Apesar do bla-bla-bla da OTAN o objetivo é privatizar o petróleo líbio e acabar com Gheddafi
Até 12 horas de dia 29 – data em que iniciará, em Londres, a Conferência Internacional sobre a Líbia -, os aviões, navios e submarinos de França, Grã Bretanha, EUA, Canadá e Itália continuarão a martelar com bombas e foguetes todas as posições do exército libio fiel a Gheddafi. A intensificação dos bombardeios acontece porque esta é uma guerra contra o tempo que visa impedir que na conferência de Londres ou na próxima reunião do Conselho de Segurança da ONU, seja votado o cessar-fogo ou o inicio de negociações. Por isso é com os bombardeios que a OTAN pretende legitimar os rebeldes e fazer com que eles “libertem” as cidades da Cirenaica e controlem as refinarias e os poços petrolíferos fechados há quase uma semana
Achille Lollo (Roma) — Oficialmente o general canadense Charles Brouchard, agora, está no comando das operações militares da OTAN realizadas contra todas as posições do exército líbio com o lema “Unified Protector” (Proteção Unificada). A mudança é importante para os diferentes interesses políticos e econômicos que dividem os países da União Européia, do momento que a direção política da guerra assumida, unilateralmente, pela França e a Grã Bretanha tinha provocado a defecção da Alemanha e da Noruega, enquanto a Itália havia denunciado que Sarkozy apoiava os rebeldes unicamente para obter facilitações para as empresas petrolíferas francesas.
Por isso o presidente francês, Nicolas Sarkozy e o primeiro-ministro britânico, David Cameron, no dia 27, logo após o secretário geral da OTAN, Anders Fogh Rasmussen, ter confiado o comando militar da campanha “United Protector” ao general Brouchard, assinaram uma breve nota em que se dizia textualmente “…Gheddafi tem que ir embora imediatamente e a transição política na Líbia será feita somente pelo Comitê Nacional de Transição”.
Neste contexto temos um cenário político europeu e outro estratégico na Líbia extremamente complexos, visto que são os interesses das diferentes nações da OTAN que estão determinando a evolução dos acontecimentos bélicos na Líbia. Por isso, a França e a Grã Bretanha pretendem manter o “comando político” das operações militares da OTAN e, assim evitar o esvaziamento da guerra.
A prudência dos EUA
Apesar de ter operado um bloqueio naval com três submarinos (Florida,Providence, e Scarnton) e três modernos navios de guerra (Mount Whitney, Stout e Barry), de onde são lançados diariamente centenas de foguetes cruzeiros “Tomawak” e, apesar de ter posto à disposição do ataque à Líbia todos os aparelhos de caça e de interceptação localizados nas bases italianas de Sigonella, Aviano, Trapani e Pantelleria, no coletivo do governo Obama existem duas linhas. A belicista da “democrata” Hillary Clinton (Secretária de Estado do governo Obama) e a prudência do Secretário de Defesa, Robert Gates.
A senhora Clinton, quer fazer o mesmo que seu marido fez com a Iugoslávia em 1999, isto é: destruir a federação iugoslava liderada por Milosevic explorando a causa humanitária dos rebeldes do Kossovo, criados artificialmente pelos serviços secretos britânicos. Uma operação que, em termos políticos, abre a Hillary Clinton o caminho para a casa Branca.
De fato, acabar com Gheddafi e, sobretudo, voltar a privatizar o petróleo e gás líbio em favor das multinacionais estadunidenses, significa crescer na mídia e ganhar favores e apoios do mundo empresarial estadunidense e europeu, tradicionalmente ligados aos republicanos.
Por outro lado, se a “guerra humanitária” conseguirá a “acidental morte de Gheddafi” e da maior parte de seus familiares e diretos colaboradores, certamente, Hillary Clinton será coroada como a “heroína da democracia”, visto que conseguiu fazer o que nem Reagan e Bush conseguiram.
Robert Gates é mais realista, do momento que Ali Tahouni (60) é o único “homem fiel” que os EUA possuem no novo Comitê Executivo Nacional (CEN) e que chegou a Bengase somente nos últimos quinze dias para ser nomeado Ministro das Finanças, de forma que não tem nenhuma influência ou poder de manobra sobre as forças rebeldes. De fato, todo mundo sabe que a maioria dos dirigentes do CEN são ex-militares ou ministros do regime de Gheddafi de origens cirenaica, monitorados por “assessores” dos serviços secretos francês e britânico. Não é causal que nos primeiros dias da revolta a bandeira francesa foi estendida ao lado da antiga bandeira da monarquia líbia e que o presidente francês, Sarkozy, foi o primeiro e o único que reconheceu o Comitê Executivo Nacional como o novo governo legitimo da Líbia.
Mas o que torna prudente e até relutante Robert Gates é que os EUA não podem abrir outra frente no Oriente Médio, onde tem duas guerra sangrentas em curso (Iraque e Afeganistão), dois “protetorados” perigosamente ameaçados por revoluções populares (Baheiren e Yemen), e outros “países amigos” em dificuldades (Marrocos, Argélia, Jordânia e Oman).
De fato, Robert Gates declarou como muita ênfase ”…Até hoje tudo correu bem, os bombardeios provocaram danos enormes ao exército de Gheddafi que já não pode contar com sua aviação, as defesas antiaérea e as colunas de tanques. Porém isso tudo vai provocar o entrincheiramento das forças leais a Gheddafi, de forma que o cambio de regime será cada vez mais complicado…”
Robert Gates não é tão otimista quanto Hillary Clinton antes de tudo porque não foi possível ter na Líbia uma solução egípcia, onde o exército garantiu o controle pacífico das manifestações em todo o país e, depois, assumiu o comando político da transição. Isso significa que há o grande risco que a OTAN seja obrigada a intervir por terra para consolidar o poder dos homens do CEN e garantir a transição institucional.
