Entrevista com Aleka Papariga, Secretária Geral do KKE

Carlos A. Lozano Guillén*

21.Jun.10

Para os comunistas gregos a única opção [para a presente crise do capitalismo] é a saída popular, que não pode ser outra senão o socialismo. Não há saídas intermédias, tão pouco reformistas, num mundo, a seguir à derrota soviética, em que sectores da pseudo-esquerda sentem pânico da luta pela transformação revolucionária da sociedade.

Em exclusivo para VOZ, a principal dirigente do KKE (sigla, em grego), influente partido que tem estado na cabeça das mobilizações populares na Grécia, respondeu com gentileza às perguntas que lhe fizemos chegar, por correio electrónico.

Aleka Papariga é a Secretária-Geral do Partido Comunista da Grécia (KKE) desde a década de noventa, depois de se ter destacado como dirigente estudantil. É uma aguerrida parlamentar, cujo protagonismo é extraordinário na actual conjuntura, pois a sua voz levanta-se no Parlamento para se opor às soluções burguesas e, sem nenhum temor, chama as massas populares a rebelarem-se e a resistirem à ofensiva capitalista. A entrevista é um documento de singular valor, esclarece o fundo da situação da crise no velho continente e as causas da mesma.

A Aleka, miúda e de pequena estatura, sobra-lhe coragem. Diz que para os comunistas gregos a única opção é a saída popular, que não pode ser outra senão o socialismo. Não há saídas intermédias, tão pouco reformistas, num mundo, a seguir à derrota soviética, em que sectores da pseudo-esquerda sentem pânico da luta pela transformação revolucionária da sociedade. A postura desta mulher, que orgulha as mulheres e os comunistas, homens e mulheres de todas as latitudes, é medular, interpreta o mais alto da maré da luta de classes e a sua acção está na crista da onda, é um exemplo para o seu país e para o mundo.

Crise cíclica capitalista

Carlos Lozano A Lozano Guillén (CL): – Quais são as causas da actual situação na Grécia?

Aleka Papariga (AP): – A causa da profunda crise em que a Grécia se encontra é a mesma de todos os países capitalistas desenvolvidos. Trata-se de uma clássica crise cíclica da economia capitalista. De facto, é uma crise generalizada e profunda. Independentemente da forma em que se manifesta neste ou naquele país, é o resultado da sobre-acumulação de lucros e capitais e da dificuldade em encontrar novas saídas, sem obstáculos, de rentabilidade contínua, o que é impossível de ultrapassar sem uma depreciação do capital.

Isto é o que os governos, os organismos internacionais imperialistas e os vários

analistas, utilizando todos os meios, tratam de ocultar aos povos.

Na Grécia, a crise apresenta-se como um problema de grande dívida pública e de grande défice estatal. Vale a pena mencionar que no nosso país, nos últimos 15-20 anos, houve altas taxas de crescimento, com um aumento escandaloso dos lucros de todos os sectores da plutocracia. Este «milagre» grego foi levado a cabo por governos social-democratas e liberais, tendo como guia uma estratégia comum que foi apoiada pela União Europeia (UE): medidas contra os trabalhadores, reformas reaccionárias em todos os sectores, reformas laborais e na segurança social, privatizações, mercantilização da saúde e da educação, financiamento estatal e provocadoras medidas de isenção de impostos para o capital.

O objectivo foi o de fortalecimento dos monopólios, tanto gregos como europeus, nas suas actividades dentro e fora da UE.

Ao povo grego foi dito que esta é a via, que esta estratégia assegura o desenvolvimento contínuo e que o resultado final beneficiará também o povo. Os factos vieram dar razão ao Partido Comunista da Grécia [KKE, sigla em grego], que desde o princípio advertiu que esse caminho só ia trazer problemas ao povo e crise.

O povo a pagar a crise

Agora, a classe burguesa e os seus partidos políticos cooperam para que o povo pague a crise e os impasses do capitalismo. Querem descarregar nas costas dos trabalhadores e dos sectores pobres do povo os novos empréstimos públicos para financiar a concentração de capitais que se asfixiam e correm o risco de desaparecer. Ao mesmo tempo, utilizam a crise para aplicar medidas reaccionárias que queriam implementar há vários anos, a fim de embaratecer a força de trabalho e retirar da produção grandes sectores de trabalhadores autónomos e pequenos empresários.

