A situação econômica ontem e hoje nos países do Leste europeu

Publicamos o texto da conferência proferida por Sérgio Ribeiro no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), a convite da Associação Iúri Gagárin.

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A situação económica ontem e hoje nos países do Leste europeu Agradeço à Associação Iúri Gagárin ter-me convidado, se convite se pode chamar convocatória a um seu membro, para aqui vir falar sobre tema que muito me interessa e ocupa as reflexões. Sublinho AQUI, a este local que considero meu, onde tanto vivi e onde me formei, não só como licenciado e doutorado mas como tudo o que sou – até acrescentaria que aqui no que eram os “amigáveis” de que serei o único a saber o que eram (depois conto…) fracturei dois meniscos de que guardo as cicatrizes… essas e outras

Obrigado por esta oportunidade de regresso à casa onde fui aluno, de 1953 a 1958, e docente intermitente, de 1976 a 2001. E obrigado aos que vieram ouvir-me

Vivi, aqui, no ISCEF (Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras), os efeitos, não os primeiros mas dos primeiros, de uma reforma do ensino da economia absolutamente decisiva, a reforma de 1949

Acabara a guerra há pouco. Nas vésperas. A Europa recompunha-se e a economia mundial reorganizava-se, entre duas forças nacionais de dimensão e dinâmicas determinantes, num ambiente social global de relações de forças desequilibradas, ou em equilíbrio (ou equilíbrios…) mais que instáveis

De um lado, os Estados Unidos da América, praticamente sem beliscadura na sua força e capacidade produtiva, com o Forte Knox repleto de ouro e divisas, com um poderosíssimo complexo industrial-militar (ou vice-versa) e experiências desumanas e mais que injustificáveis em Hiroshima e Nagasaki; do outro, uma União Soviética, exaurida por uma guerra que lhe destruíra capacidade e tecido produtivo, depois de uma resistência de duas décadas desde uma outra guerra também chamada mundial, de que saíra unilateralmente proclamando o princípio da coexistência pacífica como basilar das relações internacionais (decreto nº 1 de 8 de Novembro de 1917), de guerra civil, hostilidade, cerco e agressões contra si dirigidas e repelidas

Foi o tempo de Bretton-Woods, criador do Banco Mundial e do FMI, das Nações Unidas e suas agências (OIT, FAO, UNIDO, UNESCO) mas não na área do comércio em que se ficou por um acordo geral (GATT), do dólar como moeda comum internacional, a valerem 35 dólares uma onça de ouro, convertível e com convertibilidade assegurada pelas reservas no tal Forte Knox

E foi o tempo de, em Portugal, se lavar a cara mantendo as mãos e os pés sujos, mergulhados numa opção ideológica de reaccionarismo e repressão

Mas impunha-se mudar alguma (muita) coisa para que o essencial se mantivesse no poder

No que respeita à economia, é documento de referência imperdível o livro do eng. Ferreira Dias, Jor., Linha de Rumo – notas económicas, revelador de uma certa agitação industrialista perturbadora de estagnação financeiroruralista do regime. Livro que é do final da guerra, escrito por um exsubsecretário de Estado do Comércio e da Indústria de 1940 a 1945, e que regressa ao ministério em 1958 até 1962, altura de voltar a apertar a tarraxa e a meter travões às quatro rodas e a veleidades de abertura em razão da guerra colonial

Mas isto daria para um semestre, e julgo que não me concederiam tanto tempo… Fiquemo-nos por esta referência, indispensável, a uma Europa em reestruturação e a um ensino de economia em reforma no Quelhas, única escola do ensino superior destas malas artes, mas em que até então não havia sequer uma licenciatura em economia mas tão só em comércio, em finanças, em consular e diplomáticas, em aduaneiras – com um laboratório nestas caves que se veio a transformar em cozinha para aulas de culinárias das colegas ligadas à Mocidade Portuguesa

