UNASUR, ALBA E OS POVOS

UNASUR é um campo de batalha. É o terreno escolhido por nós para confrontar, em melhorescondições, em condições de unidade e de frente para os povos, contra os inimigos externos einternos. A favorável correlação de forças alcançada nos últimos anos, o tecido de complexasalianças e a habilidade dos condutores para implementar a estratégia, logrou atrair o inimigopara um cenário desvantajoso para seus interesses. Sobre isto estão conscientes, tanto oimperialismo quanto as oligarquias nativas, e por isto eles trabalham para sair de sua atualposição adversa, ou seja, provocar o fracasso da UNASUR.

UNASUR é um espaço ganho na luta contra o imperialismo para agrupar forças e formar umbloco de poder sulamericano autônomo.O tema da independência e da unidade de nossaAmérica, como requisito básico para alcançar a libertação nacional, é o que está em jogo. E épor isso que o governo norteamericano e seus sócios locais procuram anular a UNASUR.“ Não esqueçamos nunca, que o inimigo principal da revolução é o imperialismo ianque” disse,em muitas oportunidades, o comandante Hugo Chavez; e esta verdade tem que estar no focode nossa análise. A UNASUR é um obstáculo para as pretensões imperialistas, ainda maisquando vários de seus principais protagonistas são os mesmos governos que enterraram aAlca, na memorável cúpula de Mar Del Plata.

Sem a unidade dos povos latinoamericanos e caribenhos, derrotar o imperialismo é umaquimera. E essa unidade deverá ser construída em uma luta tenaz e constante contra esseinimigo principal e suas forças aliadas. A tarefa histórica de construir uma verdadeiraConfederação das Repúblicas Latinoamericanas e Caribenhas continua vigente, hoje mais doque nunca. E nessa direção a criação da UNASUR é um passo importante.

Correlação de forças na UNASUR

Os governos da Colômbia e do Peru são os principais portavozes dos interesses imperialistas eoligárquicos na região, sobre isto não cabe a menor dúvida. Os governos da Venezuela,Equador e Bolívia são os que representam com decisão as posições patrióticas,revolucionárias e antiimperialistas. Entre estes dois pólos estão localizados os demais países.As poderosas burguesias do Brasil, da Argentina e do Chile ficam pendulando, segundo seusinteresses particulares. Paraguai, Suriname e Uruguai se debatem, tomando posiçõesdiferentes em cada momento, segundo a correlação de forças do momento.Uma vez mais, o tema da questão nacional latinoamericana-caribenha está no centro dodebate, assim como a identificação de classe e os interesses que cada um dos governosrepresenta em particular.

Podemos afirmar que os governos revolucionários representam os diferentes interesses deuma aliança popular, formada pelo somatório das classes e setores sociais prejudicados pelaspolíticas neoliberais de submissão à exploração imperialista. Para ali confluem oper´rios,camponeses, pequenos produtores do campo e da cidade, desempregados, pequenaburguesia vinculada ao mercado interno, um setor das classes médias profissionais nãocolonizadas mentalmente (inclui os militares), classe média em geral, empregados comuns,trabalhadores por conta própria, etc. Os presidentes Chavez, Correa e Morales mantiveraminquebrantavelmente o discurso antiimperialista e latinoamericano, em coerência absoluta comos interesses das classes e setores sociais que eles representam.Por outro lado, no pólo oposto, os governos da Colômbia e do Peru têm sido fiéis portavozesdas políticas imperialistas e das oligarquias nativas. As multinacionais, as burguesiastransnacionais com seus gerentes e executivos, os grandes donos de terra, uma fatiasignificativa de técnicos e profissionais colonizados (inclui os militares), a alta hierarquia daigreja, um setor da burguesia nacional e as classes médias acomodadas, são representadascabalmente pelos discursos de Alan Garcia e Álvaro Uribe.

Até aqui a questão está clara, pudemos assistir “ao vivo e a cores”, na cúpula de Bariloche.Mas, a que interesses respondem os governos de Lula da Silva, Cristina Fernandez deKirshner e Michelle Bachelet? Esta é a questão chave para entender as posições ambivalentesou “moderadas” dos governos do Brasil, da Argentina e do Chile.

Durante a década de cinqüenta, os governos da Argentina, do Brasil e do Chile, presididosrespectivamente pelo general Juan Domingo Perón, Getúlio Vargas e o general Carlos Ibañez,planejaram a construção de um acordo de integração chamado ABC. O projeto era claro,analisando sob a perspectiva de cada um desses governos: ampliar os mercados para umcapitalismo nacional em pleno crescimento e fortalecer uma incipiente burguesia local queaproveitava o período de substituição das importações, sob a tutela de governos nacionalistascom amplo respaldo popular.

