Entrevista: Para ex-preso político o governo brasileiro ainda teme ações dos militares

“A constatação é de que eles, militares, venceram. No sentido de que o projeto, a partir do governo Geisel, foi estabelecido como da distensão lenta, gradual e segura, e vem sendo garantido em sua execução até hoje, sem que, na verdade, a gente tenha conseguido fazer frente a isso.”

A declaração acima foi retirada de uma entrevista concedida ao Correio da Cidadania, por Anton Fon Filho, encarcerado pelo regime entre 1969 e 1979, e hoje membro da Rede de Advogados Populares.

Anton explica que o primeiro passo para essa ‘vitória’ dos militares é a lei de anistia, que garante formalmente a anistia para os torturadores. Para ele, o governo ainda se curva às forças armadas, pois “ainda hoje, na verdade, se trabalha sempre com o medo de o que os militares iriam pensar de cada projeto, do projeto de reforma agrária, do projeto de uma lei de remessa de lucros, de qualquer projeto que se pense, avançando na revolução democrática, sempre se cai no medo do que os militares pensarão.”.

Outro fato importante, citado por Anton, foram as recentes declarações da presidente Dilma Rousseff e do Ministro Celso Amorin. Dilma, que militou na Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares e que foi torturada e presa por três anos em sua juventude, elogiou o suposto ‘pacto’ entre as forças oponentes da época, que teria permitido o retorno do país à democracia.

Somado à declaração da presidente, Celso Amorin afirmou, de forma infeliz, que o Estado brasileiro já se redimiu com os perseguidos e massacrados resistentes à ditadura, através das indenizações pagas a essas pessoas, sem se ater ao fato de que muitos brasileiros jamais viram tais indenizações, como é o caso de alguns militares contrários ao golpe e camponeses, que tiveram suas restituições suspensas recentemente. “Eu penso em primeiro lugar que essas declarações comprovam o que eu já disse, que o processo de transição como pensado pelos militares e executado por eles, até agora, foi vitorioso.”.

Comissão da Verdade

Em sua entrevista, Anton confessa que não chega nem a estar frustrado com a Comissão Nacional da Verdade (CNV), pois já havia, para ele, muita desconfiança no produto que viria a ser gerado pela CNV.

“Nomearam sete integrantes, que teriam 14 assessores, ou seja, em torno de 21 pessoas, para avaliar as violações de direitos humanos praticadas pelo Estado desde 1945 até 1988. É verdade que a Comissão deixou para trás boa parte desse período e fixou seu exame a partir de 1964, mas nós estamos falando de 24 anos para serem examinados por 21 pessoas, cada um desses comissários ou de seus assessores teriam que se dedicar ao exame de um ano e dois meses das violações de direitos humanos ocorridas no Brasil, lembrando que a CNV não possui recursos próprios, depende de investimentos da Casa Civil, então, na verdade, não poderiam chegar a resultados mais concretos.”

A prova dessa fragilidade, mencionada por Anton, foi fato casual, ocorrido em Porto Alegre, que beneficiou a CNV, quando, durante um assalto, um oficial do exército, que havia sido comandante do DOI-CODI, foi morto, e na investigação do crime foram descobertos, em sua casa, documentos que davam pistas sobre o assassinato do deputado Rubens Paiva. Ou seja, um dos grandes êxitos dessa Comissão, foi fruto de um acaso.

“Quando foi apresentado o projeto, me parecia que teria sido muito melhor investir no sentido de que as autoridades se convencessem da necessidade de se submeter e executar a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que declarou nula de pleno direito a auto-anistia e que com isso se desse a punição dos militares que praticaram essas torturas.”, desabafou.

Veja a entrevista: https://www.youtube.com/watch?v=43va29ySNvc

Fonte: http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cat=&cod=80156