Um contexto complicado em função da ausência de lideranças populares e pelos conflitos internos originados à causa das divisões étnicas. Além disso é necessário ter em conta que Gheddafi, ainda não foi derrotado ou morto e que, apesar de tudo, detém uma base popular importante em toda a Tripolitania e até na própria Bengase. O medo de Gates é que na Líbia pode explodir uma sangrenta guerra civil transformando o país em uma segunda Somália.
Os mistérios do CEN
Nenhum país árabe, inclusive os mais conservadores como a Arábia Saudita, o Qatar e Emirados Unidos reconheceram Comitê Executivo Nacional e isto aconteceu não por apoiar o regime de Gheddafi, mas porque há profundos suspeitas de que as bases dos rebeldes estão infiltradas por homens de Al-Quaida, além de fortalecer enormemente no mundo árabe a imagem da Irmandade Islâmica.
De fato, a rebelião conseguiu se manter viva e promover um assalto desordenado ao regime porque os homens da Irmandade conseguiram criar um elo de ligação entre os antigos opositores internos ao governo de Gheddafi (ex-ministros da Justiça, Internos e vários coronéis), os empresários do ramo petrolífero expropriados com a nacionalização, os novos liberais (advogados, professores, pequenos empresários), os velhos exilados liderados pelo velho general Haftar e os novos que como Ali Tahouni foram estudar no exterior e não voltaram mais e, por último, os mais importantes chefes das 12 tribos da Cirenaica que, na realidade, são os verdadeiros donos das massas de jovens que alimentaram a revolta popular em Bengase.
Uma difícil aliança que corre o risco de se romper quando será feita a nova divisão dos poderes, do momento que, não havendo pobreza, fome e analfabetismo na Líbia, por baixo do pano das reivindicações por mais democracia, há uma luta interna para impor uma indefinida gama de reivindicações econômicas setoriais. Por exemplo: os empresário e os novos liberais querem ser os representantes das empresas estrangeiras no processo de privatização do pacote acionário da estatal petrolífera NOC. Por sua parte, os chefes tribais querem que esse pacote passe a ser administrado unicamente pelos seus homens, muitos dos quais querem que o poder do petróleo permita a criação da República da Cirenaica, onde estão localizados 72% dos poços petrolíferos da Líbia.
Os militares e ex-ministros de Gheddafi que receberam o apoio da França e a Grã Bretanha garantiram que 75% dos contratos que o governo da Líbia havia assinado com a companhia italiana ENI, serão renegociados em favor de companhias francesas e britânicas. Além disso garantiram, também, que será modificada a percentagem do preço do petróleo que as multinacionais pagavam ao governo sobre cada barril. Segundo informações fidedignas o preço do barril pago pelas multinacionais ao governo deveria passar do atual 90% para 70%. Um lucro incomensurável se consideramos que a Líbia tem uma capacidade produtiva de 500.000 barril de petróleo por dia e que a qualidade desse é superior à do petróleo da Arábia Saudita.
A União Européia e a OTAN
A OTAN é a aliança militar entre os países da União Européia e os Estados Unidos, mais a Turquia, e sua atividade militar sempre dependeu das orientações estratégicas dos EUA e para defender a geo-estratégia dos EUA e de seu aliados — principalmente Israel — bem como os interesses das empresas estadunidenses e européias.
A atual guerra contra a Líbia é uma mera atualização dos planos de invasão que EUA e a OTAN elaboraram desde 1969, isto é quando o coronel Gheddafi liderou o golpe de estado contra o corrupto rei Idris II que havia entregado o país às multinacionais ocidentais.
Hoje, somente a França admite a necessidade da ocupação terrestre para: 1) consolidar o poder do CEN de Bengase até Trípoli; 2) acabar com a resistência dos homens fiéis a Gheddafi em todo o país.
Por sua parte, o novo comando da OTAN, mesmo discordando da França sobre a necessidade de ocupar a Líbia, aceitou intensificar os bombardeios nesses dias para permitir aos rebeldes avançar em direção de Trípoli e consolidar a ocupação de todas as cidades da costa e as com terminais petrolíferos.
Entretanto, e com muita cautela, o general canadenses Charles Brouchard não excluiu a intervenção terrestre para garantir as “ajudas humanitárias aos civis”. Em poucas palavras, os portos das cidades de Bengase, Misurata, Sirte e Tobruk deverão ser definitivamente libertados pelos rebeldes para permitir o desembarque dos soldados da OTAN e de suas viaturas (evidentemente cheias de armamentos para os rebeldes).
Foi neste âmbito que o governo da Grã Bretanha autorizou que 1,4 bilhões de Dinares libios que haviam sido impressos em Londres sob encomenda do Banco Central do governo de Gheddafi, fossem desviados para Bengase e entregue ao novo ministro das Finanças, Ali Tahouni.
Uma operação de autêntica pirataria que nenhum governo europeu e sobretudo os EUA tiveram a coragem de denunciar, visto que esta é uma forma a mais para derrubar “democraticamente” o governo de Gheddafi.
*Achille Lollo é jornalista italiano, editor do programa TV “Quadrante Informativo”.