O Caim da América Latina!

No entanto, estes dois acontecimentos são somente a ponta do iceberg de uma constantepolítica incondicional do regime uribista com as forças mais retrógradas em nívelinternacional, como foi demonstrado nas últimas semanas com diversos acontecimentos,entre os quais, vale mencionar, as calúnias vis e as montagens na mídia contra osgovernos do Equador e da Venezuela, a recepção com honras ao chanceler-deliquentede Israel, Avigdor Liberman (a quem nesse país o chamam de “Vladimir o matador”, eao qual nenhum governo europeu e nem sequer o dos Estados Unidos quis receber deforma direta, de pura vergonha), e o reconhecimento público, a contragosto, daimplementação de sete bases militares dos Estados Unidos em nosso território. Todosesses fatos merecem uma análise geral para tentar entender por que o regime uribista setransformou no Caim da América Latina.

1. A guerra mundial pelos recursos na América Latina

Diante do esgotamento irreversível dos recursos naturais que possibilitam ofuncionamento do capitalismo, cujo centro se encontra nos Estados Unidos, nessemomento as grandes potências travam uma guerra mundial, não declarada, nemreconhecida, para assegurar o controle das últimas reservas desses recursos em todo omundo. A América Latina em seu conjunto é uma importante fonte de recursos de todotipo: petróleo, gás, minerais, água, madeira, biodiversidade, material genético etc., e porisso é vista pelos Estados Unidos como seu quintal estratégico, que hoje satisfaz umaquarta parte de suas necessidades em materiais e energia. Nesta perspectiva, paragarantir o controle de tão importante fonte de recursos, os Estados Unidos decidiramincrementar sua presença militar no continente e para isso escolheram o territóriocolombiano para implantar sete bases militares, que lhes permitirão a implementação desuas forças aéreas, navais e terrestres na América do Sul, América Central e caribe e,inclusive, lhes possibilitará chegar mais rápido ao continente africano.

Mas a prioridade imediata para o imperialismo estadunidense radica em apoderar-se dosrecursos vitais que se encontram no coração do continente, como são o petróleo daVenezuela e do Equador, o gás da Bolívia, os minerais e os recursos florestais da selvaamazônica, a água do aqüífero guarani e a biodiversidade e riquezas naturais e hídricasda Colômbia. Para o caso de dúvidas quanto a esses objetivos estratégicos, bastariaobservar um mapa para comprovar a implementação das forças militares dos EstadosUnidos pela região: tem uma base militar em Honduras, a de Soto Cano, de onde foipreparado o golpe contra o governo de Manuel Zelaya; contam com duas bases emAruba e Curaçao respectivamente, em pleno mar do Caribe; dispõem da base deGuantánamo em território usurpado de Cuba; possuem bases no Peru e no Paraguai, eagora vão ter sete bases, entre aéreas, marítimas e terrestres, na Colômbia, dispersas portoda nossa manchada geografia. A isso tem que se somar a implementação da QuartaFrota pelos mares do continente. Não é necessário ser nenhum expert militar paraconstatar que estão cercando a Venezuela com um anel bélico, país ameaçado demaneira direta do norte e do nordeste (com as bases do caribe) e do ocidente (com asinstalações militares estabelecidas na Colômbia), assim como abriram um acesso diretoàs tropas dos Estados Unidos ao pacífico e à selva amazônica, após o fechamento dabase de Manta no Equador.

Isto quer dizer, sem titubeios, que o território colombiano se converteu no porta-aviõesterrestre e em porto marítimo da força aérea e naval do imperialismo estadunidense,cujo objetivo imediato se centra no controle direto do petróleo da Venezuela, que possuiuma das mais importantes reservas de hidrocarbonetos do mundo. Isto já estavaplanejado quando há uma década se desenhou o mal chamado Plano Colômbia, com oqual se vislumbrou, nas palavras de um dos seus proponentes, o senador do PartidoRepublicano Paul Cover Dale, que disse que “para dominar a Venezuela é necessárioocupar militarmente a Colômbia”. E isso é o que, efetivamente, começa a sematerializar neste instante.