Ora esta reforma do ensino universitário, aqui reflectida, representou, entre outras coisas…, a passagem da tutela da economia, enquanto área autonomizável e com estatuto universitário, dos direitos e das contabilidades para a dos métodos quantitativos, sempre com as finanças a fazerem de pano de fundo – e para isso foram elas criadas… –, para depois ir na avalanche da gestão e, hoje, estar tudo submergido pela financeirização, pelo domínio ditatorial dos grupos financeiros transnacionais, directamente ou através de agentes por eles criados ou que estão ao seu serviço

Nestas décadas de pensar economicamente, e vou na sexta…, vi muita coisa e, se não aprendi mais nada, agora que parece ter começado a ter idade para desaprender, estou certo que pensar sem observar bem a realidade, tirando as mãos da massa e da lama e do que for a matéria, só dá disparate

Vamos então aos Países do Leste Europeu e a sua situação económica ontem e hoje? No entanto, esta introdução, de certo modo saudosista ou memorialista, tem o seu sentido

É que, quando falamos de situações de países, e de confrontos espaciais ou temporais, temos de usar instrumentos. Instrumentos de representação da(s) realidade(s)

Aquilo que, hoje, são as notações representativas que nos servem, ou não existiam, ou existiam há relativamente pouco tempo, ou não eram utilizadas como prioritárias

De que falam, hoje, agências de rating, FMIs, Comissões Europeias, OCDEs, e o mais que por aí há, para caracterizar as situações dos países? De défice orçamental, logo se podendo atacá-lo pelo lado da despesa ou da receita, das desorçamentações, das cont(h)abilidades públicas, de dívida pública, podendo polemizar-se sobre a fronteira da que é pública e da que não o é desde que se começou a baralhar tudo e as empresas públicas são quase privadas – e as suas gestões se equiparam como o ilustram os hospitais SA –, desde que parcerias privatizam benefícios e nacionalizam custos que levam a prejuízos

É isto que caracteriza as situações dos países. E não era assim

Não obstante toda a tecnicização – os ditos “economistas portugueses” de antes e do pósguerra eram sobretudo engenheiros –, que também as estatísticas e as econometrias trouxeram à ciência económica, esta afirmou-se (como seria, e sempre será ou virá a ser) como ciência social e, mesmo que não se desse o passo de entrar por Marx – passo perigoso no fascismo, mas que nesta escola se deu em História das Doutrinas Económicas, honra a Sedas Nunes –, a separação entre factores de produção – capital e trabalho – possibilitava “pontes” para a consideração de grupos sociais a partir do posicionamento dos seus componentes perante o processo produtivo

“Mercados”? Claro que sim

Mas mercados onde se efectuavam trocas de coisas, onde se media oferta e procura, e não lugares etéreos onde se decidem os juros a cobrar pelos adiantamentos financeiros ao que deixou de ter a produção como finalidade coisal mas a acumulação de capital sob a forma de dinheiro

Nesse tempo, eram as grandezas macro-económicas, de grande influência keyneseana, que serviam para comparar países na sua evolução temporal e entre si. Produto, Rendimento, Despesa, Investimento, Poupança

Distribuição do Rendimento Nacional. Pelos factores de produção

Vamos continuar por aí

A União Soviética tinha de recuperar, quase de renascer, depois de 1945

Aliás, diga-se que só em 1922 se pode falar de vitória da revolução russa, depois de quatro milhões de mortos na guerra de 14-18, de um milhão de mortos na guerra civil, da destruição do pouco que havia num espaço de mais de 20 milhões de quilómetros quadrados, de oito milhões de mortos em consequência da fome e de epidemias

Também, então, no começo de um caminho de construção em que a Paz e o Pão, em toda a sua simbologia, são as premissas intrínsecas e fundadoras

A situação social e o começo da guerra transformaram a oposição ao czar e ao poder absoluto, centralizado, numa revolução e, nesta, após a sua vitória e os seus primeiros ano, na luta pelo Pão e pela Paz

