ALEPO – A peça Síria

Higinio Polo*

«Os EUA querem impedir que o governo de Damasco avance para a fronteira com a Turquia, assestando assim um duro golpe na «oposição moderada» que continua a ser apoiada pelo governo de Obama e, perante os fracassos colhidos com a sua política externa no Médio Oriente, chegou à conclusão que deve negociar-se em Genebra o futuro da Síria.»

A ofensiva lançada por todos os grupos armados da «oposição» síria contra a cidade de Alepo, parcialmente nas mãos do governo de Damasco, abriu muitas interrogações sobre o futuro das negociações de Genebra e sobre a evolução da guerra. A situação é muito instável, e a «oposição» não tem dúvidas em bombardear a população civil, mesmo que a cidade se converta numa frente de guerra para os cidadãos que se encontram na zona controlada pelo governo como para os que se encontram nos bairros em poder da «oposição», todos eles vítimas de bombardeamentos.

O regime dos EUA e os seus sipaios pretendem evitar que o regime de Damasco recupere Alepo, porta de entrada das armas ocidentais para os terroristas.

John Kerry, que se entrevistou em Genebra com o ministro dos Assuntos Exteriores da Arábia Saudita, Adel al-Jubeir, e com o seu homólogo jordano, Dzhoda, quer evitar que o governo sírio recupere a totalidade de Alepo, a maior cidade do país, e acredita que a continuidade dos combates poderia agravar a debilidade da «oposição», que retrocedeu nas últimas semanas tanto na frente em Alepo, como na periferia de Damasco, em Latakia, em Palmira e na zona central do país, a caminho de Dei rer-Zor e Raqqa, ambas em poder do Daesh.

No entanto no drama sírio há outros atores relevantes: Arábia, Turquia e Israel (que não desdenha atacar ocasionalmente as forças de Damasco), e nos últimos dias Houve um pacto tácito entre o HNC (o Alto Comité da «oposição moderada», segundo o jargão de Washington), a Frente de al-Nusra (filial síria da al-Qaeda) e o Daesh, que uniram forças para atacar o exército sírio em Alepo. A Turquia e a Arábia apostam no aumento da pressão sobre Damasco e reforçam as forças jihadistas suas aliadas, enquanto os EUA, apesar de manterem a sua rejeição oficial do Daesh, não desdenham contribuir para alcançar o principal objetivo: derrubar Bachar al-Assad e configurar uma nova Síria nas mãos dos seus principais clientes e aliados na zona.

Simultaneamente, aparecem outros sinais preocupantes: Os EUA pediram contribuições económicas aos seus aliados da União Europeia para reforçar os grupos que apoia na Síria, o conjunto de grupos terroristas e armados que denomina de «oposição moderada», e o próprio Obama decidiu, numa descarada violação do direito internacional, aprovar o envio para a Síria de duzentos e cinquenta membros das Operações Espaciais: assassinos profissionais, com uma preparação muito rigorosa para execução de tarefas letais. Além disso, a Noruega (membro da OTAN) decidiu enviar sessenta militares para a Jordânia treinarem a «oposição» armada, o que torna o futuro tão impredizível que um analista tão relevante como Noam Chomsky afirmava recentemente que os EUA poderiam não cumprir o acordo nuclear com o Irão», com as perigosas consequências que isso teria na situação do Médio Oriente: o Irão, que se opõe à Arábia e à Turquia, é uma peça muito relevante no complexo hieroglífico das guerras do Médio Oriente.

A «oposição» síria, que bombardeou um hospital em Alepo, procura a vitória militar a qualquer preço e, ainda que o HNC se tenha retirado das conversações em Genebra, ouve com muita atenção as recomendações de Washington, sabedor de que é conjuntamente com a Arábia [Israel] e a Turquia, um dos seus principais protetores. Adel al-Jubeir mostrou a rejeição da Arábia ao que denomina a «violação das leis humanitárias» por parte do governo de Damasco, apesar de não se interrogar sobre a responsabilidade do seu país na dramática situação síria nem sobre a emergência no Iémen, diretamente ligada aos bombardeamentos da sua aviação sobre a população iemenita.

Além disso al-Jubeir voltou a exigir a saída de Bachar al Assad da presidência síria, sabendo que com isso levanta um impedimento fundamental para a continuação das negociações de Genebra. A Arábia continua a ser um fiel aliado dos EUA, mas isso não exclui que tenha a sua agenda própria e que mantenha algumas divergências com Washington.

A luta desenvolve-se rua a rua, mas a maior parte das vítimas são causadas pelos bombardeamentos feitos pelos terroristas.

Apesar de tudo, o ministro dos Assuntos Exteriores russo, Lavrov, consciente da relevância de que toda a «oposição» (incluindo a Frente al-Nusra e o Daesh, excluídos de Genebra e considerados terroristas pelo próprio governo de Washington) confluíram nesse pacto tácito para atacar Alepo e das suas repercussões sobre as paralisadas negociações de Genebra, assegura que pode criar-se nos próximos dias um centro conjunto russo-estadounidense para avaliara situação em Alepo e assegurar a manutenção da trégua. Pela sua parte, Stefan de Mistura, o mediador da ONU, não exclui o recomeço das conversações de Genebra durante o mês de maio.

Os EUA querem impedir que o governo de Damasco avance para a fronteira com a Turquia, assestando assim um duro golpe na «oposição moderada» que continua a ser apoiada pelo governo de Obama e, perante os fracassos colhidos com a sua política externa no Médio Oriente, chegou à conclusão que deve negociar-se em Genebra o futuro da Síria, ainda que isso não exclua que os seus aliados na região (Arábia, Turquia, Israel e os seus tentáculos nos grupos terroristas) possam impor ao país a continuidade de uma guerra sanguinária que já entrou no seu sexto ano.

* Publicista e historiador espanhol

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