As lições de Obama a Cuba e à Sociedade Cubana
Rafael Hernández*
Neste texto, Rafael Hernández, brilhante intelectual cubano director da revista trimensal «Temas», comenta o discurso de Obama em Havana, «uma jóia da joalharia política que deveria ser estudada nas faculdades de comunicação e nas escolas do Partido. As suas frases nem parecem ter sido bordadas por peritos e habilmente lidas num teleponto, parecem ditas do coração. Esta peça de oratória, a sua encenação e a sua perfeita interpretação parecem uma conversa, não um documento carregado de teses do princípio ao fim».
É este documento que Rafael Hernández desmonta.
A intervenção do presidente Obama perante uma representação da sociedade civil cubana, especialmente selecionada e convidada, que vimos pela televisão, é uma jóia da joalharia política que deveria ser estudada nas faculdades de comunicação e nas escolas do Partido. As suas frases nem parecem ter sido bordadas por peritos e habilmente lidas num teleponto, parecem ditas do coração. Esta peça de oratória, a sua encenação e a sua perfeita interpretação parecem uma conversa, não um documento carregado de teses do princípio ao fim.
Comento algumas destas teses e o seu brilhante trabalho de oratória, a partir da lógica com que o Presidente construiu a visão da nossa realidade e da dos Estados Unidos, tal como o seu tom directo. Os meus modestos comentários não pretendem ser o espelho da sociedade civil cubana, apenas uma reflexão crítica sobre o senso comum, o de Obama e o dessa sociedade, reconhecendo-a na sua heterogeneidade, vibrante e politizada, não satisfeita com monólogos bem armados e carismáticos, mas com o diálogo real entre a diversidade de cidadãos, já estes são muito mais que dois. Faço-o com um espírito de debate, não apenas por um convite do presidente Obama a uma discussão «boa e saudável», mas porque esse debate se legitimou entre nós há já muito tempo, como parte de uma liberdade de expressão que a sociedade civil ganhou por si própria, para além das estridências e da gritaria, sem esperar dons de cima ou de benfeitores poderosos de fora.
1. «Devemos deixar tudo para trás»
Desde o seu primeiro discurso, na Cimeira de Puerto España (2009) [1], o presidente Obama insistiu em não ser responsável pela guerra que os EUA mantêm contra Cuba, porque tudo isso se passou «antes de nascer». Com esta volta, pessoal, demarca-se do legado no uso da força pelos EUA para com Cuba nos últimos 150 anos. Hoje, diz-nos que a sua mensagem é «uma saudação de paz», e que o melhor é encerrarmos o passado. Sempre que se trate de olhar em frente, façamo-lo. No entanto, na linha seguida por este doce intróito, passa para a revolução a conta a pagar pela dor e o sofrimento do povo cubano, e despacha este período como «uma aberração» na história das relações bilaterais.
Em vez de deixar o passado para trás nós queremos reexaminá-lo de maneira equânime, e vê-lo em toda a sua complexidade, sem espelhos ideológicos nem frases diplomáticas, pois não ajuda evoca-lo como se fosse The Pérez Family, aquele filme com Alfred Molina e Marisa Tomei. A normalização inicia-se do lado dos EUA, não graças à sua infinita benevolência, mas porque é nas suas mãos que tem estado a decisão de alterar as coisas. Olhando mais de perto, a recapacitação de Obama e o seu desacordo com a política dos EUA durante todo esse período «aberrante» consiste na constatação de que «não estava a funcionar», porque não atingiu o seu objectivo: derrubar o socialismo cubano pela força e pelo isolamento. O seu mérito consiste em tê-lo declarado em Puerto España, e proclamar agora «coragem de o reconhecer», ainda que se trate de uma política que o resto do mundo assumiu há mais de vinte anos.
discurso caracterizado pela franqueza, no entanto, não diz nem uma única vez que além de errónea, essa política foi contra-producente, porque atropelou o bem-estar do povo e a soberania cubanas, como impôs a necessidade de armarmo-nos até aos dentes, e conduziu à maldita situação de uma fortaleza sitiada, e um estado de segurança nacional cujas consequências económicas e políticas ainda estamos a pagar. Não é possível desconhecer que esse eloquente e sem papas na língua cidadão norte-americano, que reclama dizer-nos o que pensa, é também o Presidente dos Estados Unidos da América. Com essa mesma franqueza, podia ter arregaçado as mangas e metido as mãos no tema reconhecendo o papel do Estado norte-americano, não só nos custos do povo, mas os dos nossos problemas actuais, se quisermos ir ao fundo das coisas, agora e no futuro.