Nesse plano estratégico resultam triviais e circunstanciais os balbuceios da ÁlvaroUribe no sentido de que essas tropas invasoras gringas são necessárias para lutar contrao narcotráfico e o “terrorismo”, e essa decisão, o que parece uma piada ruim, seria umamostra de autodeterminação e soberania. Esta “explicação”, típica demais de qualquercientista político da Universidade dos Andes ou do IEPRI³, e choca com a durarealidade de constatar que nos lugares onde intervêm de maneira direta as tropas dosEstados Unidos, ao invés de diminuir, o narcotráfico se incrementa, como acontece hojeem dois de seus principais enclaves: Colômbia e Afeganistão, nos quais a produção eexportação de narcóticos disparou nos últimos 8 anos, como resultado do incremento da“ajuda” na luta contra as drogas. Além disso, fica claro que até agora a (in)segurança(anti)democrática da que tanto se vangloria o atual regime é uma mentira, porque comum dos gastos militares relativos mais elevados do mundo não pode ganhar a guerracontra a insurgência.

Por sua vez, Barac Obama, o pálido presidente dos Estados Unidos, muito rapidamentemostrou seu real caráter imperialista, provando que os anúncios sobre uma nova era depaz e concórdia na política exterior estadunidense eram apenas falácias, como foidemonstrado em Honduras e na Colômbia. Não surpreende, nesse sentido, que Obama,de forma descarada, ao estilo George Bush, tenha negado que vão estabelecer naColômbia bases militares, senão que simplesmente estariam melhorando os laços decooperação com este país, que é seu principal sócio militar na América Latina. Haveriaque ter muita imaginação, consequentemente, para supor que as centenas de militares ede mercenários ianques que já estão na Colômbia, cujo número vai ser incrementadonos próximos meses, vêm veranear ou praticar esportes radicais em nosso solo.Ninguém que tenha um mínimo de inteligência crê nessa fábula inocente, selembrarmos que os estados Unidos contam com 1200 bases e instalações militaresespalhadas por todo o mundo e que de tais bases prepararam agressões, ataques,invasões, bombardeios e ocupações de países, isso só para lembrar a história do últimoquarto de século, como Iraque, Afeganistão, Somália, Paquistão, Panamá e Nicarágua,entre outros.

Concluindo, o estabelecimento de bases militares em solo colombiano aponta aocontrole e domínio dos recursos estratégicos para o funcionamento do capitalismo noscentros imperialistas. Assim, esse objetivo se encobre com a terminologia nebulosa daluta contra o narcotráfico e o terrorismo, porque se isso fosse certo, os Estados Unidosestariam bombardeando a si mesmo todos os dias, porque são, de forma simultânea, oprincipal narcotraficante e terrorista do mundo.

2. Desarticular os governos de esquerda da América Latina

Para se fazer possível a apropriação plena dos recursos estratégicos, os Estados Unidosincrementou outra estratégia complementar, consistente na desarticulação dos governosde esquerda do continente. Por essa razão, vêm implementando há anos um processoplanejado de desestabilização contra aqueles governos que na América Central e naAmérica do Sul estão tentando, com muito esforço e dificuldades, desenvolver umapolítica independente em relação aos Estados Unidos e solucionar alguns dos problemashistóricos que afligem à maioria dos pobres de seus respectivos países. Esse projeto,desde já, conta com a oposição das oligarquias locais e dos Estados Unidos, seu chefeindiscutível.