Porque, se a transformação da guerra, digamos mundial, em guerra civil fora uma consequência de várias influências, o imperialismo – que Lenine tão bem estudara – não baixaria armas

Pode, então, e só então, falar-se de União Soviética. Porque o monstro não fora abafado no berço (como o aconselhara lapidarmente, e tentara, o jovem deputado Churchill). O que não quer dizer que não se tivesse continuado a procurar que a criança não crescesse

As respostas ao momento histórico de ruptura com o capitalismo não faltaram! Os fascismos e o nazismo tinham uma marca de classe, da classe em luta para sobreviver, e fazer frente à outra classe que, nascida no seu bojo, se formava como Estado Proletário

O reconhecimento diplomático, em 1921-22, de que os soviéticos exerciam no seu território uma autoridade tão completa como qualquer outro governo (Lloyd George, primeiro-ministro britânico) foi prova de que a Revolução triunfara

No entanto, a situação económica era terrível e as consequências sociais verdadeiramente dramáticas. Os dirigentes soviéticos herdaram uma Rússia que, além de atrasada, ainda recuara séculos

Com campos devastados, fábricas destruídas, transportes paralisados, um povo analfabeto dizimado por fomes e epidemias. Rodeada por um mundo que continuava hostil, apesar de ter de reconhecer os vencedores

Não estou a cantar um fado choradinho, estou a dar uma versão fundamentada de um processo histórico

O novo período da história da URSS, e melhor se diria o começo da história da União Soviética, é o da Nova Política Económica (NEP)

Como Lénine definiu, exemplarmente: “as nossas principais forças produtivas estão em tal estado de indigência, ruína, exterminação e esgotamento, que tudo deve ser por ora subordinado a esta necessidade vital: aumentar a todo o custo a quantidade dos nossos produtos”. E tudo se submeteu ao objectivo de criar as condições para o desenvolvimento das forças produtivas

A União Soviética estava só e cercada! Construindo o socialismo num único país

Só o podia fazer porque esse País era, ou tinha sido, um império, e houve um extraordinário esforço popular para vencer uma guerra civil empurrada do exterior, se bastar a si próprio, resistir ao cerco

E ser exemplo! Exemplo, sobretudo, pelas conquistas sociais que se foram conseguindo juntar a essa tarefa primordial do crescimento quantitativo das forças produtivas

Houve imediatos progressos económicos, mas só cinco anos depois, em 1927, com o capitalismo a abeirar-se da sua crise mais grave, se teriam atingido os indicadores produtivos de década e meia antes, de antes da revolução

Se a primeira conquista social teve de resultar da luta pelo Pão, contra a fome e as doenças, configurando o direito à vida, que também tem a ver – e tanto tem! – com a luta pela Paz, para tal ser possível é também indispensável consagrar o direito ao conhecimento, não apenas instrumentalmente, a começar pela alfabetização

No novo Estado socialista, os direitos passaram a ser, antes de todos, os direitos à vida, à saúde, à educação, ao trabalho. E essas foram conquistas sociais intrínsecas à natureza do socialismo, a partir da luta contra a exploração do homem pelo homem, no processo de humanização das relações sociais de produção

A explosão da crise de 1929 – com os seus antecedentes – foi mais assustadora porque a União Soviética sobrevivera e aparecia como alternativa, e não como utopia. E era preciso fazer-lhe frente, encontrar vias de canalização das dificuldades e revolta populares, pela radicalização à direita ou pelo esquerdismo

A Itália em 1922, Portugal em 1926, e depois em 1933/5, a Alemanha em 1933, o desesperado combate à República em Espanha com a fratricida guerra civil em 1936, com os fascismos e o nazismo a tomarem clara posição de ingerência e a “Frente Popular”, em França, a “assobiar para o lado”

