PC da Argentina analisa eleições legislativas

“Estamos assistindo uma enorme crise de representação política”

Redação Nossa Proposta (Jornal do Partido Comunista da Argentina) — 28/10/2025

Foi assim que o secretário-geral do Partido Comunista da Argentina, Jorge Kreyness, definiu a situação ao refletir sobre as eleições legislativas de domingo (26/10). Ele enfatizou que “temos um trabalho enorme pela frente e, por isso, devemos reconstruir, no melhor estilo plebeu e revolucionário, um Partido Comunista capaz de estar à altura das necessidades do povo argentino e, especialmente, da classe trabalhadora”.

Ainda persistem os ecos deixados pelo resultado eleitoral, que, sem dúvida, fortaleceu o projeto neofascista, ultraliberal e neocolonial de Javier Mieli, que conta com o apoio aberto do governo Trump, conforme ficou explícito durante as semanas que antecederam as eleições, e tudo isso em meio a um cenário regional em que os EUA intensificam seus ataques abertos contra a Venezuela. Trata-se de “um momento muito difícil para a Argentina, com uma sociedade muito confusa que sofreu duros golpes”, opinou Jorge Kreyness, secretário-geral do PCA, contextualizando os resultados eleitorais de domingo e a conjuntura que a partir deles se configura.

As declarações de Kreyness foram feitas na segunda-feira (27/10) à tarde, no programa Voces y Contexto da Rádio Caput, apresentado por Adriana Prado. Na entrevista, o líder do Partido Comunista da Argentina apontou que “assistimos a uma enorme crise de representação política” que, entre outras coisas, se reflete “no absenteísmo, que foi maior do que em outras ocasiões”.

Nesse sentido, ele alertou que “também há outros elementos que têm a ver com a falta de perspectiva que oferece o tipo de sociedade em que vivemos, onde os jovens carecem de perspectivas de um futuro previsível”, ao mesmo tempo em que é bombardeada por “uma chuva sistemática de informações pelas redes sociais, televisão e celulares, o que configura um cenário em que se fomenta o individualismo, que favorece o pensamento neoliberal e, então, não importa a pátria, perde-se a condição de povo, de trabalhadores e de classe social”. Portanto, ele caracterizou que “somos uma sociedade que não sei se está quebrada, mas tem muitas rachaduras que se expressam de diferentes maneiras e também em momentos eleitorais”.

É claro que não se pode analisar o resultado de domingo ignorando o papel central que os EUA adotaram a favor de Milei. Sobre este ponto, Kreynes afirmou que “foi uma eleição em que Donald Trump e toda a gestão que o presidente e seu ministro da Economia fizeram em Washington nos dias anteriores tiveram um papel de destaque” e lembrou que, para compreender esta história, “é preciso perguntar o que eles pedem em troca e vamos descobrir que o que eles pedem é muito”, já que “essa vitória do mileísmo representa para os EUA dividendos que eles querem garantir com a extração de recursos naturais, com os lucros de suas corporações presentes no país e também com os lucros extraordinários do sistema financeiro, que em sua grande maioria é integrado por bancos estadunidenses”.

O caminho percorrido até o dia das eleições também deixou como saldo uma rica experiência para o PC e sua militância. “Consideramos que o problema é o capitalismo e que, portanto, o que falta na Argentina é um espaço político, não importa se é uma frente, movimento ou partido, que questione o capitalismo e o faça a partir de uma perspectiva anti-imperialista e antifascista completa”, sublinhou Kreyness e ressaltou que a militância comunista levou adiante uma campanha que permitiu visibilizar o Partido na cidade de Buenos Aires com uma lista própria, a 314, e nas diferentes formações programáticas eleitorais em que se apresentou, como em Santa Fé, Entre Ríos, San Luis e Córdoba. A esse respeito, ponderou que “o PC falou de política e apresentou dirigentes interessantes, quadros jovens que travaram uma batalha política em condições hostis e, apesar disso, conseguiram organizar uma força que saiu para lutar pelos espaços públicos com boa presença nas ruas”.

Que momento se abre após essas eleições intermediárias e, sobretudo, à luz do resultado que tiveram? “Na Argentina, há uma grave crise do capitalismo, por isso é pertinente propor um projeto socialista de libertação nacional para o nosso país”, insistiu Kreyness, ressaltando que “não é possível construir uma sociedade mais justa, sem exploradores nem explorados, se o país não se libertar das suas amarras com o imperialismo”. E, para isso, “é necessário construir a correlação de forças que nos permita avançar nessa direção”.