Para impedir a consolidação desses projetos nacionalistas, essa aliança criminosa detraidores e ianques recorreram a diversos mecanismos de desestabilização que vãodesde os golpes de Estado de “novo tipo”, como tentaram sem conseguir na Venezuela,mas os implementaram com êxito no Haiti em 2004 e em Honduras em fins de junho de2009. Este é o mecanismo mais direto, quando esgotaram outras formas de sabotagem,que inclui uma sistemática propaganda midiática, orquestrada dos Estados Unidos e daUnião Européia e com a participação da imprensa oligárquica do continente, entre aqual se destaca por seu servilismo a da Colômbia. Esta campanha de desprestígio pelosmeios de desinformação massiva levou a apresentar a Venezuela, o Equador e a Bolíviacomo narcoestados e santuários do terrorismo e os seus presidentes como lunáticos quenão sabem o que fazem e só buscam impor o comunismo na região. Porque, como nostempos da Guerra fria, reaparece, via Miami e Bogotá, o fantasma anticomunista paradeturpar qualquer determinação nacionalista dos governos latino-americanos.

No plano da desestabilização interna dos países mencionados, o regime colombiano, omais submisso de todo o continente diante dos Estados Unidos, se converteu na pontade lança das forças mais reacionárias e para isso também recorreu aos mais diversosmecanismos: calúnias e mentiras propaladas por altos funcionários do regime, queacusam o Equador e a Venezuela de serem cúmplices dos “inimigos da Colômbia”;manobras midiáticas ordinárias e vulgares para culpar os presidentes Hugo Chávez eRafael Correa, mas que têm grande impacto na opinião pública, e que cada vez mais seagitam no seio da sociedade colombiana; violação do direito internacional, primeirocom o seqüestro de colombianos na Venezuela e depois com o bombardeio criminosoao território equatoriano; tudo isso veio acompanhado de uma militarização extrema dasrelações diplomáticas com os países vizinhos, visto que as forças armadas da Colômbiacresceram de maneira vertiginosa e contam com sofisticado armamento vendido pelosEstados Unidos, Israel, Rússia e inclusive Brasil, o que as converte em um perigo para apaz da região. Este último adquire uma dramática atualidade se levamos em conta que oregime uribista crê que todos os problemas se solucionam com metralhadora ebombardeios, ainda que tenha que massacrar os irmãos dos países vizinhos, contantoque se junte ao imperialismo. Não por casualidade, Álvaro Uribe foi condecorado pelocriminoso George Bush há algum tempo por sua contribuição à “liberdade” e à“democracia” entendem os Estados Unidos ou seja, matando a granel. Vale recordar queem fins da década de 1930, um embaixador dos Estados Unidos ganhou tristenotoriedade quando, com relação ao criminoso Anastácio Somoza, que haviatransformado a Nicarágua num cemitério, mas que obedecia incondicionalmente osditames de Washington, disse que esse ditador “era um filho da puta, mas era nossofilho da puta”, e por isso tinha que apoiá-lo. Certamente, Barac Obama hoje pode dizero mesmo a respeito dos altos funcionários de certos governos da América Latina, entreos quais, sobressai por sua abjeção e servilismo, o regime colombiano.

3. Sabotar e impedir os projetos de unidade latino-americana

Fora as tentativas democratizadoras e nacionalistas de alguns governos do continente,também batem de frente, tanto com os Estados Unidos quanto com as oligarquiastraidoras, a pretensão de impulsionar a unidade continental em diferentes âmbitos, entreos quais se inclui como eixo fundamental a integração econômica. Estes esforços deintegração se concretizaram, apesar dos obstáculos, nos últimos anos na criação daAlternativa Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA), o mercado Comumdo Sul (MERCOSUL), e por último da União de Nações Sul-americanas (UNASUL),com o qual se conseguiu avanços importantes, entre os quais se destaca a solidariedadeque a Venezuela mostrou no âmbito energético com relação a outros países da região eo impulso a projetos conjuntos em matéria sanitária, educativa e tecnológica entre osmembros da ALBA, nos quais é significativa a participação de Cuba. Como parte dessesprojetos sobressai a proposta de criar um Conselho de Defesa dos países sulamericanos,que desde o começo contou com o rechaço do regime uribista que só acontragosto entrou no último minuto e de má vontade na UNASUL.