2. «Graças às virtudes de um sistema democrático e respeitador da liberdade dos indivíduos, os EUA são o país das oportunidades, onde o filho de um imigrante africano e uma mãe branca solteira pôde chegar a presidente».
Este notável discurso leva-nos amiúde por caminhos clássicos como o do sonho americano, com uma mestria narrativa própria de Steven Spielberg, que tinha invejado, entre outros, o grande Félix B. Caignet. Ainda que recuse, e com razão, ficar atolado na história, Obama termina por dar-nos visão das coisas que se passaram não só aqui, mas também lá. Numa das suas teses centrais, afirma que a justiça social alcançada por eles se deve, precisamente, ao sistema democrático adoptado pelos pais fundadores.
No próximo ano cumprem-se 150 anos do fim da Guerra civil que dividiu o Norte e o Sul dessa grande nação no confronto mais terrível, em termos materiais e humanos, sofrido pelos EUA, tendo em conta todas as guerras em que participaram. Se a democracia tivesse chegado para resolver o problema da escravatura, não teria sido necessária aquela guerra atroz, provocada pelo levantamento dum terço do país contra o poder legítimo, democraticamente eleito, e que custou 750 mil mortos, meio milhão de feridos, 40% de destruição do do Sul do país, propriedades perdidas para sempre pelos sulistas derrotados, um presidente Lincoln vilipendiado e finalmente assassinado, só para abolir a escravatura.
Um século depois dessa terrível Guerra civil, ao lado da qual a nossa revolução com todos os seus custos humanos e familiares é um passeio pelo campo, ainda a mamã Obama e a família tiveram que partir com a família para o criar num estado tão próximo como Hawai, onde o seu filho, mulato, pôde crescer rodeado de menos discriminação galopante que nos EUA continentais – como ele mesmo nos recorda no seu discurso. Todavia, ainda hoje, como demonstram historiadores e sociólogos norte-americanos, as feridas daquela conflagração não se fecharam de todo, e as causas estruturais da desigualdade racial e a violência associada não conseguem baixar. Se Martin Luther King Jr e muitos norte-americanos, de todas as cores, tal como nós em Cuba, celebramos o triunfo de um candidato negro nas eleições de 2008, também sabemos que isso não basta para que um sistema político se torne mais democrático – nem lá nem em parte alguma.
Quanto ao pluralismo do sistema, soa como um wishful thinking [2], ou uma boa ideia, que um candidato social-democrata fizesse a campanha e chegasse até ao final com alguma visibilidade, como uma terceira via no quadro de ferro bipartidário dos EUA, em vez de se ver forçado a um Partido Democrata que abomina, para ter alguma hipótese de participar nesse bicentenário sistema político estadounidense, ao qual José Martí dedicou centenas de páginas, que lemos pouco e conhecemos menos do que devíamos.
3. «O socialismo tem as suas coisas boas, como a saúde e a educação (ainda que lhe falte os direitos humanos e as liberdades que têm os EUA.»
Muito obrigado. Mas isso da saúde e da educação di-lo todo o mundo. Em rigor, a questão de pôr em contraste os atributos dos nossos sistemas requere pô-los num contexto mais amplo. Antes de o comparar com Cuba havia que pôr o sistema norte-americano ao lado de outras economias de mercado e democracias liberais do mundo. Alguém mais tem um igual? O que há que explicar é por que razão essa democracia baseada em valores universais, onde tudo se alcança, não pôde conseguir um sistema nacional de saúde, nem sequer um tão incompleto como era o projecto original do Obamacare. Como se explica que a educação pública, que não é um invento comunista, tenha funcionado em muitos países europeus, enquanto nos EUA tem índices tão pobres?
