Duas décadas após a primeira Guerra do Golfo**
“A vitória militar dos EUA na Guerra do Golfo, acompanhada do golpe de Ieltsine que destruiu a URSS passado poucos meses, fez parecer invencível o imperialismo norte-americano. Decretou-se o fim da História, o triunfo eterno do capitalismo. (…) As duas décadas seguintes tornaram claro o significado da dupla vitória do imperialismo em 1991. Mas estas duas décadas também mostraram outras coisas. (…) Mostraram que, por muita força que o imperialismo tenha, o mundo não pára: povos e países afirmam a sua soberania, procuram alternativas, crescem e desenvolvem-se, alteram em profundidade a correlação de forças mundial.”
A primeira Guerra do Golfo foi há 20 anos. Nessa guerra, o imperialismo norte-americano mostrou ao mundo o seu novo arsenal de tecnologia da morte, com mísseis cruzeiro e Tomahawk, armas com urânio empobrecido que atravessam a blindagem de tanques, interceptores Patriot que, pretensamente, derrubavam os mísseis de Saddam Hussein. A guerra foi transformada num «asseado» espectáculo mediático pelas grandes cadeias de (des)informação do imperialismo, escondendo os seus terríveis custos humanos, escondendo que Saddam fora um aliado dos EUA, escondendo quase tudo sobre a verdadeira natureza daquela guerra.
Vinte anos depois, não é difícil perceber que a Guerra do Golfo foi um marco na história recente. Inseparável das contra-revoluções que haviam liquidado o socialismo no Leste da Europa e estavam prestes a destruir a União Soviética, a Guerra do Golfo – como muito justamente assinalou na altura o PCP – teve por missão mostrar ao mundo que uma nova correlação de forças se afirmava no planeta. Uma correlação de forças onde o imperialismo ditava as leis, estava pronto a usar a força militar, não reconhecia fronteiras, nem soberanias. O imperialismo norte-americano – já então em declínio no plano económico – procurava impor a sua hegemonia planetária pela via militar, para controlar recursos energéticos, sustentar os seus monopólios e respectivos lucros, mesmo que contra a vontade de outros concorrentes imperialistas.
A vitória militar dos EUA na Guerra do Golfo, acompanhada do golpe de Ieltsine que destruiu a URSS passado poucos meses, fez parecer invencível o imperialismo norte-americano. Decretou-se o fim da História, o triunfo eterno do capitalismo. Muitos, incluindo a própria classe dirigente dos EUA, se convenceram que assim era. As duas décadas seguintes tornaram claro o significado da dupla vitória do imperialismo em 1991.
À guerra do Golfo seguiu-se a Jugoslávia, o Afeganistão, Iraque, Líbano, Gaza. Seguiu-se a pilhagem do planeta pelo grande capital dos centros imperialistas, asseadamente designada «globalização». Seguiu-se a destruição acelerada de direitos e conquistas sociais e políticas, o reforço do autoritarismo e dos mecanismos de repressão. O capitalismo mostrou as suas garras, contidas durante décadas pelas vitórias das lutas populares no Século XX. As ilusões da propaganda imperialista tornaram-se um pesadelo bem real para a grande maioria da Humanidade.
Mas estas duas décadas também mostraram outras coisas. Mostraram que a resistência e luta dos povos – desde logo, dos que são vítimas das agressões imperialistas – não têm fim, por mais «decretado» que seja pelas classes dominantes. Mostraram que, liberto de amarras e funcionando de acordo com as suas próprias regras, o capitalismo dos nossos dias é, não apenas um voraz devorador da riqueza produzida em todo o planeta, mas um incorrigível gerador de enormes crises para as quais não encontra outra solução que não seja agravar ainda mais a exploração, a dominação e a violência, alimentando dessa forma as causas profundas da crise. Mostraram que, por muita força que o imperialismo tenha, o mundo não pára: povos e países afirmam a sua soberania, procuram alternativas, crescem e desenvolvem-se, alteram em profundidade a correlação de forças mundial.
A aparente invencibilidade do imperialismo deu lugar a uma crise profunda. A cada dia que passa se tornam mais evidentes o desnorte, as divisões, a incapacidade das classes dominantes em encontrarem resposta para a sua crise. Mas isso não significa que o pior tenha passado. Pelo contrário. A profunda crise do capitalismo agrava os perigos de que o desespero dê lugar – como no passado – à violência extrema e aventureira. A ofensiva contra os povos chegou aos centros do imperialismo. E multiplicam-se perigosos sinais de que o imperialismo prepara novas aventuras militares, no Médio Oriente, em África, no Extremo Oriente.
O caminho é a luta. A luta dos trabalhadores e povos de todo o mundo, contra o seu inimigo comum: o imperialismo. E no coração dessa luta terão de estar aqueles que não se deixaram levar pelos cantos de sereia, nem venderam contos de fadas nestes 20 anos terríveis. É esse o papel dos comunistas.
* Professor da Universidade de Lisboa e analista de política internacional.
** Título da responsabilidade de odiario.info.
Este texto foi publicado no Avante nº 1.938 de 20 de Janeiro de 2011.