Mas este velho projeto de avançar para um capitalismo autônomo, sob a liderança de umacondução que assumia as tarefas históricas da burguesia nacional – ainda invertebrada –utilizando o estado como locomotiva de desenvolvimento, fracassou diante da pressão daaliança oligárquica-imperialista e da mesma claudicante burguesia autóctone. O “Estado Novo”e a “Argentina Potência”, ao não transcenderem os limites históricos do projeto nacionalburguês, foram abaixo diante da ofensiva das classes tradicionais e do imperialismo. O modeloendógeno burguês da periferia, não podia seguir os mesmos passos que o das burguesiasmetropolitanas em seu ascenso ao poder.A política do desenvolvimento desigual e combinadoimposta ao mundo pelo imperialismo, não deixava espaço para a libertação dos paísescoloniais e semicoloniais pela via do capitalismo autônomo. O ciclo das revoluções burguesastinha sido concluído e os movimentos nacionalistas no terceiro mundo, se não transcendessemos limites do democratismo burguês, sucumbiam infalivelmente.

Depois das infames décadas de neoliberalismo, em toda nossa América foi incrementada apresença do capital estrangeiro, mas também, um setor das burguesias locais, aliadas àsditaduras militares que vigoraram na região, logrou escalar posições em detrimento dasempresas estatais. As privatizações não beneficiaram somente o capital imperialista, mastambém a uma parcela de capitalistas nacionais que se apoderou do patrimônio de importantesempresas públicas. E assim chegamos ao século XXI com a existência de burguesias locais jáassociadas ao capital estrangeiro, majoritariamente exportadoras, com certo nível decompetitividade, mas dependentes das vantagens que lhes possa outorgar o Estado, na horade fazer negócios. Daí o caráter contraditório deste empresariado, já que se apresenta comonacional, para que o Estado facilite sua expansão econômica, e antinacional posto que nãoestá interessado no bem estar da população nem tampouco em defender a soberania emoutros níveis que não sejam aqueles que facilitam a expansão de seus capitais.

A ala nacionalista das forças políticas dos países em questão, por falta de idéias, por falta deconfiança no povo, por se negar a enfrentar o imperialismo e as oligarquias ou, simplesmente,por um covarde pragmatismo, preferiu optar pelos interesses de suas respectivas burguesias –historicamente capituladoras – do que comprometer-se consequentemente com os interessesda nação. Uma espécie d e teoria da “derrubada da taça de champagne”, mas endógena, temcaracterizado suas políticas. “Se nosso empresariado cresce e se desenvolve, o resto dasclasses do país será beneficiado”, observam os nacionalistas socialdemocratas. Nesta posiçãoestão tanto o Kirshnerismo da Argentina, a Concertação do Chile e o PT do Brasil.

O Frio de Bariloche

Esta caracterização se viu refletida claramente na última cúpula da UNASUR. Havia umacoincidência entre os pólos que se enfrentavam: que os debates fossem televisionados ao vivo.Tanto os representantes da direita proimperialista quanto os da esquerda patriótica, claros edefinidos em suas posições, não manifestaram inconvenientes em relação à transmissão aovivo do evento. Porém, o principal representante dos interesses da burguesia “nacional”, opresidente Lula da Silva, remarcou seu descontentamento e a inconveniência de que adiscussão fosse travada a portas abertas, argumentando inclusive com os benefícios dedebater sem a incomoda presença das câmeras de TV.

Esta atitude do presidente Lula é um testemunho da forma que o empresariadolatinoamericano prefere utilizar para discutir: de costas para o povo, priorizando seus negóciose não os interesses das maiorias. O incomodo do primeiro mandatário brasileiro é umaexpressão de sua posição ambivalente: defender os interesses da região sem ter que enfrentaro agressor imperialista, garantir a “ordem” e o “progresso” para facilitar o campo de negóciosdo empresariado, colocar limites à voracidade imperialista, mas sempre no marco do diálogoinstitucional e das regras do jogo que impõe a diplomacia capitalista internacional.No entanto, é importante entender que, a nível governamental, os principais aliados dos paísescom governos revolucionários são precisamente o Brasil e a Argentina, como também oUruguai e o Paraguai. Nada pior para nossos povos do que deixar de lutar para ganhar estespaíses, para posições antiimperialistas cada vez mais decididas, como também saber manejaresta aliança entendendo os limites que a natureza de classe impõe a cada ator.Uribe ganhou em Bariloche? O bloco revolucionário ganhou? O setor moderado ganhou?Achamos que foi uma disputa na qual não houve vencedores nem perdedores, mas simmanobras e tentativas preparatórias para outros cenários.

A contraofensiva imperialista

A contraofensiva imperialista tem golpeado nos últimos meses com contundência. O golpe deestado em Honduras e a instalação das bases militares gringas na Colômbia são parte daestratégia arquitetada pelo Pentágono para debilitar a Aliança Bolivariana para os Povos deNossa América. O imperialismo passou recibo do poder de fogo da ALBA na cúpula deTrinidad.

