E que fim levaram os “humanitários” que iam salvar os líbios com bombas e drones?!

David Cameron (E), Mustafa Abdul Jalil (C) e Nicolas Sarkozy os “herois” de fancaria na Líbia

Gleen Greenwald* e Murtaza Hussain**, The Intercept

WHAT HAPPENED TO THE HUMANITARIANS WHO WANTED TO SAVE LIBYANS WITH BOMBS AND DRONES?

Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Apenas três anos depois da intervenção militar pela OTAN contra a Líbia e com a intervenção elogiada pelos interventores como se tivesse sido retumbante sucesso, a Líbia é país em colapso total. A violência e a anarquia são de tal modo disseminadas, que “praticamente nenhum líbio consegue viver vida normal” – escreveu Stephen Kinzer, da Brown University, no Boston Globe, semana passada.

Mês passado, o Parlamento líbio, sem exército funcional que lhe garanta proteção contra milícias fortemente armadas, foi obrigado a fugir de Trípoli e abrigar-se num barco grego.

O New York Times noticiou em setembro que

(…) o governo da Líbia declarou (…) que perdeu o controle de seus ministérios para uma coalizão de milícias que tomou a capital, Trípoli, em mais um sinal claro do esfacelamento do estado.

A luta sectária e atraso nos pagamentos destruíram quaisquer tentativas que EUA e Grã-Bretanha tenham feito para treinar soldados líbios, o que levou os dois países, semana passada, a abandonar completamente programas futuros:

(…) nenhum único soldado foi treinado pelos EUA, porque o governo líbio não compareceu com o dinheiro prometido.

A Agência Associated Press noticia hoje que uma cidade inteira, Derna, rendeu-se e jurou fidelidade ao Estado Islâmico no Iraque e Levante [ing. ISIS],

(…) tornando-se a primeira cidade fora do Iraque e da Síria a unir-se ao ‘califado’ anunciado pelo grupo extremista.

Relatório distribuído pela ONG Anistia Internacional há duas semanas, documentava que

(…) milícias foras-da-lei e grupos ilegalmente armados de todos os lados do conflito na Líbia ocidental, cometem cada vez mais e maiores crimes de abusos de direitos humanos, inclusive crimes de guerra.

Em suma, é quase impossível exagerar os horrores que os líbios são obrigados a enfrentar diariamente, e a miséria tomou conta do país.

Tudo isso leva a uma pergunta óbvia: que fim levaram todos os “humanitários” que tanto insistiram que seriam movidos por profunda e nobre preocupação pelo bem-estar do povo líbio, quando clamavam a favor da intervenção pela OTAN? Quase sem exceção, os que advogavam a favor de ação militar da OTAN em campo na Líbia sempre disseram que a ação seria motivada, não por objetivos primariamente estratégicos, ou pelos recursos naturais líbios, mas por puro altruísmo.

Nicholas Kristof, do New York Times, escreveu:

(…) a Líbia nos faz lembrar que às vezes é possível usar ferramentas militares para fazer avançar causas humanitárias.

Anne-Marie Slaughter, ex-assessora do governo Obama, clamava que

(…) a intervenção tinha a ver com manter “valores universais” os quais, por sua vez, encaminhariam na direção de alcançar os objetivos estratégicos dos EUA.

Ao justificar a guerra ante os norte-americanos (mais de uma semana depois de os ataques já terem começado), o presidente Obama decretou:

(…) há nações capazes de fingir que não veem atrocidades em outros países. Os EUA, não. Os Estados Unidos da América são diferentes.

O caso é que “fingir que não veem” as atrocidades atuais – e atualmente ainda muito piores que antes – na Líbia é, precisamente, o que fazem hoje os EUA, seus aliados e a grande maioria dos “humanitários” que tanto pregaram guerras e mais guerras. De fato, depois que o bombardeio foi suspenso, os pró-guerra só se mantiveram interessados na sorte do povo líbio por tempo suficiente para se vangloriarem da própria “clarividência” e para vingar-se dos que haviam discordado deles.

Slaughter teve sua “volta da vitória” com uma coluna assinada no Financial Times do dia 24/8/2011, sob o título:“Por que se comprovou que os céticos quanto à ajuda humanitária à Líbia sempre estiveram errados” [orig. Why Líbia sceptics were proved badly wrong]. Nessa coluna ela desqualifica todos que diziam que “ainda é cedo para avaliar” e que:

(…) em um ano, ou numa década, a Líbia corre o risco de desintegrar-se em conflitos tribais ou em insurgências islamistas, ou racha ao meio, ou apenas passa, de um ditador, para outro.

E insiste que nada jamais poderia ser pior que deixar Gaddafi no poder. Assim sendo, então,

(…) a Líbia é a prova de que o ocidente, afinal, é capaz de fazer escolhas com sabedoria.

Assim também Kristof aproveitou seu momento de fama para celebrar o quanto sempre acertara em suas avaliações e previsões e balanços, para visitar Trípoli no mesmo mês de agosto, e de lá anunciou que os norte-americanos eram vistos como heróis pelos líbios agradecidos. Embora toda sua coluna fosse carregada de ressalvas, sobre inúmeras coisas que ainda poderiam acabar terrivelmente mal, o colunista mesmo assim não se envergonhou de escrever que:

(…) essa foi das raras forças de intervenção militar movidas por razões humanitárias, e teve sucesso (…) e que (…) só em raros momentos há forças militares capazes de promover direitos humanos. A Líbia até aqui é modelo para esse tipo de intervenção.

Quando a derrota de Gaddafi já era iminente o blog Think Progress, que apoia a Casa Branca, explorou as emoções resultantes (exatamente como os Republicanos fizeram quando Saddam foi capturado), para provocar os Republicanos: “Será que John Boehner ainda acha que as operações militares dos EUA na Líbia são ilegais?” – Como se assassinar Gaddafi pudesse justificar aquela guerra, mesmo depois de o Congresso ter negado autorização para os ataques, ou, então, como se o assassinato de Gaddafi pudesse, só ele, assegurar resultado que favorecesse os líbios.

A mesma cena de patética autocongratulação repetiu-se também em outros países que participam da guerra.

No momento em que o Canadá encenava um espantoso desfile militar comemorativo da vitória na Líbia, com exibição de aviões da Força Aérea sobre o Parlamento em Ottawa, a Líbia mergulhava rapidamente na mais absoluta anarquia, noticiou The Chronicle Herald.

Em setembro de 2011, o Christian Science Monitor narrou como

(…) líderes ocidentais voam paraTrípoli para celebrar a vitória dos rebeldes e oferecer apoio à nova Líbia, cujo sucesso eles veem como modelo para outras revoluções árabes. O presidente francês Nicolas Sarkozy e o primeiro-ministro britânico David Cameron (na foto acima) mergulharam com prazer nos agradecimentos dos líderes favoritos da OTAN para a transição líbia, por terem combatido uma guerra “por razões exclusivamente humanitárias”.

Fonte: Pátria Latina