39, p. 228).
Lenin não se deteve ante denúncias abertas, tanto sobre as pessoas políticas como os partidos personificados nas mesmas: “A maior desventura e perigo para a Europa é que não haja um partido revolucionário. Tem partidos traidores de tipos como os Scheidemann, Renaudel, Henderson, Webb e cia, e almas de lacaio como Kautsky. Mas não há um partido revolucionário”. (Obras Completas, t.37, p. 112).
Ao lado disso, formulações puras e duras sobre alguns oposicionistas parlamentares resultam surpreendentemente brandas e superdiplomáticas.
6. A invocação das massas proletárias como um árbitro
Lenin destacou que os bolcheviques venceram os mencheviques, antes de tudo, porque conquistaram para seu lado a maioria do proletariado consciente, que optou com sua intuição operária pelo que correspondia aos seus interesses fundamentais: “A massa trabalhadora percebe com extraordinária sensibilidade a diferença entre os comunistas honrados e fiéis e os que inspiram repugnância ao homem que ganha o pão com o suor de seu rosto, o homem que não tem nenhum privilégio nem ‘acesso aos chefes’” (Obras Completas, t.44, p. 125).
Por esta mesma razão, as autoridades e oportunistas juntos se esforçam para impedir e apartar as massas operárias da participação consciente e organizada na política.
7. A autocrítica e o reconhecimento dos erros
Lênin disse: “Nada pode nos afundar, senão os nossos próprios erros” (Obras Completas, t. 42, p. 259).
Sendo assim, estes erros e mesmo sua possibilidade tem de ser objeto de atenção constante, o que deve conduzir à sua correção: “Todos os partidos revolucionários que sucumbiram até agora sucumbiram porque tornaram-se arrogantes, não conseguiram ver onde estava a fonte de sua força e temeram discutir as suas debilidades. Mas não vamos sucumbir, porque não temos medo de discutir as nossas debilidades, e aprendemos a superá-las”(Obras Completas, vol. 45, p. 126).
É lamentável que tenham esquecido esta lição lenineana, que tenham se locupletado e engordado, e o PCUS tenha caido. Temos que remediar a situação.
A propósito, Lenin soube reconhecer a razão de seus oponentes. Por exemplo, Vladimir Illitch dizia abertamente que os mencheviques eram agentes do imperialismo, o que provaram com suas ações muitas vezes, mas isto não quis dizer que os mencheviques estavam errados sobre todos os assuntos – ocorria também o contrário.
Lenin escreveu em 1920: “O bolchevismo não teria podido vencer a burguesia em 1917-1919 se antes, em 1903-1917, não tivesse aprendido a derrotar os mencheviques, ou seja, os oportunistas, reformistas e social-chauvinistas, e a expulsá-los implacavelmente do partido de vanguarda do proletariado” (Obras Completas, t. 40, p.25)
Hoje em dia, os comunistas contemporâneos, com a experiência da construção do socialismo na URSS e a bancarrota do PCUS gorbachevista, temos que tirar as conclusões correspondentes para que, da próxima vez, o resultado seja melhor.
Fonte: Revista Comunista Internacional (nº 4)
Tradução: PCB (Partido Comunista Brasileiro)