Lúcio Lara, patriota e internacionalista

imagemCarlos Lopes Pereira*

Lúcio Lara foi um exemplo infelizmente raro entre os dirigentes de Angola e do MPLA.
Por isso, a sua morte foi relevada entre os actuais dirigentes angolanos, o tem o significado que cada um lhe quiser dar, mas também um pouco por todo o mundo, por aqueles que o recordam pelo exemplo que foi a sua vida. É que não haverá muitos filhos de dirigentes do MPLA que possam dizer como disseram os de Lúcio Lara: «Aprendemos contigo que o ser-se família de um dirigente não significava ter-se mais direitos ou regalias mas sim mais deveres. Que os direitos não devem medir-se em função das descendências, mas sim pelas capacidades e méritos de cada um»

Foi um dos grandes obreiros da luta de libertação nacional de Angola e das outras então colónias africanas portuguesas. Companheiro próximo de figuras históricas como Agostinho Neto e Amílcar Cabral, ajudou a fundar e estruturar o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Após 14 anos de luta armada independentista, em 1975, com a proclamação da República Popular de Angola, emergiu como um dos principais dirigentes do seu país, sempre leal ao Presidente Agostinho Neto. Lúcio Lara morreu há dias em Luanda, aos 86 anos, tendo sido apontado pelos seus camaradas como exemplo raro de integridade, de fidelidade aos princípios revolucionários, de uma vida dedicada à causa da emancipação nacional e social dos povos africanos. O Partido Comunista Português homenageou-o como destacado patriota e internacionalista.

O papel ímpar de Lúcio Lara na luta clandestina dos patriotas angolanos e das outras colónias africanas portuguesas, na criação do MPLA, na luta política e armada de libertação nacional, na conquista da independência e na manutenção da soberania e integridade territorial de Angola foi agora relembrado pelos seus camaradas.

O veterano combatente da liberdade morreu a 27 de Fevereiro, em Luanda. Estava doente e contava 86 anos de idade.

Nas cerimónias fúnebres organizadas pelo Estado angolano na capital angolana, o vice-presidente do MPLA, Roberto de Almeida, evocou o percurso deste «nacionalista da primeira hora» e «precursor da independência» que ajudou a desbravar os difíceis caminhos que os angolanos trilharam. E realçou o exemplo de humildade e modéstia de Lúcio Lara, tanto «pela sua forma de estar e de se apresentar, como pela sua entrega à causa do povo, amor à pátria e ao próximo, valores que perseguiu na sua vida com indubitável verticalidade e determinação».

Um outro responsável partidário, Manuel Pedro Pacavira – que em 1960 foi enviado por Agostinho Neto de Luanda a Brazzaville para estabelecer contactos com Lara no sentido de se coordenar a actividade entre os patriotas do interior, na clandestinidade, e os que se encontravam no exterior –, enalteceu a sua «extraordinária visão estratégica» e descreveu-o como um «marxista puro, um marxista de verdade», que sempre acreditou «numa Angola unida» e «numa só África».

Clemente Cunjuca, secretário de Estado dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria, lembrou o contributo de Lara, durante a guerrilha, para a organização do sistema de educação nas zonas libertadas e a dinamização dos centros de instrução revolucionária. E contou como ele, apesar de ter sido um destacado dirigente político e comandante de tropas, recusou mais tarde a patente de general, «por não se considerar um militar de profissão». Gesto que Cunjuca considerou revelador de «um profundo exemplo de humildade e de comprometimento desinteressado» com a causa do povo angolano.

Em nome da família, falou Paulo Lara, filho do combatente desaparecido. O Jornal de Angola cita-o: «Desculpa-nos por falarmos um pouco mais de ti, rompendo a tua modéstia e simplicidade. Mais do que pai dos teus filhos, foste um dos pais do teu Movimento, o MPLA. Aprendemos contigo que o ser-se família de um dirigente não significava ter-se mais direitos ou regalias mas sim mais deveres. Que os direitos não devem medir-se em função das descendências, mas sim pelas capacidades e méritos de cada um».