Por isso, ele traçou como prioridade “colocar no centro um plano de ação, um plano político, um programa de governo, em um cenário em que as forças políticas tradicionais chegam a um grau de esgotamento”. Nesse cenário, ele indicou que “vemos um peronismo disposto à libertação da pátria, à soberania, à dignidade nacional e à justiça social, mas também há outro que é diferente: muitos governadores do PJ estão apoiando Milei e seus projetos legislativos”.

Ao mesmo tempo, definiu que “quando conseguirmos tirar Milei e companhia do governo, o que vai sobrar é uma verdadeira devastação e, então, vamos precisar de uma política e de um plano de reconstrução nacional que deve partir de ideias que não são as que prevaleceram até agora, não são as ideias de moderação e institucionalismo fora de contexto”. Por isso, ele antecipou que “temos pela frente um trabalho enorme e, por isso, devemos recompor, no melhor estilo plebeu e revolucionário, um Partido Comunista que seja capaz de estar à altura das necessidades do povo argentino e, especialmente, da classe trabalhadora neste momento tão delicado do país”.

Contexto regional e global

“A América Latina é um continente em disputa”, destacou o líder do PC ao se referir ao mapa internacional em que ocorreu o processo eleitoral que culminou no último domingo e ressaltou que “os EUA vivem uma profunda crise que se expressa, em parte, no fato de que cada vez lhes custa mais dominar o mundo”. Junto com isso, ele observou que na Ásia, com a presença da República Popular da China e da Índia, “perdeu essa capacidade de ter influência e algo semelhante acontece na África, especialmente pela presença chinesa com seus investimentos e estilo de relações internacionais que prioriza que ambas as partes ganhem”.

Enquanto isso, em Nuestra América, “temos os casos de Cuba, Venezuela e Nicarágua, que se mantêm como processos revolucionários” e, ao mesmo tempo, surgem novas vozes, “como as do México e da Colômbia”, algo que ficou explícito com o que aconteceu em torno da convocação da Cúpula das Américas que, a pedido dos Estados Unidos, será realizada em Santo Domingo durante os primeiros cinco dias de dezembro. Para esse encontro, Cuba, Venezuela e Nicarágua foram marginalizadas, pelo que a Colômbia e o México decidiram não comparecer.

“Temos dois projetos em conflito em nossa região”, afirmou o secretário do PC e explicou que um deles “é o da clássica dominação estadunidense, em alguns casos com alguma participação da Europa Ocidental”, enquanto, por outro lado, surge aquele “que se baseia em um esquema diferente, diverso e plural, baseado em critérios de soberania e dignidade nacional que, mesmo com suas contradições, tenta avançar com independência”. Por isso, enfatizou, “somos um continente em constante luta, onde há derrotas e vitórias”.

Com esse pano de fundo, “com o retorno de Trump e sua política agressiva, neste momento está sendo instalada uma força naval muito poderosa com capacidade de ataque no limite do mar territorial venezuelano, no Caribe”, mas também “o imperialismo norte-americano utiliza o mecanismo do endividamento dos países subjugados para consolidar a subjugação, como acontece na Argentina”, onde “aproveita o governo de Milei para avançar sobre o nosso território, com a ideia de instalar uma base de submarinos que lhe permita controlar o Atlântico e o Pacífico sul e o acesso à Antártida”.

Por isso, ele não hesitou em afirmar que “na Argentina, estamos vivendo uma rendição e há o risco de que isso se aprofunde como produto desse resultado eleitoral, porque eles vêm atrás do lítio e das terras raras, que são fundamentais para o desenvolvimento das novas tecnologias”, mas também “estão entregando a pampa úmida e a Sociedade Rural, a Coninagro e a Carbap terão que se submeter à hegemonia do grande capital dos fundos de investimento como BlacRock e Vanguard, que querem se apropriar do mercado local de alimentos para ter mais peso no mercado mundial desses produtos”.

Fica evidente, então, o que significa a “ajuda” dos ianques, mas também qual é o papel do braço militar do império que atualmente está presente em nosso país no âmbito da Operação Tridente. “No domingo, fomos às eleições com a presença de tropas americanas nos portos de Bahía Blanca, Mar del Plata e Ushuaia”, denunciou Kreyness, alertando que isso está intimamente ligado aos interesses estratégicos dos Estados Unidos, os mesmos que levaram Donald Trump e Scott Bessent a serem os grandes vencedores de 26 de outubro. Para ilustrar isso com clareza, ele disse que “com a ameaça de que, se La Libertad Avanza não ganhasse, a suposta ajuda não chegaria e o dólar dispararia, eles se envolveram totalmente na eleição, somando um fator de peso”.

