O objetivo imediato da invasão de Al Saud ao Iémen e a sua meta final

A agressão contra o povo iemenita, liderada pela Arabia Saudita, tem um objectivo imediato: destruir o Movimento Popular Ansarolah, e tem como meta final, que tem começado pouco a pouco a revelar-se, contender contra a crescente influência do Irão no Médio Oriente.

Esse ascendente sobre sociedades do Médio Oriente foi ganho pelo apoio efectivo que o Irão dá à luta contra os movimentos terroristas de raiz takfirí, que assolam as sociedades da Síria e do Iraque, e que se enquistaram no Iémen. Ao contrário das outras potências da zona como a Arabia Saudita, o regime de Israel e a Turquia, a concretização desta política iraniana não se baseia na agressão aos seus vizinhos ou na imposição de políticas hegemónicas. E isto apesar da enorme campanha mediática internacional que pretende mostrar um Irão belicista a partir da decisão soberana de continuar com o seu Programa de Desenvolvimento Nuclear ao abrigo do Tratado de Não Proliferação (TNP), que se encontra no âmbito das conversações entre o Irão e o denominado Grupo 5 +1.

Conversações que têm sido torpedeadas tanto pela Arabia Saudita como por Israel, que vêm na possibilidade de concretizar estes acordos o fim das sanções ao Irão e com isso a elevação do prestígio persa e a elevação das suas capacidades económicas, tecnológicas e a confirmação do seu papel como potência regional. O Irão é signatário do TNP ao contrário do regime de Israel que não só não assinou esta Convenção, como ainda impede a visita de inspectores da Agencia Internacional de Energia Atómica (AIEA) e desenvolve uma política de ocupação de territórios palestinos e de contínua agressão e ameaças no Médio Oriente.

A monarquia saudita considera o Irão o seu principal rival no Médio Oriente, desde o exacto momento em que a República Islâmica de Irão é instaurada no ano de 1979 após o derrubamento da monarquia dos Pahlevi. Antagonismo que conta com o concurso de dois parceiros principais: Estados Unidos e o regime de Israel. E isto uma vez que a Casa Al Saud criou, ao longo das últimas 5 décadas, uma estreita aliança política e militar com o regime de Tel Aviv e com Washington destinada a impedir o desenvolvimento de uma política de influência por parte do Irão ou de qualquer outra potência, que não se insira nos objectivos hegemónicos da tríade Washington-Tel Aviv-Riad.

Por outro lado, a aliança Wahabita-Sionista desencadeou os demónios da guerra e o surgimento de movimentos terroristas cuja doutrina takfirí se encontra nas madrassas sauditas dispersas pelo Médio Oriente, Paquistão e Afeganistão. Com um fluxo generoso de petrodólares que procura criar uma base salafista que actuará ali onde as autoridades do regime de Tel Aviv e Riad assinalem como necessário para concretizar os seus objectivos políticos. Aliança que se manifesta, na sua real dimensão, no abandono da causa palestina, na criação de grupos terroristas takfiris que agem como ponta de lança da política externa saudita contra Iraque e Síria, e na decisão de derrubar o Governo de Bashar al-Asad financiando o EIIL (Daesh em árabe), a Al-Qaeda e as suas diferentes facções no Magreb, Iémen, Afeganistão e outras zonas do mundo, incluindo o Paquistão e ex. repúblicas da ex. União Soviética.

Um despacho estado-unidense do ano de 2010 (o denominado documento nº 242073 enviado pela ex. Secretaria de Estado Hillary Clinton), durante o primeiro mandato de Barack Obama às suas embaixadas de Riad, Abu Dhabi, Doha, Kuwait e Islamabad confirmava a implicação da Arabia Saudita na formação e financiamento dos grupos terroristas takfirís “os doadores da Arabia Saudita constituem a fonte mais significativa de financiamento dos grupos terroristas sunitas em todo o mundo… ainda que a Arabia saudita tome muito a serio a ameaça do terrorismo interno… este país continua sendo uma base crítica de apoio para a Al-Qaeda, os talibans, Lashkar e Tayba e outros grupos terroristas, que provavelmente recolhem milhões de dólares anualmente de fontes sauditas, frequentemente durante o hach e o ramadão”.

