A aliança do PT com as oligarquias alagoanas
Para o pensador alemão Walter Benjamin, quando a esquerda perde uma grande oportunidade de mudar a sociedade a consequência é sempre um período de barbárie. Essa tese de quem observou a derrota dos revolucionários e a ascensão do nazismo na Alemanha dos anos 1930 ajuda a entender os resultados das eleições alagoanas e brasileiras nos últimos 12 anos.
No pleito de 2014, a pesada máquina eleitoral das oligarquias de Alagoas foi auxiliada de modo aberto ou velado por outra máquina, formada pela maioria dos sindicatos, associações de classe e movimentos sociais, antes pilares da resistência da sociedade civil. Essa aliança perversa, uma das expressões da guinada à direita do Partido dos Trabalhadores (PT), retirou uma série de pontos de apoio dos setores mais avançados da população e os utilizou contra o próprio povo. Com algumas diferenças, o mesmo processo ocorreu no país inteiro.
Um exemplo basta: os movimentos sociais dos trabalhadores sem terra não organizaram um debate sobre a questão agrária com os candidatos ao governo de Alagoas, perdendo uma oportunidade decisiva de politizar o tema, mudar o rumo da prosa na eleição e desconstruir o discurso dos partidos ligados ao latifúndio. O vazio criado pela omissão dos movimentos populares agrários foi ocupado pelo discurso dos candidatos oligárquicos em defesa de mais subsídios para o agronegócio.
Existe um vínculo direto e necessário entre a estratégia nacional petista e o aumento do poder das oligarquias regionais nas últimas eleições. O apoio do PT à coligação liderada por Renan Filho foi uma derivação lógica da prática de aliar-se à direita no Congresso em benefício dos governos federais do partido. A estratégia nacional petista para o avanço das ideias e forças de esquerda, baseada no surrealista pressuposto de que a direita estaria disposta a ajudar o PT a superar os problemas sociais e políticos do país e, no limite desse raciocínio tresloucado, edificar o socialismo via Parlamento, não tem respaldo em qualquer teoria da socialdemocracia, do marxismo ou de qualquer outra perspectiva, é apenas um disfarce consciente ou inconsciente para o fato de que a proposta petista transformou-se numa versão particular do projeto político do grande capital.
Há doze anos, o PT produz uma hegemonia às avessas, impõe o projeto do grande empresariado, disfarçado com pequenos avanços no consumo de massa comuns a quase todos os países capitalistas no mesmo período, à maioria das entidades populares e, desse modo, destrói grande parte das forças vivas da esquerda. Em outras palavras, a guinada à direita do PT engolfa a maioria dos sindicatos e os movimentos sociais levando-os a aderir aos interesses do grande capital; adesão que se expressa, por exemplo, nas suas alianças eleitorais tácitas ou abertas com as oligarquias estaduais. Estas circunstâncias passaram a criar, em determinado momento, um enorme vazio político à esquerda, pois os partidos socialistas (PCB, PSTU, PSOL e PCO) não conseguiram crescer com a rapidez necessária pelo fato de serem combatidos, ao mesmo tempo, pela direita e pela máquina petista no Estado, na estrutura sindical e nos movimentos sociais.
O vazio assim produzido começou a ser ocupado pelos vários matizes da direita, que hegemonizaram o debate na sociedade civil e passaram a disputar todas as instâncias de poder com os petistas. Essa direita tem encontrado facilidade de isolar os partidos de esquerda (pelo fato de a maioria dos sindicatos e movimentos sociais permanecer sob a hegemonia petista) e está em vias de vencer o PT no nível federal. Em resumo: indo para a direita, levando a maioria dos sindicatos e movimentos sociais pelo mesmo caminho e dificultando o crescimento dos partidos socialistas, o PT ajudou a criar uma sociedade peculiar e trágica na qual a esquerda não existe como corrente política de massas. Sem a presença da esquerda, qualquer sociedade capitalista tende a mergulhar na barbárie, pois não há um contrapeso aos interesses das grandes empresas e as políticas públicas tornam-se residuais. O PT virou um partido da Ordem e disputa as eleições com as mesmas armas dos outros partidos de direita, ou seja, afagando os interesses do empresariado e rejeitando os valores socialistas. A citada tese de Walter Benjamin começa a concretizar-se no Brasil contemporâneo: o deputado federal mais votado do país é praticamente um integralista.
Em Alagoas, as consequências da aliança do PT com uma parte da direita são ainda mais trágicas, pois o estado vive uma regressão econômica, cultural e política há seis décadas. Como a sociedade civil é mais frágil em Ala-goas do que na maioria dos outros estados, a ausência de um polo progressista e de esquerda com influência de massa na terra de Graciliano abre uma vereda muito mais ampla para a barbárie. Nessas circunstâncias, a resistência dos alagoanos favoráveis à civilização e aos mais altos valores humanos precisa ser muito mais abnegada, organizada e eficiente.
Ilustração: Renan Filho encontra-se com sindicatos e movimentos sociais ligados ao PT-AL