A ÚLTIMA OPÇÃO DO PENÚLTIMO MADURO

imagem​Por Modesto Emilio Guerrero*

Exceto entre os idiotas – os úteis e os demais –, já poucos duvidam que o enfrentado pelo governo venezuelano a mais de 60 dias é o mesmo de 2014: uma oposição que se transmutou ao conhecido na história como ameaça fascista, essa coisa que Benjamin e Lukács definiam como um “assalto à razão” e que não é mais que o último recurso da classe dominante quando sente que sua existência está definitivamente ameaçada.

Maduro e seu governo está ante dilemas que não foram previstos, mas buscam resolver e superar por vias opostas às registradas na história continental. Sua proposta de Constituinte Comunal resulta como a última opção política de um Presidente encurralado. De seus resultados emergirá outro Presidente e outra situação para o país. Maduro optou pela mobilização social do povo chavista mediante uma proposta constituinte de caráter comunal, “setorial”. Já logrou descolar relativamente a agenda de morte da direita (que somam 70), por um debate político a favor ou contra a esta proposta. Até agora se realizaram mais de 480 assembleias de bairros. Algumas, inclusive, reunidas por vizinhos anti-chavistas também angustiados pela escalada da violência. O CNE (Conselho Nacional Eleitoral) informou que neste sábado chegaram a 17.959 postulantes de tipo territorial, regidas pelo voto individual e liberal, e 34.096 de caráter “setorial”, ou seja, dos movimentos sociais, etnias e agrupamentos de interesses. Um total de 52.055 candidatos. As comunas e conselhos, por exemplo, postularam 8.674 solicitações. Os empresários, 1.154; os trabalhadores sindicalizados, 13 mil.

Não é garantia absoluta, mas é um sinal alentador contra o cenário de guerra buscada pela oposição, o governo colombiano, a OEA e o Departamento de Estado. Não deveria restar dúvidas que estamos diante de um fenômeno político de alta qualidade democrática. Sua novidade confirma que a democracia política tem mais formas de se manifestar que os fetiches conhecidos. Isto tem gerado espanto entre os dirigentes opositores e empresários, e uma certa desrazão epidérmica entre respeitáveis acadêmicos de esquerda, como Maristela Svampa e outros.

A América Latina registra três tipos de “saída” para situações similares ao colapso venezuelano de hoje: uma foi o abandono da resistência (Jacobo Arbenz em 1954 e J. D. Perón um ano depois). Outra, o inútil sacrifício individual com um tiro na cabeça (Getúlio Vargas, 1954, e Allende, 1973). E uma terceira, a sandinista, que significou transferir o poder ganho com as armas mediante o voto liberal. Ainda que o mais comum tenha sido o assassinato e os golpes de Estado patrocinados pelos EUA, estas foram as saídas ocorridas nos casos acima.

Tudo que não avança, retrocede, e como advertia Marx, “entre dois direitos iguais a única solução é a guerra”. Esse é o tamanho do risco que se vive na Venezuela, ainda que pareça de ficção. Não é Síria, mas pode sê-lo. Sem dúvida, entre um axioma e a realidade existem mediações. Uma delas é esta da Assembleia Constituinte Comunal. Como era inevitável, somente a ideia de Constituinte Comunal transtornou todos os sentidos e submeteu a provas inesperadas, inclusive aos menos implicados, os intelectuais que foram “amigos da revolução bolivariana” quando esta estava em seus bons tempos. Não duvido de que o foram, mas creio que não passaram a última prova do que defendiam. Eles não terão consequências. Para Nicolás Maduro e o povo venezuelano, sim, haverá e será o caos e a morte. Dali surge a última prova para um Presidente cujo destino não está definido ainda: porque depende do resultado do processo constituinte comunal em marcha.

*Jornalista e escritor venezuelano, autor de Cuentos, Relatos y Poemas (1985), Haití: el último Duvalier (1986), Panamá, soberanía y revolución (1990), Mercosur: origen, evolución, perspectivas (2005), El Mercosur y la Revolución Bolivariana (2006), Reportajes sobre América Latina (2007), la biografía analítica ¿Quién inventó a Chávez? (2007).

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