Os Estados Unidos têm tratado de desenvolver uma política de contenção a este apoio tão flagrante e têm-no expressado a Riad, mas entretanto as próprias dinâmicas internas deste regime, sobretudo dos membros mais radicais da família Al Saud, permite concluir que esse apoio ao terrorismo não cessará, como também não cessarão as suas próprias missões militares destinadas a agredir aqueles países que considera como seu pátio traseiro: Bahrein e Iémen principalmente.

Essa política belicista terá inevitavelmente que ser revista não apenas à luz do seu crescente deficit orçamental, após a decisão de baixar os preços do crude em função dos seus objectivos estratégicos, mas também em virtude das crescentes pressões políticas internas de uma população com altos índices de desemprego – sobretudo na juventude – e as tensões externas derivadas da acção dos grupos takfirí, filhos putativos da Monarquia Saudita, que mais cedo do que tarde terá que prestar contas pelas suas responsabilidades. Junta-se a tudo isto a última e mais equivocada das decisões tomadas por Riad: a agressão contra o Iémen.

Uma tormenta de morte e destruição

O Iémen situa-se numa zona geográfica e de navegação estratégica de onde se transporta 40% de todo o petróleo que o mundo europeu consome. É também zona de influência da V Esquadra estado-unidense do Golfo Pérsico, com base no Bahrein, e nos sectores sob a sua vigilância e acção: Corno de África, Golfo Pérsico, Asia Central, Médio Oriente e a zona sul-africana. Com uma população fundamentalmente crente no Islão, divide-se em 52 % de confissão sunita e 46% xiita. É uma zona onde operam movimentos de raiz takfirí como é o caso da Al-Qaeda da Península Arábica e o grupo Áden Abyan Islamic Army.

A corrupção, a submissão às políticas ocidentais no quadro da “guerra contra o terrorismo” na função de executor das políticas de Riad para a Península juntamente com as operações com drones contra a população iemenita foram isolando cada dia mais o regime do derrubado ex-presidente Ali Abdalá Saleh, que governou entre os anos 1990 e 2012, tal como também o seu sucessor Abd Rabbu Mansur Hadi. Mandatários que operavam não em função dos seus povos mas segundo a influência saudita e os seus interesses regionais. Para Guadi Calvo, estudioso de temas relacionados com o Médio Oriente, “a mediática e instrumentalizada primavera árabe contou o Iémen como um dano colateral, uma vítima não desejada”.

Nesse quadro, a luta do movimento popular Ansarolah, as divisões internas dentro do núcleo governante e as crónicas rivalidades entre o norte e o sul, teceram o caminho para o levantamento da sua população contra governos incapazes de realizar o bem-estar dos seus povos. Aos factores decorrentes de um país com dificuldades económicas: com altos índices de desemprego, malnutrição, um desenvolvimento económico insuficiente para as necessidades dos seus 25 milhões de habitantes, há que unir aqueles componentes relacionados com a luta política, ideológica e religiosa em que o Iémen está afundado, que faz parte da confrontação maior entre um Irão que exige respeito pela sua condição de potência regional e uns Estados Unidos que, apoiados na aliança Sionista-Wahabita, tratam de manter a sua hegemonia na zona.

O analista iraniano Rasul Gurdarzi sustenta que “o Iémen tem uma grande importância para a Arabia Saudita, como também para Estados Unidos, tanto pela sua situação geográfica como pelo facto dos actores envolvidos. O pátio traseiro de uma Casa Al Saud que não quer perder aí influencia e onde o Ansarolah ganha força, e ainda pela sua situação estratégica: está rodeado pelo Mar Arábico, o golfo de Aden e o mar Vermelho. Riad é un actor de muito peso, que não considera o território iemenita como o de um país estrangeiro mas como o seu pátio traseiro, pelo que não quer perder a sua influencia. A chegada ao poder no Iémen do movimento popular Ansarolah pressuporia uma ameaça para esta influência, devido às suas divergências ideológicas e religiosas com os sauditas …”.