A propósito da medida do socialismo cubano, pergunto-me se esta se contém em dois serviços públicos gratuitos, como a saúde e a educação, tal com tem os canadianos e os finlandeses. Já sei que muitos cubanos pensam assim. Do meu ponto de vista, no entanto, o maior êxito do socialismo cubano (incluindo não só o governo mas todos os cubanos que o tornam possível) foi a reivindicação do sentido da dignidade das pessoas e da prática da justiça social, independentemente da sua origem, classe, cor ou género. Isso explica, por certo, que os cubanos estejam hoje alarmados perante o crescimento da desigualdade e da pobreza, e não a aceitemos como um facto natural mas como erosão de uma condição cidadã fundamental. Ou é que o custo do retrocesso dos perdedores se equilibra com a prosperidade dos ganhadores? Resolve-se com impostos e um suposto efeito de derrame de cima para baixo? Onde é que isso se passa? Quando digo igualdade – não uniformidade nem igualitarismo – refiro-me à prática real desse direito, não à letra de uma constituição.
Nós, cubanos, devemos recordar que o nosso hóspede, o Dr. Barack Obama, é graduado pela Escola de Direito de Harvard, e ensinou na Universidade de Chicago essa matéria, Direito Constitucional, antes de ser organizador comunitário nessa cidade, e depois político local, pelo que tem plena consciência do que estamos a tratar. coisa é a lei e as instituições do sistema, e outra a justiça social. Dizer que a prática dessa justiça em Cuba consiste «no papel e nos direitos do Estado», em oposição aos do indivíduo, revela, no melhor dos casos, ignorância, e no pior, má-fé. Tratando-se dele, seguramente, se trata só da primeira hipótese.
Claro que temos muito de avançar em matéria de direitos de cidadania efectivos, reforço da lei, mais poder e representação de todos os grupos sociais, e não só dos nossos empreendedores privados, no caminho para uma democracia cidadã plena. Fazê-lo sobre a base da nossa própria cultura política, e tendo em conta outras experiências de descentralização e participação local na América Latina, mais que as dos nossos amigos asiáticos, é uma tarefa que não se deve deixar mais lá para a frente. Com sincera admiração para com os lutadores pelos direitos civis nos EUA, dezenas deles assassinados pela ultra-direita e acossados pelo FBI, o nosso horizonte de direitos de cidadania está muito mais para lá.
4. «A alteração em Cuba é coisa dos cubanos»
Naturalmente, todos aplaudimos. Mas nesse mesmo parágrafo, o Presidente pega nas rédeas no assunto, para defender os direitos dos «seus cubanos», isto é, os exilados de Miami e os dissidentes em Cuba, precisamente aqueles que se reconhecem como aliados dos EUA. Ainda que saibamos que a maioria dos emigrados dos anos 80 e 90, e os actuais, não se foram embora pelas mesmas razões políticas que os emigrados de 60 e 70, mas económicas e familiares; ainda que os que se foram desde 1994-1995 não sejam considerados refugiados políticos pela lei norte-americana, mas simplesmente imigrantes; que 300 mil deles visitam pacificamente Cuba cada ano; que esses imigrantes mais recentes representam metade de todos os cubanos residentes nos EUA, e são os que mandam 1,7 mil milhões de dólares aos seus parentes na ilha com quem mantém estreitas ligações, pois não partiram zangados; que metade dos restantes nasceram nos EUA, e portanto também não são refugiados políticos, e inclusive visitam a ilha com passaporte norte-americano, o presidente Obama fala de dois milhões de «exilados» cubanos, com os quais ele promove qualquer coisa chamada «reconciliação». Será possível que também não saiba o número crescente de repatriados desde a lei migratória de Janeiro de 2013? Dos cubanos-americanos que não fazem negócios com Cuba porque a lei do bloqueio o impede? Se não é assim, então entre quem é a «reconciliação» que advoga? Serão os políticos do lobby archi-conservador cubano-americano, oposto à normalização? Os seus aliados em Cuba? Os sobre-vivos batistianos?
Certamente, quando ele fala das nossas relações, das de todos os cubanos de Cuba com os norte-americanos, diz que somos exactamente «dois irmãos do mesmo sangue» que nos temos visto «separados há muitos anos» devido à fatalidade desta «aberração» que aqui temos. Seja dito em nome da verdade, desde há mais de um século que nós, cubanos, somos vistos (e para muitos continuamos a sê-lo), como uma raça inferior, porque somos um povo de cor, nada de consanguinidades. Quanto ao nosso código partilhado com os afro norte-americanos e latinos, seria conveniente que os seus assessores dissessem ao presidente e a esses cubanos exilados em Miami, onde não abundam os negros mas o racismo exacerbado da classe alta cubana, a quem não agrada que lhes chamem latinos, porque se sentem superiores – como muito bem sabem os restantes latinos e negros norte-americanos. Esses exilados de pura cepa fizeram uma acção de repúdio ao mesmíssimo Nelson Mandela quando visitou os EUA e quis ir a Miami; e costumam chamar ao presidente Obama desde que foi eleito, «o negrito da Caridade» (o que não é propriamente um tratamento carinhoso, ainda que o pareça). Agora, que fez tudo isto com Cuba chamam-no simplesmente «o traidor». Seguramente entende que não nos é fácil entendermo-nos.
