Ocupar, resistir e aprender:

imagemO acúmulo que tiramos da experiência das ocupações para as lutas futuras da juventude em todo o Brasil[1]

Em meio à crise econômica e política que se instaurou no Brasil, assistimos o fim trágico do ciclo político dirigido pelo Partido dos Trabalhadores e os limites da estratégia de conciliação de classes, levada a cabo pelos governos dos últimos anos. Como marca da derrota histórica sofrida pelos trabalhadores, presenciamos um golpe encabeçado pela burguesia, representada pelos partidos de direita, setores da mídia oligopolizados e por setores do judiciário, que levou ao poder, de maneira ilegítima, Michel Temer e seus cúmplices, instalando, a partir de então, um governo que visa aprofundar e acelerar a retirada de direitos dos trabalhadores, além de reduzir de forma drástica as conquistas democráticas.

Foi nesse cenário adverso de contrarreformas neoliberais, de apassivamento das lutas e organização da classe trabalhadora, que explodiu de forma espontânea, em todo o Brasil, uma onda de ocupações contra a famigerada proposta de reforma do ensino médio, conhecida como MP 746, e também contra o então Projeto de Emenda Constitucional 241, que visava congelar os gastos do governo federal com saúde e educação por 20 anos – tragicamente aprovado no fim do ano passado.

Num primeiro momento, as ocupações foram protagonizadas pelos estudantes secundaristas, tendo na ação de vanguarda dos estudantes do Paraná o exemplo que foi seguido Brasil afora. A partir de então, várias escolas, institutos federais e universidades foram ocupadas, em um processo no qual os educandos se tornaram educadores: deram o exemplo de mobilização nacionalizada que há muitos anos faltava às lutas. As ocupações logo tomaram as páginas dos grandes jornais e os noticiários, que, numa ofensiva cínica, passaram a criminalizar o movimento, inclusive insuflando grupos de extrema direita a se manifestar contra as ocupações. Essa foi a saída do governo federal e dos setores da educação privada – principais interessados no sucateamento do ensino público – para convencer a população de que a existência da educação pública, gratuita e de qualidade não é desejável.

O que podemos afirmar é que as ocupações demonstraram ser uma importante tática de resistência e, de alguma forma, serviram como uma espécie de ensaio geral para as lutas da juventude no próximo período. No entanto, os seus limites ficaram nítidos e foi possível identificar certas tendências que já se expressavam nas jornadas de junho de 2013.

É muito fácil perceber o engessamento da política institucional e a falta de representatividade dos anseios populares, da juventude e da classe trabalhadora nos espaços de poder. Na tentativa de se contrapor a essas formas de hierarquia, as ocupações buscaram táticas de cunho assembleista e basista, acreditando que essas poderiam alcançar um “horizontalismo”, na compreensão de que isso daria força à democracia do movimento. Porém, o que se demonstrou foi justamente o contrário: o movimento tendeu para uma forma individualista de luta e de análise, transformando os espaços deliberativos em espaços burocráticos e pouco encaminhativos, com baixa capacidade de decisão. Esse mesmo sentimento de negação da política institucional acabou produzindo, nas ocupações, uma postura antipartidária e uma rejeição a movimentos sociais e coletivos organizados, sem perceber que assim eram deixadas de lado as ferramentas que historicamente trouxeram importantes vitórias para a juventude e para os trabalhadores.

Qualquer tentativa de planejamento e articulação com forças políticas fora das ocupações logo era vista como uma medida autoritária e aparelhista. Isso acarretou o isolamento de algumas ocupações, que inclusive tiveram muita dificuldade de se expandirem dentro das próprias universidades e escolas. Essa concepção e prática trouxeram problemas para definir estratégias com clareza, o que levou à ausência de um diálogo mais efetivo com aqueles que estão para além dos muros das escolas e universidades e que também serão afetados pelas contrarreformas do governo golpista. Dessa maneira, a nossa luta não se massificou da forma necessária. Essas dificuldades, inclusive, há muito tempo estão presentes no Movimento Estudantil, sobretudo no universitário.

Ao analisar esses acontecimentos, saltam aos olhos as características comuns aos sujeitos que protagonizaram o movimento de resistência das ocupações e nos cabe pensar sobre como estas podem influenciar as nossas formas de luta: somos jovens, reflexos de um período histórico e de uma sociedade que nos diz que tanto lutas e conquistas, como opressões e explorações, são aspectos pessoais das nossas vidas, se sustentando apenas no âmbito do indivíduo.

Nesse contexto, nos encontramos em uma encruzilhada: na luta por um objetivo comum, coletivo, como a defesa da educação pública, poderíamos ser plenamente exitosos utilizando uma compreensão política que caminha em um viés oposto? Encontramos os limites dela quando tentamos suprir anseios coletivos sob um olhar apenas individual.

Ao esquecermos a história de lutas da classe trabalhadora e o acúmulo teórico que nasceu delas, caímos na chamada ideologia pós-moderna, que produz fragmentações até mesmo no seio da esquerda. Nos espaços das ocupações, os debates fundamentais dos movimentos negro, feminista e LGBT, por vezes, foram conduzidos nessa mesma lógica, individual, o que dividia setores que são igualmente oprimidos e que, na realidade, encontram na luta coletiva a única saída para superar a violência que os atinge.

Ficou claro, apesar das dificuldades, que as ocupações foram uma tática importantíssima e que elas acenderam a chama da luta. Porém, se os nossos inimigos agem de forma estratégica e planejada, devemos superá-los: cabe, portanto, sermos ainda mais conscientes e organizados em nossas ações, tendo sempre em mente que nossos objetivos só serão conquistados a partir da expansão do debate para o conjunto dos jovens e dos trabalhadores, já que a força necessária para obter vitórias reais só é possível por via da coletividade. As disputas que iremos travar daqui em diante exigem um balanço aprofundado das táticas que estamos adotando, pois só assim poderemos aprimorar nossos métodos e avançar.

Foto: Izabelle Pereira

1. Escrito por: Ayrton Otoni , Lígia Fernandes e Warley Nunes, membros da Coordenação Nacional da UJC.

Ocupar, resistir e aprender: o acúmulo que tiramos da experiência das ocupações para as lutas futuras da juventude em todo o Brasil¹

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