Com a 2.ª guerra mundial, a “contabilidade” (entre aspas) somou, na URSS, (pelo menos) 20 milhões de mortos aos 13 milhões de 1914 a 1922. Além da destruição de um aparelho produtivo em construção nos poucos anos decorridos após o termo da guerra civil

A guerra de 1939-45 veio representar mais um enorme obstáculo no caminho da União Soviética, na sua transformação económica e na consolidação das conquistas sociais

Quem interpreta o nazi-fascismo como uma resposta do capitalismo ao ascenso do socialismo, que surge e se firma onde os interesses privados e egoístas são ameaçados, facilmente avalia os efeitos devastadores dessa guerra na União Soviética. Sob todos os aspectos

Se se pode dizer que apenas entre 1922 e 1939 pôde a URSS recuperar a sua economia destruída e avançar com as conquistas sociais que proclamava e defendia, o fez sempre com um cerco muito apertado, um garrote, um “cordão sanitário”. E que essa recuperação, difícil, dificultada, veio a ser travada, e colocada em marcha atrás, em 1939, pela guerra

As mortes e as destruições da guerra foram tremendas e só um povo unido e disposto a sacrificar-se pelo seu futuro e pelo da humanidade poderia ter vencido

Por ser tão grande a barbárie, a vitória foi também de uns “aliados” historicamente ocasionais e que, mesmo durante a aliança, não perdiam de vista que o inimigo (de classe) era quem vencia a guerra que eles não podiam vencer, que eles tinham de perder… Episódios como os da resistência na frente Leste, da libertação da Alemanha do nazismo, da “corrida” para destruir Dresden por não se poder chegar antes do Exército Vermelho, das decisões sobre a RDA e Berlim e porquê o muro, são históricos e algumas das histórias mais mal-contadas na História. Escrita pela classe outra que a manda escrever e divulgar

No pós-guerra, o movimento operário alastrou

Os trabalhadores sentiram a vitória como sua e, espaldados pelo exemplo da União Soviética, lançaram-se… à conquista da Lua

Tomaram o poder nalguns países, impuseram condições sociais novas em outros países onde as relações sociais predominantes continuavam capitalistas mas em que a relação de forças obrigava a concessões (a tal Europa social), enquanto do outro lado do Atlântico aparecia McCarthy e a “caça às bruxas” (vale a pena estudar este período dos Estados Unidos…)

As criminosas bombas atómicas no Japão tiveram a resposta-surpresa de não serem exclusivas, monopólio, o que obrigou a recuar para uma guerra-fria hipócrita e, por vezes, terrorista

E o então “mundo socialista” de novo se teve de lançar na tarefa de reconstrução da base económica, de recuperação das forças de produção devastadas, e em competição económica feroz e desigual

A partir de situações de grande desvantagem, e com o ónus de terem de se reconstruir em relações sociais novas, apenas com a experiência e exemplo únicos da União Soviética

Experiência não exportável, pelo espaço, pelas condições de concretização, mas a ter de ser apoio e exemplo

O que até poderia levar a casos anedóticos, como um de que me lembro, contado em 1975 em Budapeste, entre boas risadas: o regulamento de exércitos nacionais, copiados do Exercito Vermelhos, terem uma hora de pausa que não se sabia para que servia, mas que estava no regulamento original para se poder tomar o chá do samovar, tradição russa… assim como meter-se em regulamentos nossos, copiados de Inglaterra, uma paragem às 17 horas para os portugueses tomarem o tão britânico chá das cinco … Em 1946 na Bulgária, em 1947 na Hungria, em 1948 na Checoslováquia e na Polónia, estes países adoptaram a macro-estrutura social e política que lhes pareceu adequada a uma outra concepção de sociedade, com base no marxismo-leninismo, de repúblicas populares, como também a Jugoslávia e a Albânia mas com configurações de base teórico-ideológica diferentes

