Massacres, bombas e prisões
Por Guilherme Boulos
É falso acreditar que a repressão vai estancar a luta social. Normalmente, ela anuncia, como um gesto desesperado, a próxima explosão.
“O avanço conservador, respaldado num governo golpista, reforça o sentimento de salvo-conduto para matar”. Foto de Tomaz Silva/Agência Brasil
O Brasil assiste, nos últimos dias, ao agravamento de um conflito social. Sem rumo e com uma rejeição superior a 90%, o governo Temer aposta na repressão para lidar com a crescente insatisfação das ruas. Com isso se fortalece-se um clima de violência institucional, que eleva a temperatura dos conflitos não somente nas manifestações políticas, mas nos rincões e nas favelas, onde a presença repressiva do Estado sempre foi a regra.
No Rio de Janeiro, a falência explícita das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP’s) demonstra que a política de “guerra às drogas” traduz-se numa sanguinária guerra aos pobres. O exemplo em carne viva é o Complexo do Alemão, onde o número de mortos pelos “confrontos” dos últimos dias levou para as ruas a revolta dos moradores, mesmo com repressão violenta.
Além das várias mortes pela Polícia Militar (PM), a UPP chefiada pelo major Leonardo Zuma é acusada de invadir e roubar casas de moradores, tudo com o argumento de instalar uma torre blindada, batizada pela comunidade como “torre da vergonha”. Em Brasília avança a austeridade, no Alemão, o Caveirão.
“Salvo-conduto para matar”
Distante da cidade, mas com igual violência, nove agricultores foram assassinados num assentamento na região de Colniza, em Mato Grosso. O massacre, a mando de fazendeiros locais, deu-se com intensa crueldade.
Dias antes, em 17 de abril, a Comissão Pastoral da Terra havia divulgado o anuário da violência no campo, constatando que o número de assassinatos em conflitos no último ano foi o maior desde 2003. O avanço conservador, respaldado num governo golpista, reforça o sentimento de salvo-conduto para matar.
Para matar e mutilar. No domingo, dia 30 de abril, uma terra retomada pelos índios Gamela, no Maranhão, foi palco de uma barbárie indescritível. A mando de fazendeiros, jagunços feriram 13 indígenas. Dois deles tiveram as mãos decepadas e outros dois sofreram tentativa de esquartejamento, segundo os relatos. No mesmo dia, o deputado Aluísio Guimarães Mendes, do PTN, havia chamado os Gamela de “pseudoindígenas”, questionando sua permanência naquela terra.
De volta ao asfalto, não há como deixar de mencionar a violência policial contra manifestações da greve geral (link is external) da sexta-feira 28 de abril. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, atos públicos que reuniram multidões terminaram com bombas e pancada. Em Goiânia, o estudante Mateus Ferreira continua internado depois de ter levado uma paulada de um capitão da PM de forma totalmente despropositada, como mostram as imagens.
Neste contexto de crescimento da violência, o poder judicial tem um papel protagonista. O caso de Rafael Braga (link is external), condenado no final de abril a 11 anos de prisão, é emblemático: preto e pobre, representa por si só o estereótipo do inimigo público do Estado brasileiro. Preso durante as manifestações de 2013, Rafael é uma vítima do racismo e do elitismo penais.
Assim como a maioria do povo, não foi às ruas contra o aumento de passagem nem contra a corrupção. Acusado de carregar um “cocktail molotov”, Rafael afirma que nem sabe o que é….Transportava um desinfetante ao ser detido. A sua prisão também não é uma exceção bizarra.
Ele faz parte do perfil maioritário da população prisional do país. Não fosse o contexto da sua prisão – e a consequente repercussão –, Rafael seria mais um entre os milhares de anónimos esquecidos nas masmorras desumanas que, como afirmou Mano Brown, “guardam o que o sistema não quis”.
Para as masmorras também foram enviados Ricardo, Juraci e Luciano (link is external). Presos em São Paulo no passado dia 28, durante os atos da greve geral, os militantes do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) são acusados de “incêndio”, “explosão” e “incitação ao crime”. Não há provas contra eles. Negros e pobres, ousaram desafiar o Estado e sair da periferia para as principais avenidas da cidade contra as reformas que lhes ameaçam a vida. Esse foi o seu crime, inaceitável para a casa-grande.
“Argumento típico de ditaduras”
A juíza que lhes negou a liberdade, Marcela Filus (link is external), apelou para a garantia da “ordem pública” como motivo fundamental. Argumento típico de ditaduras e regimes de exceção para manter presos os opositores.
A falta de isenção da magistrada revelou-se ainda com publicações de apoio a manifestações do “Vem pra Rua” e MBL, disponíveis no seu perfil numa rede social. Lamentavelmente, isso está longe de ser um caso isolado no sistema judicial.
Escalada da violência contra os pobres no Rio de Janeiro, massacres contra camponeses e indígenas, violência policial desmedida nas manifestações e prisões políticas sustentadas pelo sistema judicial, eis o retrato do agravamento da crise social brasileira. É ledo engano crer, no entanto, que a repressão vai estancar a luta social. Normalmente, ela anuncia, como um gesto desesperado, a próxima explosão.
Esquerda.net – 10 de Maio, 2017
http://www.mtst.org/mtst/massacres-bombas-e-prisoes/