A Arabia Saudita teme o triunfo do Ansarolah pois vê nele a ampliação da influência iraniana na zona, sobretudo com um acordo sobre o programa nuclear da nação persa que está aí, em vias de acordar posições e decisões. A desculpa esgrimida por Riad y sus aliados para impedir esse triunfo do Ansarolah foi a de “acorrer a um pedido de auxílio do presidente Hadi”, e com ela começará a bombardear quanta posição, cidade, assentamento ou sitio onde o Ansarolah possa estar, seja este real ou imaginário. Somando a esta missão da Liga Árabe os crónicos intervencionistas ocidentais como França, Inglaterra e inclusivamente o regime sionista. A ideia é gerar terror na população iemenita, apresentar o Ansarolah e o Irão como culpados das suas desgraças, em vez dos verdadeiros agressores.

A ideia é dar um claro sinal que a presa não se escapará das mãos da Casa Al Saud, que considera o Iémen o seu pátio traseiro. E se for necessário cortar de raiz toda erva ruim considerada contrária ao “verde relvado wahabita” Riad está disposta a utilizar todo o seu poderio bélico e o lógico veto dos sus aliados de Washington, Inglaterra e França dentro do Conselho de Segurança. O plano parece estar a funcionar na perfeição, mas com um grande inconveniente: a dura e clara resposta das forças do movimento popular Ansarolah pôs um travão aos ímpetos agressivos da Arabia Saudita, e esta agora não só está a considerar os bombardeamentos mas também realizar incursões por meio de operações terrestres, o que augura não só um aumento do número de mortos, feridos e de destruição, mas também a possibilidade de a guerra se transferir para solo saudita: o pior pesadelo para os 3 mil membros da Casa Al Saud.

A operação liderada pela Arabia Saudita, Asifat al-Hazm (“Tormenta Decisiva”, ao melhor estilo das intervenções estado-unidenses na zona), procura consolidar a hegemonia que a monarquia wahabita, juntamente com os seus aliados do regime de Tel Aviv e Washington, mantida nos últimos 50 anos, que está sendo ameaçada por levantamentos sociais que procuram derrubar estruturas monárquicas arcaicas e governos fantoches das grandes potências. A Arabia Saudita ataca um país soberano e a comunidade internacional não reage. A Casa Al Saud assassina civis, destrói cidades e o Conselho de Segurança mantêm-se mudo. Esta é uma imagem dos dois pesos, da moral dúplice de uma comunidade internacional que se move ao ritmo dos poderosos, e que na região apenas ouviu levantar-se a voz condenatória do Irão.

O papel do Irão

A política de silencio de ocidente e o apoio da Liga Árabe, do regime de Israel e Estados Unidos é a política da hipocrisia que hoje se materializa no Iémen, onde se justifica o crime, a intervenção e a destruição de um país porque foi solicitada a intervenção estrangeira, ocultando que ao mesmo tempo que se quer destruir o Movimento Popular Ansarolah se deseja deter o apoio que Teerão tem dado aos movimentos que efectivamente combatem o terrorismo takfirí, o mesmo que é sustentado pelos petrodólares sauditas.

O Irão e o seu trabalho de luta contra os grupos takfirí, a sua decidida política de independência face a todas as grandes potências, situam-no como uma potência regional com a qual se deve necessariamente contar para alcançar a paz e a estabilidade dessa zona do mundo. Israel, que não perde oportunidade de criticar o Irão ou de procurar alternativas para o atacar, deu todo o seu apoio à Coligação liderada pela Arabia Saudita na sua agressão contra o Iémen. Para o primeiro-ministro israelita “ O Irão pretende ocupar, através do Movimento Ansarolah, grande parte do Iémen e assim controlar o estreito de Bab el-Mandeb, a sudoeste do Iémen, o que alterará o equilíbrio da navegação marítima e o fornecimento mundial de petróleo”. Contraditória afirmação, porque quem agride militarmente, quem bombardeia território iemenita, inclusivamente com aviões israelitas e com o apoio dos serviços de informação do regime sionista é precisamente a Casa Al Saud, que provavelmente tem forma de se apoderar de Bab al-Mandeb.