“Divide e reinarás”, é, como se sabe, uma das máximas favoritas de todos aqueles quedesde os tempos de Bolívar, Artigas, Sanmartín e Morazán, impediram a formação deuma autêntica confederação latino-americana de países. E encabeçando esse projeto desabotagem sempre esteve os Estados Unidos, desde o Congresso Anfictiônicoconvocado por Bolívar em 1826. Desde então e de forma reiterada, os estados Unidosem aliança com as classes dominantes locais mantiveram a balcanização do continente,para dominar separadamente cada país e apropriar-se mais facilmente de suas riquezas.Por isso, agora que se dão passos em direção da unidade, pelo menos em certosterrenos, os Estados Unidos novamente encabeça o projeto de impedi-los e para isso sealiou às classes dominantes de todos os países, mas entre elas sobressai por sua vileza alumpemburguesia colombiana. E esta procedeu de forma a cumprir a ordem:impulsionou a todo custo um Tratado de Livre Comércio, tanto com os Estados Unidose a União Européia, passando por cima dos interesses dos países vizinhos, comoEquador, Venezuela e Bolívia; destroçou a frágil Comunidade Andina de Nações(CAN) com sua política de buscar alianças com os países imperialistas em detrimentode seus sócios comerciais mais próximos, o que obrigou a Venezuela a se retirar em2006; preferiu comprar soja das multinacionais dos Estados Unidos do que ao governoda Bolívia, quebrando produtores rurais deste país, violando as disposições da CAN.Enquanto Álvaro Uribe fala de direito a autodeterminação e respeito à soberaniacolombiana para justificar o injustificável, como a implementação de basesestadunidenses, viola a soberania dos países vizinhos e o direito internacional mediantesua política hitleriana, de estirpe estadunidense, da guerra preventiva e de pretensalegítima defesa (propalada por um ex-ministro e pré-candidato presidencial, criminosode guerra e fugitivo da justiça equatoriana) para agredir os vizinhos.

Com tudo o que foi dito antes, o regime colombiano se converteu na cunha que osEstados Unidos estão usando para matar no próprio berço a UNASUR e impedir que amaior parte dos países da América do Sul consiga ordenar uma política comum dedefesa, que teria como um dos seus eixos principais impedir a intervenção de todapotência estrangeira e a implementação de bases militares em qualquer país da região.Com isso, os Estados Unidos veriam seriamente rachada a hegemonia no seu quintal, oque não vão permitir de imediato e por isso estão atuando, como já fizeram emHonduras, derrubando Zelaya, um golpe militar não somente contra Honduras, mascontra a ALBA. Não por casualidade, como dizíamos a principio deste artigo. ÁlvaroUribe recebeu de maneira vergonhosa e indigna uma delegação dos golpistas no dia 20de julho. Com isso, fica demonstrado que a lumpemburguesia cria os traidores e oimperialismo os junta para agir em conjunto contra a unidade latino-americana.E nesse sentido, o regime ilegal que impera na Colômbia está cometendo não somenteum ato de traição, como também está propalando um crime contra o continente ao seopor conscientemente à unidade dos povos da região, crimes que além do mais sãotípicos de todos aqueles que se distinguem por portar a Síndrome de Caim e que, comodizia José Martí, são como o aldeão vaidoso que pensa que o “mundo inteiro é suaaldeia”, e “desde que ele seja o prefeito, ou podendo se vingar do seu rival que lhe tiroua noiva, ou desde que mantenha os cofres cheios, acredita que é certa a ordem universal,ignorando os gigantes que possuem botas de sete léguas e que podem pôr a bota emcima, assim como a luta dos cometas no céu, que voam pelo ar, adormecidos, engolindomundos”.

¹ Ubérrimo: referência ao presidente Álvaro Uribe

² Casa de Nariño: referência ao Palácio de Nariño, sede do governo colombiano.

³ IEPRI: Instituto de Estudos Políticos e Relações Internacionais, com sede emBogotá.

Tradução: Valeria Maria Lima Campos