No mesmo sentido, lembrou que, como se tudo isso não bastasse, dois dias antes das eleições, foi realizada no Teatro Colón a reunião anual do banco JP Morgan, liderada por seu CEO, Jamie Dimon, que contou com a presença da ex-secretária de Estado americana, Condolezza Rice, e do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair. Também participaram representantes do empresariado “nacional” que apoia este governo cipayo [entreguista] e aumenta suas fortunas na especulação financeira, como Marcos Galperin (Mercado Libre), Eduardo Escasany (Grupo Galicia), Armando Loson (Grupo Albanesi), Mariano Bosch (Adecoagro) e Eduardo Elsztain (IRSA); também esteve presente o CEO da YPF e homem forte da Techint, Horacio Marín (que aproveitou a ocasião para fazer lobby por sua nomeação ainda não confirmada como chefe de gabinete do governo), e o anfitrião Facundo Gómez Minujín, CEO do JP Morgan no país e presidente da influente AmCham (Câmara de Comércio dos Estados Unidos na Argentina).

Dimon é uma peça-chave nas conversas que a Presidência Milei está realizando para obter um pacote de apoio financeiro sustentado com fundos privados. Este é um excelente negócio para o JP Morgan que, além de ter colocado figuras de sua confiança nos cargos mais altos da gestão econômica do nosso país (como o próprio Toto Caputo e o presidente do Banco Central, Santiago Bausili), nomeou como ministro das Relações Exteriores o ex-secretário de Finanças Pablo Quirno, e se esfrega as mãos diante de uma nova rodada de endividamento para o povo argentino.

“Esse banco que leva o nome de um pirata é o designado para realizar as transações e manobras financeiras em torno da dívida, ajudou Milei e continuará a fazê-lo para que ele permaneça no governo”, afirmou.
Por fim, o secretário-geral do Partido Comunista da Argentina lembrou que, assim que assumiu a presidência, Milei rejeitou a adesão do nosso país ao BRICS, o que “significou ficar de mãos e pés atados às estratégias dos EUA, que busca levar nossos recursos, nos afogar economicamente e controlar a passagem bioceânica sul e o acesso à Antártida com instalações militares de uma potência que fez uso de armas nucleares contra seres humanos, um país em permanente estado de guerra que ataca e invade outros e que apoia o sionismo israelense contra o povo palestino, constituindo um genocídio digno da mais tremenda repulsa”.

Fonte: https://nuestrapropuesta.org.ar/secciones/politica/asistimos-a-una-crisis-de-representaci%C3%B3n-pol%C3%ADtica-enorme.html

Pátria ou colônia. Povo ou capitalismo
Redação Nossa Proposta (Jornal do Partido Comunista da Argentina) — 29/10/2025

As eleições legislativas do dia 26 de outubro em todo o país confirmaram uma tendência que vinha sendo observada ao longo das eleições provinciais: 2025 foi o ano com menor participação do eleitorado desde a recuperação da institucionalidade democrática em 1983. A vitória esmagadora nas urnas do La Libertad Avanza é, ao mesmo tempo, uma vitória do imperialismo ianque, dos inimigos jurados de nossa pátria e de nosso povo. Para aqueles que, como nós, defendemos os interesses nacionais e populares, não há nada a comemorar. A interferência direta e clara de Donald Trump e Scott Bessent na campanha eleitoral foi decisiva para o resultado.

O campo popular sofre uma enorme crise de representação que não poderá ser resolvida sem uma verdadeira alternativa política, que será disruptiva e anticapitalista ou não será. Mais uma vez, venceu o discurso da antipolítica e do individualismo exacerbado. E mais uma vez perdeu a ideia do possibilismo como resposta aos múltiplos problemas que a grande maioria da nossa sociedade enfrenta diariamente, que há mais de uma década vê com indignação como, governo após governo, seus rendimentos desmoronam.

O agravante dessa vitória da direita neofascista, neocolonial e ultraliberal em relação à de 2023 é que agora já estava comprovado na prática que todas as suas ameaças eram verdadeiras.

É alarmante o fato de que cerca de metade dos eleitores, somando os da LLA em aliança com o macrismo e aqueles que optaram por apoiar em suas províncias as diferentes opções que foram um suporte para garantir as reformas regressivas do governo nacional, tenham sido indiferentes em seu conjunto ao ajuste brutal que se expressa cruelmente em centenas de milhares de demissões, dezenas de milhares de fábricas e PMEs fechadas, aposentados famintos e reprimidos, cortes criminosos em deficiência e pediatria, congelamento e suspensão de programas de assistência social e prevenção da violência de gênero, redução extrema do investimento em educação, saúde, ciência e cultura, entre uma longa lista de retrocessos que afetam diretamente o bem-estar comum.

Os escândalos de corrupção e ligações com o narcotráfico que envolveram candidatos e funcionários de primeira linha do governo de Javier Milei não foram tão escandalosos na hora da votação. As declarações de Patricia Bullrich culpando o feminismo pela escalada de feminicídios que ocorreu nas últimas semanas não a impediram de vencer confortavelmente a eleição na cidade de Buenos Aires.