A crise capitalista não é a doença, mas um sintoma da incurável doença do capitalismo, cujo desenvolvimento continua a ser anárquico e desigual, em todos os sectores da economia e na fase em que prevalecem os monopólios. As medidas anti-populares dos governos, na fase de desenvolvimento, bem como na própria crise, são uma demonstração evidente de que o capitalismo está obsoleto. Todas as suas contradições se agudizaram ao máximo e sobretudo a contradição fundamental entre o capital e o trabalho.

CL: – Como pretende resolver a crise o governo social-democrata?

AP: – Antes das eleições, em Outubro passado, advertimos o povo grego, da maneira mais explícita, para as duras medidas que estavam para vir depois das eleições.

Inclusivamente, indicámos a razão pela qual a plutocracia e os mecanismos do sistema escolheram e apoiaram o estabelecimento de um governo social-democrata.

Considerávamos que era mais capaz de impor as duras medidas anti-laborais do que o governo conservador, já que controlava a liderança do movimento sindical, dos pequenos comerciantes e dos trabalhadores autónomos. Assinale-se que, tanto no período pré-eleitoral como agora, o actual governo apresentou a crise, o aumento do défice e da dívida pública como resultado de uma má gestão, de falta de transparência e de corrupção dos governos anteriores.

O governo do PASOK (social-democracia) pretendeu e pretende desorientar e submeter o povo, utilizando truques e dilemas para o intimidar. Ainda que o seu programa contenha as medidas anti-laborais que actualmente implementa e que, inclusivamente, haviam sido votadas e apoiadas pela União Europeia, ao princípio parecia não querer implementá-las e que se viu a isso obrigado pelo curso dos acontecimentos, pelas pressões da UE e do FMI. Ambos os organismos apoiam e ajudam o Governo, propondo as mesmas bárbaras medidas contra os trabalhadores.

Para lançar uma guerra implacável contra o povo utilizou o dilema: ou grandes sacrifícios ou bancarrota. Desta maneira, tratou de apresentar estas medidas, que são necessárias para o capital, como necessárias também para o povo. Apresentou as agudas contradições do capital e dos governos, dentro e fora da UE, como uma guerra de especuladores, à custa do país. Igualmente pretendeu e pretende apresentar e utilizar o apoio de todos os sectores da plutocracia e dos meios de comunicação, como apoio de parte do povo.

Abrindo caminho ao protesto popular

CL: – Qual é a reacção ou a resposta dos trabalhadores?

AP: – Lamentavelmente, a maioria da classe trabalhadora e dos sectores populares pobres não tiveram em conta, com a seriedade requerida, as advertências do KKE.

Imediatamente depois das eleições, como KKE e como PAME (Frente Militante de todos os Trabalhadores), tomámos iniciativas para desencadear e organizar a tempo a luta contra a ofensiva anti-operária que estava para vir. A primeira greve que o PAME convocou, a 17 de Dezembro, tinha a oposição, tanto do governo, dos grandes industriais e dos partidos burgueses, como dos líderes sindicais que expressam os interesses da aristocracia operária, e todos tiveram uma reacção raivosa.

Não obstante, essa greve e a luta pelo seu êxito marcaram o início do arranque do contra-ataque do movimento de classe organizado, da intervenção política do partido para se dar um golpe decisivo no fatalismo e na submissão, e abriu o caminho para a criação e expressão da disposição militante dos trabalhadores e das classes populares.

Hoje, podemos dizer com segurança, que a propaganda e os dilemas do governo e dos seus aliados não deram frutos. A maioria do povo condenou as medidas e uma grande parte dos trabalhadores e dos sectores populares, superando as várias formas de intimidação, participou nas greves e nas mobilizações, principalmente do PAME e nas manifestações do KKE.

O inconformismo popular

Neste período, constatámos que uma parte significativa dos trabalhadores e do povo sente ressentimento e descontentamento e que se desenvolvem processos significativos na sua consciência. O Governo e a totalidade dos mecanismos do sistema utilizam todas as armas de que dispõem para obstaculizar a sua radicalização. O que realmente os preocupa e querem anular, de qualquer maneira, é a emancipação das consciências populares da via de sentido único do capitalismo. Querem impedir a participação activa no movimento de classe organizado e a adopção das posições e da proposta política do KKE.

Para o conseguir, utilizam o flagrante anticomunismo, a calúnia, as mentiras, as ameaças. Inclusivamente, utilizam provocações organizadas, com mortos, tentando identificar a mobilização dos trabalhadores com a «violência cega» dos serviços secretos.

Nem sequer têm pejo em nos acusar como instigadores morais, por causa da nossa posição de desobediência popular perante as medidas antipopulares, exigindo submissão e renúncia às formas de luta escolhidas pelo movimento. Cada vez mais abertamente nos colocam o dilema «respeitam ou não respeitam a Constituição?», exigindo que deixemos de lutar pelo socialismo.