Estes países eram chamados, antes da guerra, a “hortaliça da Europa”, periferias de um centro mais desenvolvido, industrializado. Só em 1949, face a um impasse entre os aliados, se formou a República Democrática da Alemanha (RDA), na zona antes ocupada pelo ”aliado” União Soviética e, muito mais tarde, em 1961, a “solução” (entre aspas!) para Berlim, cidade bem dentro da RDA que os três “aliados ocidentais” não desocupavam

Mas esta seria matéria para mais de um semestre… O facto é que, na Europa, no mundo, havia outro mundo (económico e social). Nem sequer em formação. Em gestação, cumprindo antagónicos pressupostos ideológicos, contrários aos dominantes

Mas não isolado. Embora mais do que isso: cercado, e a ter de promover uma recuperação e renovação na evolução das forças produtivas nacionais que, na aparência, fazia indiferente o caminho de sempre: instrumentos e objectos de trabalho cristalizados em meios de produção passando por revoluções científicas e técnicas ou assim chamadas

As relações de produção eram a vertente característica e identificador da clivagem. Não só entre países mas dentro dos países, numa luta (de classes) que, à distância, se reconhece

Luta de classes que, enquanto se desenrola, de um lado é negada, apesar de ser feita com o enorme poder de que se dispõe, do outro lado se faz, ainda que, quase sempre, sem a esclarecida consciência (histórica) dos seus fundamentos e condições

Um aspecto que me parece, aqui, nesta reflexão convosco, de trazer como fundamental

Ora, os países que, no pós-guerra, na embalagem de uma vitória que foi dos povos, dos trabalhadores e da União Soviética, os países do Leste Europeu que então procuraram reconstruir-se em relações de produção diferentes, não podem – e não podem – ser avaliados a partir de critérios e instrumentos que são os do sistema de que se cuidavam libertados e contra cujo cerco tinham de lutar. No entanto, embora não o podendo, só com esses instrumentos e critérios se possam fazer comparações

Essa orla do Ocidente europeu era, antes da guerra, uma vasta zona de subdesenvolvimento a que se acresceu a destruição que a guerra aí provocou, bem como no seu Leste (no Leste do Leste que era a União Soviética)

Sobre os direitos sociais afirmados, postos em intenções, constituições e projectos, não falarei muito ou não insistirei

No plano económico, também em resposta ao Plano Marshall, de ajuda dos Estados Unidos à Europa Ocidental para travar as tomadas de posição e as conquistas do movimento operário, sindical e político, e que levou à OECE, OCDE, CEE e EFTA, a URSS lançou o Plano Molotov: uma série de acordos bilaterais, entre o estado soviético e cada uma das democracias populares, que estipulavam, a longo prazo, ajuda técnica e financeira, e intercâmbio de produtos e matérias-primas

Para a coordenação conjunta da planificação económica, criou-se em 1949 o COMECON, o Conselho de Ajuda Económica Mútua, organização de cooperação económica, científica e técnica fundada pela URSS, Polónia, Checoslováquia, Bulgária e Albânia (que viria a abandonar a organização), a esta aderindo entretanto a República Democrática Alemã (1950), a Mongólia (1962), Cuba (1972) e o Vietname (1978). A Jugoslávia tornou-se país associado em 1964

Foram celebrados acordos de cooperação com outros estados, como a Finlândia (vizinha e cooperante, com uma história que gostaria de contar…) Embora não se tratasse de um “mercado comum” – união aduaneira, nem sequer de uma zona de trocas livres, o COMECON, depois de vinte anos dedicados à recuperação e estruturação em moldes e formatos novos, lançou em 1971 um “Programa geral para extensão e aperfeiçoamento da cooperação e para o progresso da integração económica socialista entre os países-membros”, a aplicar a longo prazo, isto é, 20 anos, entre 1971 e 1990