Lá, na ilha caribenha aliada dos Estados Unidos e diante da presença do presidente BarakObama, os governantes da ALBA impuseram sua agenda. O tema da ausência de Cubalevantado por Chavez, Evo, Ortega, Zelaya e Correa, antes da reunião da ALBA eacompanhados pela maioria dos países, botou contra a parede os representantes doimperialismo como poucas vezes se viu em eventos internacionais como este. Em San PedroSula o governo norteamericano teve que dar outro passo atrás. A própria OEA teve que sesentar no banco dos réus e seus dias de sobrevivência parecem contados. A OELAC (Organização de Estados Latinoamericanos e Caribenhos) surgia como uma possibilidade realpara ultrapassar o Grupo do Rio, com Cuba como membro ativo e criando umespaço “nuestramericano”, sem a presença perturbadora dos Estados Unidos e do Canadá.Mas o golpe de estado em Honduras reativou a OEA (este era um dos principais objetivos doimperialismo) e a instalação das bases militares norteamericanas na Colômbia se antecipou àformação e ao funcionamento do Conselho de Defesa Sulamericano da UNASUR.A ALBA teria que ter realizado sua reunião antes do evento da UNASUR, para manter umaposição unitária entre seus membros, não somente em relação ao repúdio à ingerêncianorteamericana, mas também na formulação de propostas diante do fato consumado dainstalação das bases militares, apresentada pela Colômbia.

O Grupo do Rio era o espaço para discutir o tema das bases militares ianques, já que aameaça não seria somente para os países sulamericanos, mas alcançava toda região. Aprovocação não era direcionada somente para a Venezuela e o Equador, mas também para aNicarágua e Cuba (não se pode esquecer que a Nicarágua tem uma disputa de fronteiras coma Colômbia). Por sua vez, no Grupo do Rio teria sido possível desenvolver com maior precisãoa relação direta existente entre o golpe de Honduras e a instalação das bases militaresnorteamericanas na Colômbia. Também se poderia dar continuidade à reunião realizada emSanto Domingo, sobre o bombardeio colombiano em território equatoriano.

Esta falta de reflexos fez crescer o presidente Uribe que realizou uma rodada de visitas avários países para chegar em Bariloche com uma visão prévia da situação. Não foi pro acasoque o peão do império tenha aceitado as inspeções das bases militares, mas com a presençada OEA.

Como desequilibrar a favor dos povos?

No avanço em direção da unidade “nuestramericana” , as forças revolucionárias contam comuma ferramenta de grande potencialidade: a ALBA. Mas esta ferramenta deve ser utilizada coma maior precisão.

Dizia León Trotsky que não bastava ter uma boa espada para combater, era necessário que aespada estivesse bem afiada. E que tampouco era suficiente que a espada estivesse bemafiada, mas também era necessário saber usá-la.

A ALBA é a arma principal com que contam os governos revolucionários para avançar na lutapela unidade de Nossa América, sendo esta uma verdadeira preocupação para os interessesimperialistas. Mas esta ferramenta, como a espada de Trotsky, deve estar bem afiada e empoder de mãos hábeis.

Um motor está funcionando plenamente na Aliança, o motor dos governos revolucionários. Masfalta, com urgência, ligar o outro motor que dará à ALBA uma potência superlativa: o motor dopovo.

A constituição do Conselho de Movimentos Sociais da ALBA é um passo fundamental que aAliança tem que dar imediatamente. Este conselho terá forças para desequilibrar o espaçoregional e ele será o apoio que os presidentes revolucionários necessitam.Pela primeira vez na história de Nossa América se conseguiu formar um espaço de unidade,uma verdadeira aliança entre países que avançam na direção do socialismo. Socialismomartiano, bolivariano, alfarista, tupacatarista, sandinista… socialismo latinoamericanocaribenho.Somente pela via do socialismo, com os povos como principais protagonistas,alcançaremos a unidade e a independência da América Latina e do Caribe. As burgueias“nacionais” ou seus representantes de plantão, já demonstraram que não são capazes de levaraté as últimas conseqüências a luta antiimperialista. Portanto, somente uma saídaanticapitalista, popular e democrática poderá terminar a obra inconclusa dos libertadores.E aíestá o perigo que representa a ALBA para o governo norteamericano eseus sócios locais. Nãoé a UNASUR, nem o Grupo do Rio, nem o Mercosul que tiram o sono do império. É a ALBA.Porque esses espaços se fortalecem e se transformam em instâncias de conflito, desde que aALBA esteja presente através de alguns países que a integram. De outro modo, caso a ALBAnão existisse, esses espaços não significariam mais do que cúpulas estéreis.Uma característica essencial da ALBA é seu espírito construtivo, solidário e irredutível e isto acoloca necessariamente na ofensiva. Diante das agressões contra-revolucionárias,imediatamente deve surgir a resposta adequada.

E uma resposta adequada diante da atual agressão ianque sugere que seja ligado o segundomotor. É necessário retomar a ofensiva impregnando a ALBA de povo. Abrindo a ALBA para asorganizações sociais e para as políticas revolucionárias de toda nossa América e convidandoos governos locais ajuntar-se à proposta unionista. O movimento popular dos países da ALBAdeverá urgentemente constituir o Conselho de Movimentos Sociais, incorporar-se às MesasTécnicas, assim como realizar uma campanha massiva de propaganda sobre a ALBA e aunidade latinoamericana-caribenha.

Como dizia Mariátegui: “Os brindes pacatos da diplomacia não vão unir estes povos. A uniãovirá no futuro, através dos votos históricos das multidões”.

* Fernando Ramón Bossi é o Secretário do Congresso Bolivariano dos Povos