Comprovando o enorme prestígio de Lúcio Lara, nas homenagens em Luanda marcaram presença, além de familiares e amigos, o presidente José Eduardo dos Santos, outros altos dirigentes do Estado e do MPLA, líderes políticos e religiosos, responsáveis de organizações sociais, membros do corpo diplomático. Entre as personalidades estrangeiras que quiseram associar-se ao tributo, a imprensa angolana referiu o presidente Manuel Pinto da Costa, de S. Tomé e Príncipe, e representantes do PAICV (Cabo Verde), da Frelimo (Moçambique), da SWAPO (Namíbia), do Partido Socialista de Portugal, da União das Mulheres da República do Congo, da Organização das Mulheres do Partido Trabalhista (Brasil). Chegaram mensagens de Pedro Pires, ex-presidente de Cabo Verde, de Aurélio Martins, líder do MLSTP/PSD (S. Tomé e Príncipe), do Partido Comunista de Cuba, do Partido Comunista Português.

Na carta de condolências enviada pelo PCP ao MPLA, os comunistas evocam Lúcio Lara como «destacado patriota e internacionalista» e referem «a sua valiosa contribuição em Portugal, ao lado do nosso Partido, para a luta contra a criminosa ditadura fascista e colonialista que, oprimindo o povo português, simultaneamente oprimia o povo angolano e demais povos sujeitos ao jugo colonial, tornando os nossos povos aliados numa luta libertadora comum, de que a Revolução do 25 de Abril e a conquista de independência de Angola foi a mais elevada expressão».

Da sua longa luta contra o fascismo e o colonialismo português e pela independência do povo angolano e de outros povos africanos, o PCP recorda que Lúcio Lara integrou o MUD Juvenil, participou no V Congresso do PCP, realizado na clandestinidade em 1957, e foi activista na Casa dos Estudantes do Império.

Já depois da conquista da independência e da proclamação da República Popular de Angola, a 11 de Novembro de 1975, Lúcio Lara chefiou a delegação do MPLA/Partido do Trabalho que se deslocou a Portugal a convite do PCP, em Julho de 1981. Foi durante esta visita que se tornou pública a forma como foi organizada pelo PCP a saída clandestina de Agostinho Neto de Portugal, em 30 Junho de 1962.

A longa marcha
para a independência

O Bureau Político do MPLA descreveu em comunicado o trajecto daquele que foi um dos pilares fundamentais do amplo movimento popular de libertação de Angola, um dos artífices da luta política e armada pela independência de Angola, ao lado de Agostinho Neto e de outros nacionalistas.

Lúcio Lara (que durante a guerra usou o nome de Tchiweka, em homenagem à terra natal de sua mãe) nasceu no Huambo, em 9 de Abril de 1929. O pai era português e a mãe angolana.

Tendo terminado o ensino secundário no Huambo e em Lubango, partiu em 1947 para Portugal para prosseguir os estudos. Frequentou as faculdades de Ciências das universidades de Coimbra e de Lisboa.

Ao longo desses anos, conviveu em Portugal com Agostinho Neto, Mário de Andrade e outros angolanos e com estudantes de outras colónias como Amílcar Cabral, vindo de Cabo Verde, Vasco Cabral, da Guiné, Marcelino dos Santos e Noémia de Sousa, de Moçambique, Alda Espírito Santo, de S. Tomé e Príncipe. Esses e muitos outros jovens africanos juntaram-se depois aos movimentos nacionalistas das suas terras, combatera, desempenharam papel de relevo na luta independentista.

Lara passou nos anos 50 pela Casa dos Estudantes do Império e integrou a sua direcção, em Coimbra. Envolveu-se nas actividades associativas estudantis e fez parte do Movimento de Unidade Democrática (MUD) Juvenil, ao lado de outros africanos e de anti-fascistas portugueses.