Vejamos alguns dados, tão incertos e tão falíveis como todos

Entre 1950 e 1970, a produção industrial passou do indicador 100 para 1157 na Bulgária, 1137 na Roménia, 758 na Polónia, 688 na URSS, 535 na RDA, 520 na Hungria e 501 na Checoslováquia, enquanto que, em 5 países “ocidentais” de referência passou para 460 na Itália, 430 na RFAlemanha, 315 na França, 225 nos Estados Unidos, e 178 no Reino Unido em claro declínio industrial. Em relação a 1939, antes da guerra, essa produção industrial teria crescido 36 vezes na Bulgária, 17 vezes na Roménia e na Polónia, 12 vezes na URSS, 8 vezes na Hungria, 7 vezes na Checoslováquia e 6 vezes na RDA

Depois da necessidade imperiosa de um crescimento quantitativo, tal como já referi, citando Lénine, no início dos anos 20, para a União Soviética, a grande questão que começa na década de 60, e se coloca com toda a acuidade na década de 70, é a da passagem a uma outra etapa, em que a vertente qualitativa ganhasse maior importância, quer na racionalidade do aproveitamento dos recursos, quer na qualidade dos produtos, com visíveis efeitos na modernidade dos níveis de vida

Decerto por isso, as décadas de 70 e 80 foram cruciais. E as opções tomadas e concretizadas, muitas vezes à revelia de afirmações de grande fidelidade aos princípios e valores, poderão, eventualmente, ajudar a compreender muito do que veio a acontecer. Teria havido de menos vigilância revolucionária, de ligação às massas e à sua consciencialização, de reforço da estruturação sócio-política, com particular incidência nos aspectos qualitativos e de racionalidade económica, em coerência com a base teóricoideológica, e teria havido de mais competitividade com o sistema capitalista, procurando conciliar-se tal concorrência, medida em indicadores do concorrente (de classe) com a afirmação da coexistência pacífica como objectivo sem os mínimos sinais ou garantia de idêntica disposição no outro lado, de adopção do princípio nas relações internacionais

Assim, apesar de, para 1988, se poderem encontrar indicadores de PNB per capita, de Contel System Inc., 1989, em que o valor mais elevado é para o Japão, com mais de 23 mil dólares, a Bélgica teria (ou os belgas teriam…) quase 15 mil, a RDA observaria aproximadamente 12,5 mil, a Checolosváquia cerca de 9,5 mil, a Hungria mais de 8 mil e a Roménia 6,5 mil dólares, o que se pode confrontar com os menos de 3,5 mil de Portugal! Desde o início desta minha exposição, venho sendo acompanhado pelas representações estatísticas de realidades tão diferentes em que, por exemplo, as dispersões de rendimentos não atenuam, moderam ou corrigem o monopólio das médias, como o ilustram os indicadores económicos ou economicistas per capita

No entanto, é depois de 1990, depois do ruir do sistema de países socialistas, que aparece, a partir do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que se começou a poder dispor de um novo indicador, o índice de desenvolvimento humano com base num conceito em que, além do crescimento económico se ponderam indicadores relativos às condições sociais dos países, no que respeita a saúde e a educação

Por estranho que possa parecer a quem ainda não conta o tempo por décadas – e está longe de o fazer – este índice (IDH) está na sua infância, e no mês de Novembro vai lançar o seu 20.º relatório, podendo considerar-se em formação

Por isso, o indicador tem, evidentemente, muitas limitações, merece muitas reservas mas pode considerar-se um passo positivo na representação da situação dos países, até porque, ano a ano, relatório a relatório, se trata de um tema em particular, alargando as informações anuais do próprio indicador sobre o crescimento económico ponderado com indicadores específicos sobre educação e saúde