5. «A normalização com os EUA está a abrir as portas às alterações em Cuba»
Segundo este diagnóstico aqui não se passou nada nestes últimos anos. Ou seja, o governo cubano «abriu-se ao mundo graças ao 17 de Dezembro de 2014; e ainda lhe falta reconhecer que a maior riqueza deste país é o seu capital humano. Com todo o respeito pelo sector privado que temos, imaginar que o nosso potencial de desenvolvimento e inventiva se limita a alugar casas, a fundar paladares [3], a manter a andar os ‘almendrones’[4] é ignorar o nosso maior capital humano, formado pelo que fazem os nossos médicos, professores universitários, artistas, agricultores, cientistas, profissionais. Esquecer os jornalistas oficiais das instituições armadas, diplomáticas, professores do ensino básico e secundário, dirigentes, muitos deles jovens e bem preparados, são a parte principal da riqueza da nação, ainda que não sejam nem se vão a converter em «sector privado». Não que confundir a sociedade civil com os negócios. Ou há alguém que pense que estes barbeiros e donas de pequenos negócios tão justamente celebrados estes dias brotaram nas ruas por geração espontânea, em vez de terem sido criados por uma lei cubana, e que se mantêm ligados às instituições locais, com que colaboram?
Esta visão excludente privado-estatal parece acompanhar a imagem de um país que se representa como paralisado, onde nada muda, e não o fará até que os cubanos não conheçam outros pontos de vista diferentes dos prevalecentes, graças a uma comunicação com o mundo exterior de que carecem. Quando tiverem uma conexão ADSL nas suas casas, e descubram a internet despertarão como a princesa quando foi beijada pelo príncipe. Entretanto seguirão noutro mundo, sem nenhuma modalidade de acesso à internet, nem correio electrónico, nem telemóveis. Não é sequer o copo meio vazio, é a ideia que não há copo algum.
Finalmente, no espelho do discurso do Presidente não se reflecte nada parecido com um programa de reformas em curso, nem uma sociedade cubana capaz de debater os seus problemas publicamente. Claro que a normalização pode ser um factor favorável a essa alteração; ainda que também um factor negativo. Do lado de lá, depende da capacidade da política norte-americana tratar Cuba como trata outros países com quem colabora, apesar das diferenças e problemas internos. Os casos da China e do Vietname evocados no discurso do dia de S. Lázaro, poderiam ser uma pauta positiva a seguir. Do lado de cá, depende da capacidade da nossa política para evitar aderências ideológicas, como as que ocorrem cada vez que os EUA decidem favorecer um sector, seja ele a internet, os trabalhadores do sector estatal ou os jovens. Para o dizer como Nitza Villapol, agora que a política com os EUA é tarefa de muitos, havia que aprender a cozinhá-la numa panela de teflon, para que as coisas não se peguem ou se amargurem sem necessidade.
A programação ao milímetro de Obama encenada durante toda a visita, cujo ponto culminante, em termos dramatúrgicos foi o discurso perante a sociedade civil, o 22 de Março, era antecipado no blog do Departamento de Estado, com o título Engaging the Cuban People, quatro dias antes, pelo seu encarregado, o vice-assessor de Segurança Nacional para Comunicações e Discursos Estratégicos, Ben Rhodes.
No seu discurso o presidente Obama reconheceu afinidades culturais cubanas com os EUA em basebol, no chá-chá-chá, nos «valores familiares». Também chamou a atenção para as capacidades dos cubanos, especialmente os jovens, para funcionar no contexto cultura de mercado dos EUA. Ao longo deste documento fez uma exibição de familiaridade com o cubano e a sua cultura popular.