Enquanto a entrega obscena de nossos recursos naturais e da soberania nacional ficou evidente com a presença de tropas militares americanas nas bases navais de Mar del Plata, Bahía Blanca e Ushuaia, através da vontade explícita de privatizar as centrais nucleares e hidrelétricas e por meio do novo “Estatuto Legal de Coloniaje” com o FMI, o governo dos EUA e o banco JP Morgan para que assumam de fato o rumo econômico e político de nosso país, não foi um fator que prejudicou o desempenho eleitoral da LLA. Muito pelo contrário.

Este quadro de situação exige que fortaleçamos urgentemente a batalha cultural e ideológica como parte intrínseca da luta política e reivindicativa concreta, se quisermos fortalecer a vocação de poder do movimento popular e reverter a tragédia social que estamos vivendo. A correlação de forças adversa que destaca o resultado da eleição do último domingo, sem dúvida, pode ser modificada. Para isso, será necessário modificar também a hegemonia que ainda prevalece no campo popular, envolvida no institucionalismo estéril de uma democracia restrita, absorta em disputas internistas e cada vez mais distante das bases e de suas lutas. Grande parte da liderança política e sindical que se assume como oposicionista viu passar tal crise das janelas de seus escritórios.

Não há argumentos que justifiquem evitar os debates e as autocríticas necessárias para construir uma unidade programática, uma unidade séria e organizada, e colocar em marcha um projeto para a Refundação e a Libertação da Pátria. Nesse caminho, inevitavelmente será necessário decidir ultrapassar os estreitos limites de uma democracia burguesa tutelada pelos monopólios e pelo capital financeiro transnacional e criar, com o poder popular, uma nova democracia, participativa e protagônica, apoiada em uma nova Constituição Nacional que garanta verdadeiramente nossos direitos de viver com dignidade.

No contexto da crise que atravessa a Argentina, amarrada de pés e mãos aos desígnios de Washington, a crise global do sistema capitalista em acelerada decomposição torna cada vez mais selvagem a ação do imperialismo, que desencadeia guerras e genocídios, impõe bloqueios, ameaça com invasões e apela ao neofascismo e à desestabilização para sustentar sua debilitada hegemonia e recuperar a taxa de lucros afetada pelo avanço de um mundo multipolar, promotor da paz e do desenvolvimento compartilhado.

O governo de Milei representa tudo isso. É o governo do capital financeiro global mais concentrado.

Pensar que esse sistema baseado na exploração e na alienação pode ser humanizado em nosso país seria persistir nos erros, nas limitações e nas concessões que nos trouxeram a este presente trágico. O ponto de partida para formar uma alternativa que defenda consequentemente os interesses soberanos e populares deve ser o desconhecimento da fraude da dívida externa e o horizonte pós-capitalista, emancipador, que contribua para um processo de integração latinoamericana e anti-imperialista, para o qual propomos caminhar em unidade, é o socialismo pelo qual lutaram, a partir de suas diferentes tradições políticas, nossos 30 mil companheiros detidos e desaparecidos.

Os milhões de votos obtidos pela LLA nesta eleição não dão nenhuma legitimidade ao governo para leiloar a pátria e esmagar a dignidade do nosso povo. Este projeto de jogo financeiro concebido para aumentar as fortunas de poucos e a pobreza e exclusão da grande maioria não poderá se sustentar por muito tempo. Mas, para derrotá-lo o mais rápido possível, será preciso lutar sem trégua.

A anunciada segunda parte da Lei Bases e o pacote de reformas trabalhistas, previdenciárias e tributárias que o governo de Milei tentará implementar imediatamente, aproveitando o vento favorável da recente vitória eleitoral, ampliarão as desigualdades sociais e agravarão os conflitos. Diante disso, impõe-se a convocação de um plano de luta com mobilização em todas as províncias como um ponto de inflexão no processo de resistência, ainda disperso, para unir e fortalecer todas as demandas contra o ajuste, a rendição e a repressão e estabelecer as bases a partir de baixo para a alternativa política de que nosso país precisa.

A esperança está nas ruas, nos locais de trabalho, nos estudos e em cada bairro. Confiamos na capacidade combativa do povo argentino, ao qual o Partido Comunista oferece um espaço de luta.

Distribuir a riqueza não é apenas necessário, é urgente e possível.

Vamos virar a motosserra!

Declaração do Secretariado Nacional do Partido Comunista da Argentina

Fonte: https://www.nuestrapropuesta.org.ar/secciones/editorial/patria-o-colonia-pueblo-o-capitalismo.html

Traduções: Rede Marxista