Apesar disso, para a situação actual dos países do Leste europeu, o IDH faculta algumas informações de interesse, ou abre caminhos de estudo. Depois de terem sido periferia tão bem ilustrada pela designação de “hortaliça da Europa”, esses países teriam sido a periferia da União Soviética, no sempre afirmado princípio da autonomia e especificidades económicas nacionais, de um sistema em construção de países em construção do socialismo, com todas as falhas e erros e derrotas conhecidas, e voltaram à anterior periferia, décadas à frente, ainda mais enfraquecidos porque as suas novas (em construção) estruturas sócio-políticas foram desmanteladas, e tinham sido anuladas defesas que dentro do sistema capitalista os estratos populacionais desfavorecidos vão criando

De periferias ocidentais de um sistema, com um centro mais a Leste, regressavam à periferia Leste de um outro sistema com centro a Ocidente

Quais os efeitos

Compararem-se, por exemplo, salários numa situação em que o ensino é gratuito, a educação é gratuita, a habitação é social, os transportes são a preços irrisórios, os níveis de consumo afastados, ou até contrariados se aproximando-se, do consumismo, com salários em que tudo é por eles pago, ou tendencialmente o deve ser, e o consumismo impera alimentado pelo crédito, por vezes embaratecido para o estimular, ou para compensar o seu baixo nível, não tem grande sentido

Por outro lado, o IDH, sendo o que de melhor se tem, não pode ser utilizado num horizonte que abarque a situação anterior a 1990, e dificilmente o é a partir de 1990. Mas, para ficar como referência, convite a reflexão e aprofundamento, aqui deixo alguns dados. Muito escassos – e quase diria como trabalho para casa… – até porque a exposição vai longa, embora não me tenham colocado limites mas deva auto impor-me antes que o moderador (de que agradeço o apoio à iniciativa e a presença) tenha de intervir

Na evolução do crescimento estritamente económico, ou assim considerado, entre 1990 e 2007, nos 167 países para que foi possível arrolar dados, e tirando as pequenas repúblicas socialistas soviéticas que se tornaram países autónomos, temos a Ucrânia, que observou uma queda média anual de 0,7%, o que é muito preocupante e contraria a evolução geral que é de crescimento (dos PIB, repito), com a Federação Russa a crescer 1,2%, a Bulgária e a Roménia 2,3%, a República Checa 3,3% e a Eslováquia 3,4%, e a Polónia 4,4% enquanto a referência Portugal é de 1,9%

Em contrapartida, no que respeita ao indicador de desenvolvimento humano, a evolução é bem negativa. Apenas com a correcção da inclusão de indicadores relativos à saúde e educação, dos 115 países que foi possível listar, a Federação Russa tem uma evolução negativa média anual de 0,03%, o 6.º pior resultado, a Roménia de +0,37%, a República Checa de 0,38%, a Hungria de 0,47%, a Polónia de 0,52%, exactamente o mesmo valor que Portugal

Parece-me muito significativo o confronto entre a evolução dos PIB per capita (média para queentram as enormes fortunas entretanto criadas por essas paragens) e a dos IDH, mostrando insofismavelmente uma degradação da situação social, do “desenvolvimento humano”, em si mesmo e relativamente ao crescimento económico médio

Tenho de terminar! Terei sido demasiado apologético? Terei abundado em ilusões sem esperanças de concretização, isto é, não sendo alternativa para nada, como a História provaria

Talvez… Neutro nunca fui, nem quando isso envolvia outros riscos, alternativa estou convencido que temos e somos, até porque este beco a que a financeirização da economia nos conduziu não pode ser o fim da História e exige uma mudança de rumo

E ela tem de ser possível por impossível que pareça

Termino parafraseando José Gomes Ferreira, as revoluções perdem-se quando os homens desistem de lutar pelo que parece impossível de alcançar, o sonho inatingível que cantava Jacques Brel em “O Homem da Mancha” (D

Quixote), e Iúri Gagárin simbolizou

Não se conseguiu agora ou aqui? Logo se recomeça, e mais adiante se alcançará

ISEG (ISCEF) – 28 de Outubro de 2010

*Economista, amigo e colaborador de odiario.info

Fonte: http://www.odiario.info/?p=1865