Uma ilha Africana
Carlos Pereira*
A solidariedade internacionalista do povo cubano foi um exemplo único que superou toda e qualquer proporcionalidade que se queira encontrar.
Por isso, «as forças progressistas e os povos da África jamais esquecerão o contributo da Revolução Cubana para a libertação do continente e o sangue derramado pelos cubanos, muitos deles descendentes de escravos africanos levados à força, séculos antes, para o Caribe».
Evidenciando os laços históricos que unem os povos de Cuba e África, Amílcar Cabral disse um dia que a terra de Fidel «é uma ilha africana perdida no Mar do Caribe». Sentimento partilhado pelo revolucionário cubano, para quem Cuba «é um país latino-africano».
Assassinado em 1970 por agentes do colonialismo português, o líder da luta política e armada pela independência nacional da Guiné-Bissau e de Cabo Verde era um grande admirador da Revolução Cubana e dos seus dirigentes.
Em princípios de 1965, Cabral encontra-se em Conakry com Ernesto Che Guevara, quando este faz um périplo por África para contactar dirigentes de movimentos de libertação nacional e de regimes progressistas como os da Argélia, Egipto, Gana e Tanzânia. Pouco depois, Cuba despacha por via marítima alimentos, medicamentos, uniformes e armas para os combatentes do PAIGC. E envia os primeiros médicos e assessores militares para apoiar o governo de Massamba-Débat, do Congo (Brazzaville), e os guerrilheiros da Frelimo, em Moçambique, e do Congo (Leopoldville). Mais tarde, em meados de 1966, desembarcam nas áreas libertadas da Guiné-Bissau equipas de médicos e de assessores militares cubanos.
Este apoio internacionalista de Cuba ao movimento independentista africano estender-se-á mais tarde a outros países. Em Dezembro de 1975, quando Agostinho Neto proclama a República Popular de Angola, já invadida pelas hordas sul-africanas e por mercenários a soldo do imperialismo, há combatentes cubanos a ajudar os angolanos na defesa de Luanda.
Em Angola, até meados dos anos 80, militares cubanos – a par de médicos, professores e outros técnicos a trabalhar na construção do novo Estado – ajudarão o governo do MPLA a combater, travar e vencer o exército da África do Sul doapartheid e seus títeres. Vitórias decisivas para a conquista da paz em Angola, para a independência da Namíbia, para o fim dos regimes racistas rodesiano e sul-africano, para a mudança profunda do mapa político da África Austral.
As forças progressistas e os povos da África jamais esquecerão o contributo da Revolução Cubana para a libertação do continente e o sangue derramado pelos cubanos, muitos deles descendentes de escravos africanos levados à força, séculos antes, para o Caribe.
Respeito irrestrito pela soberania nacional
As estatísticas da cooperação Cuba-África, hoje, são impressionantes. Num artigo recente, no Granma, jornal do Partido Comunista de Cuba, a jornalista Laura Prada fornece números sobre essa «ponte entre povos irmãos».
O primeiro passo foi dado em Maio de 1963, quando chegou à Argélia acabada de conquistar a independência a primeira equipa médica cubana, com 55 elementos. Um dos exemplos mais recentes deste espírito solidário, na área da saúde, elogiado pelas Nações Unidas, pela União Africana e pela Organização Mundial da Saúde, foi o envio de uma brigada de 256 profissionais de saúde para a Guiné-Conakry, a Libéria e a Serra Leoa, para ajudar a controlar a emergência sanitária provocada pelo vírus do ébola.
Desde o triunfo da Revolução Cubana até 2015, mais de um milhão de cubanos trabalharam em 160 países e cerca de 30 mil ofereceram os seus serviços nas áreas da saúde, educação, desporto, ciência e construção civil em diferentes regiões do Norte da África e da África subsaariana.
Trabalham em África, actualmente, segundo o Granma, cinco mil cubanos, ainda assim apenas 10 por cento dos cooperantes de Cuba em todo o mundo. Por sectores, 2442 são da saúde, 247 da educação, 82 do sector técnico, 72 da construção civil. Os países africanos com maior número de cooperantes cubanos, em finais do primeiro trimestre deste ano, eram Angola (2742), Argélia (905), Guiné Equatorial (507). Moçambique (389), África do Sul (329), Gâmbia (114), Namíbia (113) e, com menos de uma centena, Botswana, Gabão, Congo, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Burkina Faso, Zimbabué, República Árabe Saharaui Democrática, Eritreia, Etiópia, Tanzânia.
Esta cooperação baseia-se em quatro princípios, que ajudam a compreender a admiração dos povos africanos pelo internacionalismo da Revolução Cubana. Um primeiro, o do benefício comum e o da solidariedade; um segundo, o da contribuição para o desenvolvimento dos países receptores de ajuda de emergência ou em caso de desastre; um terceiro, o da mostra da solidariedade entre os povos, sem condições; e, um quarto princípio, o do respeito sem restrições pela soberania, leis nacionais, cultura, religião e autodeterminação dos povos.
* Jornalista
Este texto foi publicado no Avante nº 2.223 em 7 de Julho de 2016.
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