Não estou certo que os assessores de Obama compreendam que a familiaridade cubana com o norte-americano não é só uma razão para apreciar os seus produtos e o sentido do espectáculo, mas a capacidade de entender o seu uso e manejo. Na verdade, sem nunca ter posto os pés na ilha nem ter sido criado com cubanos, no discurso do dia de S. Lázaro de 2014 disse «Não é fácil» em espanhol; quando aterrou em Havana e na sua conversa telefónica com alguém, sem vir muito a propósito, solta «Qué bola», tal como quando o Air Force One toca em solo cubano; foi capaz de citar José Martí uma e outra vez (nenhuma delas a falar dos EUA). No empacotamento cultural da mensagem não parece ter faltado nada, nem a Ermida de la Caridad de Miami.
Segundo este guião, a reunião procurava demonstrar o seu apoio «aos valores e direitos humanos universais, incluindo o respeito pelo direito à liberdade de expressão e reunião.» E o seu «profundo desacordo com o Governo cubano», sobre estes temas, e a sua convicção de que o encontro coloca os EUA em melhor posição para suscitar estas diferenças directamente ao governo cubano, e continuar a ouvir a sociedade civil. Finalmente, «este guião anuncia que as questões aí colocadas sublinharão o contínuo espirito de Amizade, e projectarão a sua visão sobre o futuro da relação entre os dois países». Em resumo, uma no cravo outra na ferradura, como era de esperar.
Gostei de ver Raúl na tribuna, sorrindo depois de ouvir a tirada de Obama, saudando e fazendo sinais aos assistentes, em vez de assumir uma expressão austera ou contrariada. Umas horas depois, com um elegante saco de sport azul, acompanhou Obama nos primeiros movimentos [innings] de um jogo de basebol, que perdemos irremediavelmente. Sportmanship [espírito desportivo] é uma velha palavra que pode resumir de forma muito simples o novo estilo que pedem as relações políticas entre Cuba e os Estados Unidos.
A meu ver, temos muito caminho pela frente em matéria de fortalecimento das práticas de participação e de democracia cidadãs, não meramente multipartidárias. E mais vale que peguemos esse touro pelos cornos, em vez de assumir uma postura envergonhada de que ao nosso socialismo a única coisa que lhe falta é eficiência económica e recuperação do bem-estar social, de modo que não há que tocar no funcionamento do sistema político, nos meios de comunicação, no papel dos sindicatos e das organizações sociais, no próprio Partido Comunista e no poder omnímodo da burocracia – isso a que Raúl chama «a velha mentalidade». Não basta citá-lo, há que cumprir esse guião, que não é precisamente o de um espectáculo com uma nova encenação, à altura que o exigem os tempos e as pessoas.
Quanto ao significado da visita para os cubanos, esta cumpriu a sua função, para além do que foi visível, pois abriu caminho a que ambos os presidentes conversem directamente nos próximos dez meses sobre os nossos interesses comuns, a etapa decisiva na construção da ponte que a próxima administração deve encontrar tão avançada que seja demasiado custoso dinamitá-la.
Ironicamente, quando Barack Hussein Obama sair do cargo de 44º presidente dos EUA, onde chegou há oito anos envolto nas maiores esperanças das últimas décadas, entre a sua mão-cheia de realizações estará a normalização com Cuba. Talvez dentro de alguns anos não se recordem das frases bordadas pela sua talentosa equipa de especialistas em comunicação, nem o que dizem sobre nós e sobre eles. Mas muitos cubanos e norte-americanos não esquecerão a sua mensagem de paz e, muito especialmente, a sua determinação como primeiro presidente, depois de tantos anos de guerra, a atravessar este caminho, tão longe e tão perto, para nos visitar em Havana.
Notas do Tradutor:
[1] V Cimeira das Américas realizada em Puerto España (Trinidad e Tobago), de 17 a 19 de Abril de 2009.
[2] Desejo, pensamento desejado. Em inglês no texto original
[3] São restaurantes privados autorizados desde 1994, início do período especial.
[4] Carros antigos de antes da revolução que continuam a circular, alguns muito bem tratados.
*Sociólogo. Director de la revista cubana “Temas”.
Este texto foi publicado em: http://www.cubadebate.cu/opinion/2016/03/25/sobre-las-lecciones-de-obama-ante-la-sociedad-civil-cubana/#.VvkW6o-cGDJ
Tradução de José Paulo Gascão