“Sem a ajuda do Brasil, a CIA não liquidaria os tupamaros”
Um ex-repressor brasileiro confessou que participou dos preparativos da Operação Charrúa para invadir o Uruguai em 1971 se Juan María Bordaberry não ganhasse as eleições. Disse que com a execução de Dan Mitrione e o seqüestro do cônsul Aloysio Dias Gomide, o Brasil e a Central de Inteligência Americana (CIA) tiveram participação direta na repressão dos tupamaros.
Texto: Roger Rodriguez
As revelações do advogado Marco Polo Giordani, ex-agente em Porto Alegre do Destacamento de Operações de Informação (DOI), ligado ao Centro de Operações de Defesa Interna (CODI), órgão federal com sede em São Paulo, foram realizadas ao jornalista José Mitchell durante uma entrevista do ciclo Histórias que, produzido pela TVCOM, foi emitido no último 11 de setembro na rede de TV a cabo do Rio Grande do Sul, gerando grande repercussão em blog e webs dos telespectadores.
Marco Pólo Giordani, que chegou ao grau de Segundo Sargento do Exército Brasileiro, foi cooptado em sua juventude pelos serviços de inteligência da ditadura norte-americana, treinado em teoria e repressão pela Escola Superior de Guerra (ESG) e infiltrado na Faculdade de Direito de Porto Alegre, onde atuou como espião durante dez anos a serviço do temível DOI-CODI, responsável pela maioria das mortes e desaparecimentos de opositores durante o regime militar brasileiro.
Giordani admitiu que durante seus anos de espionagem seguiu políticos da atualidade, como Pedro Simón, Tarso Genro e Ibsen Pinheiro, além de controlar algumas viagens a terras gaúchas do falecido líder comunista Luis Carlos Prestes, os quais qualificou como “essa turba de esquerdistas”.
“Operação Charrúa”
Giordani explicou que o Sistema Nacional de Informações, criado no Brasil logo depois da deposição de João Goulart em 1964, foi um modelo para a DINA de Chile, os serviços da Argentina e, particularmente, os aparelhos repressivos do Uruguai, aos quais o Brasil provinha “de armas, munições, materiais e gente, porque não tinham infra-estrutura” para enfrentar a um “movimento subversivo como os tupamaros. que tinham até hospitais subterrâneos”.
O repressor brasileiro afirmou: “Quando estava na tropa nos preparamos para a Operação Carrúa porque íamos invadir o Uruguai se Bordaberry não ganhasse as eleições. Como ganhou, não invadimos. Eu tenho conhecimento que nós colaboramos substancialmente para a liquidação do movimento tupamaro. Se não fosse por nós, e também pela CIA, os uruguaios por si não poderiam liquidá-los. Essa é a realidade”, disse.
“Depois que mataram a Dan Mitrione e seqüestraram ao cônsul no Uruguai, houve uma reunião entre o presidente norte-americano [Richard Nixon] e [Emílio Garrastazu] Médici, e eles decidiram desmantelar o movimento tupamaro”, afirmou Giordani para confirmar o que assinalam arquivos estadunidenses recentemente desificados nos quais Nixon, em um diálogo com seu secretário de Estado Henry Kissinger, diz precisamente que o ditador brasileiro os havia ajudado com a situação do Uruguai.
Giordani se fez conhecido no Brasil quando editou o livro “Brasil Sempre”, como resposta ao livro “Brasil Nunca Mais”, onde se enumeravam os crimes de lesa humanidade cometidos pela ditadura militar entre 1964 e 1985. Também editou o livro Operação Estrela Vermelha, entre outras publicações que reivindicam a repressão e a Doutrina da Seguridade Nacional brasileira.
Lilian e Universindo
O ex-agente brasileiro também revelou que em 1978, quando se realizou o seqüestro em Porto Alegre dos uruguaios Celiberti y Universindo Rodríguez, “alguém” queria que a parte operativa fosse realizada pelo setor de informações do Exército Brasileiro, mas os chefes militares se negaram e a coordenação da operação repressiva com os repressores uruguaios foi encomendada ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) da polícia gaúcha.
O seqüestro de Celiberti e Rodríguez foi descoberto pelos jornalistas brasileiros que ao denunciar o caso provocaram um escândalo internacional e obrigaram ao comando militar uruguaio, encabeçado pelo capitão Eduardo Ferro, manter vivos os militantes do Partido pela Vitória do Povo (PVP) que foram transferidos ilegalmente ao Uruguai e finalmente terminaram processados pela Justiça Militar.
“Se nós tivéssemos feito a operação, não ocorreria o que passou, mas a deram ao DOPS. Esses uruguaios eram subversivos. Pintaram a eles como heróis, Mas eram subversivos tupamaros”, confessou Giordani, que também admitiu que durante os anos de ditadura, pessoal brasileiro foi ao Uruguai para preparar os agentes uruguaios na luta contra a subversão. “Inclusive o delegado Fleury foi lá e deu aulas. Não sei se realizou operações”, afirmou.
Sergio Paranhos Fleury, chefe do DOPS brasileiro, foi assinalado pelo ex-agente uruguaio Mario Barreiro Neira como o repressor brasileiro enviado pelo ditador Médici para coordenar com os militares uruguaios a denominada Operação Escorpião, na qual se trocou um medicamento do presidente deposto João Goulart, para provocar sua morte em 1976, no marco do Plano Condor.
Traduzido do Espanhol de: http://200.40.211.253/detail.asp?IdEdition=85&NewsId=693&Portal=1