Em Lisboa, com Neto e outros angolanos, dinamizou o Clube Marítimo Africano, agremiação que nessa década desempenhou um papel significativo na mobilização de trabalhadores africanos e na circulação de informação e documentos entre a metrópole portuguesa e as colónias.

Com Neto, Cabral, Mário de Andrade, Noémia de Sousa, Humberto Machado e Eduardo Macedo dos Santos, entre outros, foi um dos fundadores, na clandestinidade, em 1957, do Movimento Anti-Colonialista (MAC).

Para escapar à perseguição da PIDE e à prisão, em Março de 1959 foi forçado a sair de Portugal, refugiando-se na Alemanha.

Em Janeiro de 1960 participou na II Conferência dos Povos Africanos, em Tunes, como representante do MPLA e da recém-criada FRAIN (Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional), constituída com o PAIGC e que substituiu o MAC.

Depois de uma estada em Casablanca em 1960, Lara estabeleceu-se em Conakry para constituir, com Mário de Andrade, Viriato da Cruz, Azancot de Menezes e outros patriotas, a primeira direcção do MPLA no exterior de Angola.

A partir de 1962, quando Agostinho Neto, fugido de Portugal – na companhia da mulher e dos filhos e de Vasco Cabral, numa viagem por mar de Lisboa até Tânger, levada a cabo pelo aparelho clandestino do Partido Comunista Português – se estabeleceu em Leopoldville e reorganizou o MPLA, assumindo a sua presidência, o percurso de Lúcio Lara confunde-se com o do MPLA, de cujos órgãos de direcção fez parte.

Entre 1962 e 1974, na guerrilha, desenvolveu a sua actividade política clandestina em Cabinda e no Leste de Angola, mas também no território da actual República do Congo, junto de refugiados angolanos que ali se encontravam.

Foi membro do Comité Central e do Bureau Político do MPLA. Em Outubro de 1974, sempre ao lado de Neto, participou da assinatura do cessar-fogo com Portugal, cujo governo, na sequência do 25 de Abril de 1974, reconheceu o direito de Angola à independência.

A morte prematura de Agostinho Neto, em 1979, abalou-o profundamente. Na altura, número dois do MPLA, contribuiu para o processo de escolha de José Eduardo dos Santos para a liderança do partido e do país. Depois de ter investido Agostinho Neto como o primeiro presidente da República Popular de Angola, a 11 de Novembro de 1975, coube-lhe a missão de empossar o seu sucessor, o actual chefe do Estado angolano.

Na década de 80 manteve-se como membro do comité central e centrou a sua actividade na Assembleia do Povo, como 1.º secretário. Deixou o cargo de deputado e retirou-se da política activa em finais de 2003, por razões de saúde. No ano seguinte, foi alvo de uma homenagem do MPLA, que fez coincidir o tributo ao herói da luta pela independência com a data em que se assinalaram 30 anos da sua entrada em Luanda – 8 de Novembro de 1974 – à frente da primeira delegação do MPLA chegada à capital angolana depois da queda da ditadura em Portugal.

Lúcio Lara e a sua companheira, Ruth – falecida em 2000 –, deram também um inestimável contributo para o estudo e a divulgação da história da luta de libertação nacional de Angola e das outras ex-colónias portuguesas. Em 1997, editaram o livro Um amplo movimento… Itinerário do MPLA através de documentos e anotações de Lúcio Lara (até Fev.1961), o primeiro de três volumes. Em 2008, já sob direcção da filha, Wanda Lara, foram publicados mais dois volumes de documentos e fotografias, correspondentes ao período compreendido entre 1961 e 1964. Antes, em 2006, foi criada a Associação Tchiweka de Documentação, com o apoio da Presidência da República de Angola e do MPLA.

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Hoje, as novas gerações em Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe, em toda a África, podem encontrar na vida e obra de Lúcio Lara, patriota e internacionalista, inspiração para prosseguir a luta pela consolidação da independência, pelo reforço da unidade nacional, pelo desenvolvimento e pela emancipação social dos seus povos.

* Jornalista

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