Que saibam que a nossa resposta é só uma; estão a bater à porta errada. O sistema não pode subjugar o KKE. Para nós, a lei é a razão do povo e não necessitamos de autorização de ninguém para lutar em conjunto com o povo contra a política antipopular, contra a plutocracia, para a sua derrota, e pelo socialismo.

A proposta dos comunistas

CL: – Que saída propõe o KKE?

AP: – Frente aos dilemas que os nossos adversários colocaram ao povo, em relação com a crise, a nossa resposta é que vai cair na bancarrota ou o povo ou a plutocracia. Não existe solução intermédia. Não existe saída da crise a favor do povo, sem que se toque drasticamente nos lucros, na força e, em consequência, no poder dos monopólios. Por isso, a única via que o povo tem para colocar obstáculos às duras medidas tomadas à sua custa é um contra-ataque de classe, político, decisivo.

A nossa proposta de saída da crise resume-se à consigna: «aliança popular de

trabalhadores, anti-monopolista, para o poder popular», que é necessária para conseguir mudanças radicais, primeiro, a nível da economia e, em geral, a nível do poder.

O caminho para satisfazer os direitos populares contemporâneos, para que o nosso país confronte as intervenções e os antagonismos dos organismos imperialistas internacionais, é que o povo esteja no poder, tendo nas suas mãos o controlo da economia e da produção.

Por isso, a proposta de alianças e poder para o povo têm os seguintes eixos básicos: que todas as grandes fábricas e empresas de energia e de matéria-prima, os transportes, as telecomunicações, as indústrias, o comércio e os bancos sejam propriedade social. Que se socializem os monopólios, de maneira que, com a planificação centralizada do poder popular, se utilizem todas as capacidades produtivas do país, tendo como único critério as necessidades do povo. Ao seu lado funcionarão, incluídas na planificação nacional, as cooperativas de produção dos pobres e médios camponeses e dos pequenos comerciantes. Que a terra deixe de ser uma mercadoria. Que não exista actividade empresarial nos sectores da educação, da saúde e do bem-estar social.

A base do poder popular serão as unidades de produção do sector socializado e das cooperativas, cujos representantes poderão ser substituídos e, em simultâneo, existirá o controlo operário popular, da base ao topo.

Esta Grécia do poder popular e da economia popular não cabe em nenhum tipo de organismo imperialista como são a UE, a NATO, etc. Renegociará a dívida pública e tratará de conseguir acordos internacionais e cooperações numa base completamente diferente e utilizará as contradições imperialistas na medida em que o puder fazer. Para nós, o poder popular não pode ser outro senão o socialismo.

O fracasso de Maastricht

CL: – Esta situação, em relação com as especificidades em Portugal e Espanha, demonstra o fracasso da UE e do Tratado de Maastricht?

AP: – O Tratado de Maastricht e a política dos monopólios europeus nele baseada, com o fim de serem mais competitivos e rentáveis que os seus antagonistas, trouxe resultados para o capital europeu. É claro que isto só poderia fazer-se à custa dos trabalhadores e dos povos dos países da UE, assim como dos países onde opera o capital europeu.

O fracasso da UE está subjacente no facto de que a crise demonstrou a bancarrota completa dos argumentos de todos os seus defensores, tanto liberais, como social-democratas e «esquerdas». A UE não é nem pode ser a favor dos povos. É uma construção dos monopólios europeus e, como tal, é reaccionária e perigosa para os povos. No interior da UE não foi enfrentada a desigualdade entre os países; ao contrário, agudizou-se. Não se converteu nem se converterá no contrapeso dos EUA ou de outros centros imperialistas. São aliados e atacam os povos unidos. Ao mesmo tempo, lutam ferozmente entre si, para ganhar no antagonismo, ter a maior parte dos mercados e ampliar a sua influência no mundo.

O caminho a favor do povo é só o socialismo e jogar-se-á primeiro a nível nacional. Na Europa, cada povo que escolha esta via de desenvolvimento e de organização da sociedade contra a exploração do capital e dos monopólios estará obrigatoriamente contra a UE.

* Carlos Lozano é director do semanário de Voz, jornal do Partido Comunista da Colômbia. Aleka Papariga é Secretária-Geral do Partido Comunista da Grécia (KKE)

Esta entrevista foi publicada em Voz nº 2.543, de 2 a 8 de Junho de 2010

Texto em português publicado em www.pelosocialismo.net