SOBRE TOMAR AS RUAS DE PORTO ALEGRE: O QUE ESTÁ FALTANDO?

imagemPitacos sobre o caráter organizativo do poder popular

Por Marianna Rodrigues*

Em 2013, Porto Alegre foi uma capital de grande destaque no cenário político nacional em razão das manifestações massivas, iniciadas pelo Bloco de Luta pelo Transporte Público e que, posteriormente, ganharam um corpo muito maior.

Nos anos que se sucederam, continuamos com uma cultura de atos com boa participação, mas cada vez mais instável. Atualmente, é possível dizer que temos constantemente perdido forças nessas tarefas, chegando ao absurdo de não mobilizarmos mais do que as forças políticas organizadas e, por vezes, sequer alcançado o grande conjunto dessas forças políticas.

Há muito, não havia um momento tão propício para uma ampla unidade classista e popular no País. As reformas do ilegítimo governo de Michel Temer avançam a passos rápidos, tudo descaradamente a favor do alto empresariado e contrário aos interesses do povo trabalhador, ao mesmo tempo em que internacionalmente há modificações nos blocos da classe dominante em razão da dinâmica brutal do capital. Para piorar, o governo do estado do Rio Grande do Sul, liderado por José Ivo Sartori (PMDB) realiza um grande desmonte no setor público, fechando diversas estatais e, até mesmo, deixando de pagar a integralidade de direitos de seus servidores.

Pode-se dizer que, neste ano, tivemos três grandes atos marcantes de toda essa insatisfação popular: no 8 de Março – de paralisação internacional das mulheres trabalhadoras; no 28 de Abril – dia nacional em defesa da greve geral; e no 18 de Maio, pela derrubada de Temer. Foram momentos grandiosos, com milhares de pessoas nas ruas.

O plano de fundo desses três atos foi, todas as vezes, o conjunto das reformas contra o povo trabalhador, sobretudo em defesa de direitos trabalhistas e previdenciários, além de exigências por mudanças no sistema político (anti)democrático brasileiro. No entanto, apesar de extremamente numerosos, o sentimento ao final de cada um deles foi de que “algo faltou”.

A maior prova disso fora que diversos espaços organizados posteriormente, sejam plenárias, sejam novos atos, tiveram baixa participação em nossa cidade. Não podemos cair na ilusão que os atos numerosos daqueles dias foram um reflexo positivo de como foram construídos, afinal, seria de estranhar-se que após os avanços das mobilizações do último período as ruas simplesmente esvaziassem-se diante do cenário político e econômico atual do Brasil. Então, o porquê das pessoas estarem indo às ruas não é exatamente a pergunta que devemos fazer-nos, já que razões não faltam; mas, sim, por que este movimento não tem crescido com qualidade suficiente para intervir de fato na luta real de classes que está posta no País.

Mais precisamente, não é mérito exclusivo das forças políticas organizadas nas grandes centrais e, tampouco, nas frentes amplas de mobilização, a ida de milhares de pessoas às ruas. Essas pessoas têm estado nas ruas há muito tempo, como vimos nas Jornadas de Junho e revimos nas ocupações de escolas públicas, Universidades e outras manifestações populares do último período. Agora, sem dúvidas, é um demérito dessas entidades que não tenham conseguido organizar um espaço para participação qualificada desses mais diversos setores, a fim de que marchem unificadamente por pautas em comum.

Pelo contrário, o que fica explícito é que a participação de grandes entidades dificulta a organização da base, por chegarem com pautas prontas e métodos de intervenção previamente definidos, sem nenhuma chance de participação direta da população.

Contraditoriamente, muitos desses setores defendem centralmente, neste momento, a bandeira das Diretas Já!, pois o povo tem que decidir. Não tenho nenhuma dúvida de que, numa conjuntura em que a derrubada do ilegítimo governo federal pode dar-se por via de um congresso corrupto e hegemonizado por um bloco de direita conservador e impopular, colocar o povo dentro deste processo é uma resposta democrática mínima. Por outro lado, se entendemos que o povo deve decidir, não seria mais central neste momento organizar espaços em que isso seja, de fato, possível?

É de um retrocesso assustador entender que o povo precisa, simplesmente, ser convencido do que deve ser feito nesta conjuntura. Penso que as grandes lições dos últimos movimentos massivos foram, justamente, no sentido oposto: a ampla articulação direta entre setores organizados e independentes, com uma troca entre métodos tradicionais e inovadores de mobilização, garantiram a ocupação qualificada dos espaços de construção política.

É compreensível que os setores que tanto trabalharam na desmobilização popular durante seus governos conciliatórios – falo do PT e do PCdoB – contribuam para uma política recuada hoje, pois foi o que aprenderam a fazer nos últimos anos. Contudo, é absolutamente inaceitável que o bloco que se coloca como uma resposta radical a esses setores endosse as mesmas saídas políticas.

Para que Porto Alegre volte a ocupar as ruas com a mesma qualidade que conquistamos nos últimos anos, precisamos retirar esses setores da linha de frente, e reconquistar a força popular que tanto cresceu em grandes assembleias e comitês de apoio.

Quando nós, do PCB, bradamos pelo poder popular, temos como um dos eixos fundamentais a reorganização da classe. Assim, muito diferente do que os críticos dessa estratégia pontuam, não é nada distante da luta real. É por entender, justamente, que as maiores lacunas da classe atualmente estão nos seus instrumentos de organização.

Aliás, quem está na luta real tem visto como são deficitários os espaços para construção política. E ao não trabalharmos para superar essas lacunas, pouco a pouco o povo se distancia das organizações, das ruas, das lutas. “Mais um ato”, “mais uma assembleia”, “mais uma reunião”: nossos instrumentos vão tornando-se fardos que ninguém quer carregar, para todas e todos.

Embora seja bem verdade que os aparelhos repressivos do Estado atuam com força muito intensa sobre os movimentos populares, o que por certo dificulta qualquer organização, não podemos fazer vistas grossas a essas diversas falhas. As respostas para a conjuntura não são nada fáceis, e exigirão uma longa jornada de lutas. Se o povo deixar integralmente de crer nos espaços de organização que reivindicam mudanças estruturais, como as alcançaremos?

É um erro do conjunto da esquerda secundarizar a luta organizativa, e centrar sua disputa nas palavras de ordem, por vezes repetindo os mesmos métodos de quem desejam combater.

A curto prazo, necessitamos da reunificação dos setores anticapitalistas mais radicais da nossa cidade, no qual podemos incluir PCB, PSTU, setores do PSOL, MAIS, Alicerce/NOS, MTST, FAG, PCR, Intersindical e um grande conjunto de independentes que têm acompanhado este bloco, mesmo com as inúmeras diferenças táticas e estratégicas que nos permeiam, para a retomada dos instrumentos organizativos que vínhamos construindo coletivamente.

Precisamos superar a disputa pela autoconstrução, um vício que em maior ou menor grau afeta a todas as organizações, para poder construir uma plataforma comum de lutas. Não devemos cair no conto dos oportunistas, e abandonar nossa jornada que vinha avançando com qualidade para disputas por direções e cooptação de bases. Para fazer frente aos grandes ataques promovidos pelos agentes do capital, personificados neste governo corrupto e ilegítimo, precisaremos de um grande bloco que reúna o povo trabalhador, os movimentos populares anticapitalistas e as organizações partidárias da esquerda socialista.

Chamemos de poder popular, ou do que quisermos, mas voltemos a ocupar as ruas com a mesma intensidade e qualidade de outro momento: organizados, coletivamente!

*É militante do PCB em Porto Alegre

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