O Governo iraniano exigiu a cessação imediata dos ataques contra o Iémen considerando que violam a soberania do Iémen sem quaisquer outros resultados que não sejam derramar sangue e que apenas servirão os interesses dos movimentos takfirís. Para a União Europeia, que foi mais cautelosa que o seu parceiro estado-unidense “a acção militar liderada pela Arabia saudita não é a solução para a crise iemenita. A chefe da diplomacia da UE, Federica Mogherini, afirmou que “os últimos acontecimentos agravam a já frágil situação no país e o risco de graves consequências regionais. A acção militar não é uma solução para a crise que o Iémen vive. Apenas um amplo consenso político nas negociações pode proporcionar uma solução sustentável, restaurar a paz e preservar a integridade e unidade territorial no Iémen”.

A intervenção da Arabia Saudita inscreve-se na defesa dos seus interesses regionais, a propagação do Wahabismo e a intensificação da repressão contra qualquer movimento que se proponha gerar ares de liberdade. Assim sucedeu no Bahrein, onde a Casa al Saud interveio com punho de ferro sem que o ocidente levantasse a voz para a condenar. A monarquia saudita interveio política e militarmente no Bahrein, temerosa de que a influência da luta neste pequeno país se expandisse a outras latitudes, como começou a suceder.

As operações de bombardeamento empreendidas pela Arabia Saudita sem qualquer autorização de organismos internacionais, por muito que se lhe pretenda atribuir certa legalidade após a Cimeira da Liga Árabe dos dias 28 e 29 de Março no Egipto, são violadoras do direito internacional. Esses bombardeamentos demonstram que o que se pretende não é restaurar um governo ilegítimo como o de Mansur Hadi, mas influir sobre as negociações que decorrem entre o G5+1 e o Irão, retirar do centro da notícia a ineficácia das operações militares da chamada Coligação Internacional contra Daesh na Síria e Iraque e, sobretudo prosseguir a tentativa de cercar o Irão e apresentá-lo como responsável pelos problemas que afligem o Médio Oriente.

O sangrento jogo geopolítico levado a cabo pela tríade Washington-Tel Aviv-Riad desviou os seus dardos mediáticos e políticos para a Península Arábica, pretendendo definir o que deve ou não ser condenado, que governos, por mais totalitários que sejam, se devem defender com a desculpa do respeito pela legalidade e, sobretudo, continuar a criar condições que permitam manter uma hegemonia desde o Magreb ao Médio Oriente, hegemonia que se desmorona dia a dia e que se mantém de pé graças à morte de dezenas de milhares de sírios, palestinos, iemenitas, iraquianos, bahreinos e líbios.

Se, para concretizar as ambições hegemónicas das grandes potências e seus aliados regionais, especialmente Arabia Saudita e o regime de Israel, há que incrementar o genocídio dos povos que se opõem aos seus desígnios, apoiar grupos terroristas takfiris: Daesh, Al-Qaeda no Magreb, Al-Qaeda na Península Arábica, Ansar al-Dine, Al-Shabab, Boko Haram entre outros, como o têm feito até agora numa acção hipócrita e criminosa, continuarão a fazê-lo com todos os custos humanos que daí decorrem. Isto, pois nesta zona do mundo os interesses energéticos, ideológicos, políticos e religiosos se conjugam sob os nomes de petróleo, gás, neocolonialismo, Wahabismo e Sionismo numa amálgama cujas vítimas principais são as sociedades do Magreb e Médio Oriente, mas sem perder de vista a presa maior: o Irão.

Fonte: Resumen Latinoamericano/Pablo Jofré Leal/HispanTV, 1 de abril de 2015

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