FIDEL, MANDELA E O FIM DO APARTHEID

imagemBeto Almeida*

Há inúmeros feitos históricos em que Fidel Castro teve presença direta e decisiva, como dirigente revolucionário. Agora, prestes a chegar a seus 90 anos, conscientemente dedicados ao progresso da civilização, é necessária, além de uma homenagem, uma aprendizagem sobre tantas lições de uma vida inteira ligada à revolução mundial. Neste pequeno artigo, busca-se refletir sobre um gigantesco fato histórico: a participação de Cuba na derrota das tropas do regime do apartheid  em Angola, na Namíbia e na África do Sul. A sua importância é tão colossal que, por isso mesmo, recebeu da parte da grande mídia um monumental e desprezível silêncio. O que é compreensível, embora indignante. Incompreensível é o fato de não ter recebido de parcelas consideráveis da esquerda a atenção que merece.

Apesar das importantes inciativas de artistas como Chico Buarque, Martinho da Vila, Beth Carvalho, Taiguara e outros, com suas embaixadas culturais de solidariedade para Angola, é justo reivindicar  da  esquerda brasileira uma reflexão. Apesar do Brasil ser país membro da CPLP, e de nossas arraigadas relações com países como Angola, ainda é necessário informar amplamente sobre a decisiva solidariedade cubana na África, e, também, refletir sobre a lacuna deixada pela falta de uma ação concreta em defesa da libertação em Angola, na Namíbia, e, portanto, em defesa política da extraordinária ação libertadora de Cuba naquele continente.

É bem verdade que a política externa brasileira, ainda nos governos militares, já vinha revelando uma mudança de posição que favorecia a luta contra o colonialismo, conflitando com interesses norte-americanos na região. Pouco divulgado, mas extraordinariamente importante, é o episódio em que Henry Kissinger, então Secretário de Estado dos EUA,  reclama do então Presidente Ernesto Geisel quanto à posição brasileira, favorável à independência de Angola e ao MPLA.  Segundo Kissinger  “o Brasil estaria fazendo o jogo dos cubanos na África”, obtendo como resposta, ao estilo Geisel, “que a política externa brasileira não estava em discussão”

Vitoriosa a Libertação de Angola, em 11 de novembro de 1975, sob o comando do médico e poeta Agostinho Neto,  a nação africana passou a ser alvo de criminosas agressões por parte de movimentos sustentados pelo imperialismo, seja dos Eua, seja do regime do apartheid da África do Sul, onde Mandela encontrava-se preso  e era crescente a luta do Congresso Nacional Africano. Ameaçada a soberania de Angola, Agostinho Neto pede diretamente a Fidel Castro apoio militar para  defender sua pátria. A resposta de Fidel é imediata! Organiza-se em Cuba a Operação Carlota, que transfere para território angolano tropas e armamentos cubanos, para enfrentamento direto contra a Unita, de Jonas Savimbi, e a FNLA, de Holden Roberto, ambos financiados e armados pelo imperialismo, e com as próprias tropas da África do Sul.

Uma gigantesca ponte aérea ligou a Ilha do Caribe a Angola, numa operação comandada em detalhes por Fidel Castro, registrando-se que era o sentido inverso das caravelas que traziam, séculos atrás, escravos e opressão da África para as Américas, inclusive para Cuba. Agora, a expedição feita por aviões, carregada de libertação e dignidade, chegou a levar para solo africano, durante todo o período em que durou a guerra de Angola, aproximadamente 400 mil cubanos, homens e mulheres, que se apresentavam como voluntários para a missão! Uma solidariedade de fato, verdadeira, em que Cuba compartilhava seus modestos recursos com outros povos em luta. Mas, segundo  Fidel, “temos uma dívida para com a África e temos que pagá-la!”. A solidariedade da Revolução Cubana com a África havia começado muito  antes, quando  foram organizadas as primeiras brigadas médicas de apoio à Revolução na Argélia, com a participação direta de Che, que chegou a estabelecer planos de luta com combatentes do MPLA. Hoje, há médicos cubanos em mais de 70 países!

Aquela  dívida  mencionada por Fidel foi paga. De Angola os combatentes cubanos trouxeram apenas sua honra e seus mortos, sequer uma pedrinha de diamante foi de lá retirada. A derrota das tropas da África do Sul na Batalha de Cuito Cuanavale foi decisiva, mudando a geopolítica da África, em combates dirigidos diretamente por Fidel Castro, a partir de Cuba,  que levaram também à libertação da Namíbia e, consequentemente,  deram o golpe mortal para o início do fim do regime racista sul-africano. Ao deixar o cárcere, depois de 27 anos de prisão, Nelson Mandela, foi a Cuba agradecer a solidariedade libertadora da Ilha. “Devemos o fim do apartheid a Cuba!”, disse Mandela. Essa página nobre e inapagável que Cuba escreveu na história da humanidade, e que tem a assinatura de Fidel, merece ser para sempre relembrada para educar as novas gerações de revolucionários em todo o mundo, em particular no Brasil,  que tem profundos laços históricos e culturais com Angola.

Nós, os  brasileiros,  também temos que pagar nossas dívidas, a começar por informar de modo veraz sobre esta epopeia cubana em solo africano, com desdobramentos mundiais, como reconheceu Mandela. O que obriga a uma reflexão por parte do movimento negro brasileiro, onde registram-se, em certas alas,  concepções muito vinculadas às políticas financiadas por fundações norte-americanas, cujo governo apoiou sempre o regime do apartheid e agrediu, sistematicamente a Revolução Cubana.  Enquanto Cuba enviou 400 mil combatentes, voluntários,  para defender a Libertação de Angola, o movimento negro brasileiro não enviou sequer uma aspirina para garantir a independência angolana!

Agora, décadas depois, quando  o Brasil já possui lei determinando o estudo da História e Cultura da África em nossas escolas, e, também, já  criou a UNILAB  – Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, montada no Governo Lula como parte do pagamento de nossa dívida histórica para com a Mãe África, é o momento também de passar às novas gerações o papel decisivo da Revolução Cubana, e seu dirigente Fidel Castro, na destruição do Apartheid –  único país que levantou-se em armas contra esta excrecência histórica  –  oferecendo à humanidade um dos mais elevados, nobres e concretos gestos em favor dos direitos humanos, uma bandeira que muitas vezes foi usada, indevida e criminosamente, contra Cuba

*Beto Almeida

Membro do Diretório da Telesur

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