Os limites da palavra de ordem “Diretas já!”
“O poder político do Estado moderno nada mais é do que um comitê para administrar os negócios comuns da classe burguesa” Karl Marx e Friedrich Engels.
Por: Gustavo Bechara e Luís Augusto
A crise que que atinge os mais diversos setores da sociedade e cada vez mais se aprofunda é generalizada, atingindo, inclusive as instituições do Estado burguês brasileiro. Apresenta-se no campo político e econômico, a partir da pressão levada a cabo por setores burgueses internos, impulsionados pelas exigências do capital internacional, que encontram forte apoio no congresso nacional e no poder judiciário, possibilitando a implantação de grandes contrarreformas que, na prática, liquidam a CLT, retiram dos trabalhadores o direito de se aposentarem e liberam a terceirização em qualquer atividade. Tais “reformas” se defrontaram com forte resistência de grande parte das trabalhadoras e trabalhadores, que reencontraram nas necessidades materiais um imprescindível instrumento na luta de classes: a greve geral.
Com as mobilizações do dia 28 de abril (28A), incluindo a paralisação do dia 15 de março (15M), a população deu o recado para todos os capitalistas de que não aceitará tais medidas, e demonstrou que é capaz de paralisar a produção capitalista e adotar uma radicalidade de grande potencial. A preparação para a greve contou com a forte pressão das bases, obrigando diversas direções pelegas a chamarem assembleias de categoria para discutir a adesão à Greve Geral. Até mesmo centrais sindicais que há muito vinham representando os patrões, a exemplo da Força Sindical, se viram obrigadas a aderir à greve contra as ‘reformas’ (não de Temer ou qualquer outro político, mas da burguesia unida).
É justamente nessa radicalidade que o campo socialista, classista e revolucionário deve apostar, sem ilusão nas instituições burguesas e não cometendo o erro de retomar o projeto de conciliação de classes, que ademais, seria em um cenário ainda mais desvantajoso para os trabalhadores do que nos últimos 14 anos. Pois o rompimento do pacto de classes deixa cicatrizes difíceis de serem superadas por setores da classe burguesa e a trabalhadora.
Imaginemos o cenário ideal para quem aposta nas “diretas já” e, (in)consequentemente nas urnas.
Mesmo que Lula possa se reeleger, esse será obrigado a ceder cada vez mais para o capital, uma vez que não se trata de quem está à frente do Estado, mas da classe que exerce o poder nos bastidores. Há ainda a possibilidade de legitimarmos um outro governo puro sangue burguês, talvez até mais reacionário que o governo de Temer, com o diferencial de ter sido eleito “democraticamente”
Abre-se, nesse intervalo gramsciano, um novo horizonte de lutas. Com a decadência do antigo ciclo político e o esgotamento da política de conciliação de classes, os movimentos sociais devem apontar e construir uma alternativa independente de alianças com a burguesia “nacional”. O momento demonstra a urgência da militância superar o natimorto projeto democrático-popular, e consolidar um projeto autônomo da, e para,a classe trabalhadora. O último período serviu para nos mostrar uma vez mais que é impossível manter um acordão entre o agronegócio, as empreiteiras, os bancos, o capital industrial e os trabalhadores por muito tempo. Pois mesmo que esses quatro setores da burguesia se digladiem para conseguir investimentos e incentivos por parte do governo, ocasionalmente entrando em contradição, os empresários preferem deixar o duro fardo da crise com os mais pobres. Basta ver: quando se torna necessária a manutenção da sociedade burguesa, as frações antes conflitantes se unem a partir do Governo (que atua como um comitê administrativo de negócios), adotando medidas de austeridade que atingem principalmente os que já não tem nada além da sua força de trabalho.
O Governo perdeu o apoio que lhes restava, após a divulgação de que Temer estaria pagando uma “mesada” para Eduardo Cunha, com o intuito de manter seu “bico fechado” com relação aos seus aliados. Isso abriu margem para os oportunistas propagandearem uma eleição direta, como sendo a única forma de manter a “legitimidade” de um próximo mandato. Mas será que as “diretas já” seriam capazes, por si só, de barrar as reformas e a enorme perda de direitos que os trabalhadores vêm sofrendo?
Mas, ora, sobre qual ‘legitimidade’, qual ‘legalidade’ estão falando?
Antes dos escândalos divulgados pela mídia, uma parte razoável da esquerda acreditava que a palavra de ordem utilizada fosse própria para o momento, e acabou por arrastar consigo uma grande quantidade de desavisados que veem as eleições indiretas como o golpe final à democracia.
Em seu famoso livro A revolução proletária e o renegado Kautsky, Lênin é primoroso em dizer que não há – nem mesmo no mais democrático dos Estados burgueses – um regramento ou uma lei que não possa ser modificada, de acordo com a demanda da burguesia. Basta ver, por exemplo, que o Estado brasileiro vive nos últimos anos um aumento exponencial de intervenções militares em comunidades (inclusive firmado pelo Governo Lula). Com essas intervenções ilegais temos um quadro ainda mais agravado no que tange ao genocídio do povo negro e jovem dos bairros periféricos. Seria essa a democracia, ou mesmo o estado de direito, que estamos defendendo? ¹
Por isso afirmamos com todas as letras que a burguesia não tem qualquer compromisso para com a democracia. Seria, portanto, um erro crasso apostar todas as fichas nas urnas. Basta ver o processo de impedimento de Dilma, que mesmo eleita ‘democraticamente’, fora exonerada da presidência, abrindo caminho para o sucessor usurpador e filhote ‘puro sangue’ das classes dominantes, Michel Temer, que deu prosseguimento às ‘reformas’ colocadas na ordem do dia pelos capitalistas. Nos perguntamos então: o que os impediria de fazer mais uma outra vez, ou quantas vezes for necessário? A classe de empresários e latifundiários não hesitará em protocolar outro processo de impedimento caso o tiro saia pela culatra. Isso se, assim como dito anteriormente, o próximo candidato do petismo não fosse ceder ainda mais à pressão do capital.
Assim como aconteceu com Dilma – e vem acontecendo com Temer -, a ideologia liberal tende a culpabilizar “maus gestores”, o que é extremamente conveniente para manutenção da exploração e para a reprodução do capitalismo, uma vez que a pequena parcela de megaempresários pode continuar a financiar livremente a campanha de todos os principais presidenciáveis. Assim como a JBS fez em 2014 quando financiou as campanhas de Dilma, Aécio e Eduardo Campos. Como bem diz o ditado, “quem paga a banda escolhe a música”. Tamanha a teatralidade da política, sob domínio da classe burguesa, que o problema não seria próprio da maneira pela qual produzimos/reproduzimos (e distribuímos!) as condições materiais para a vida, mas (fazem-nos crer!) que se trata de um problema puramente administrativo, como se o gestor anterior fosse um incompetente que não pôde evitar a crise, – e pior! – Tampouco teve competência para sair dela, trazendo a ruína da economia, para assim, culpá-lo pelo desemprego. Seu sucessor é visto quase como um Messias por alguns, trazendo consigo a esperança de que “os novos serão melhores que os velhos” pois estes “melhorarão as coisas e assim por diante”².
O que parece ser inconcebível para os que ainda acreditam nas “conquistas democráticas” é que Temer é tão descartável quanto Dilma foi para os capitalistas, bem como qualquer outro candidato que ascenda a partir da política de conciliação de classes. Pelos motivos acima explicitados, é fácil enxergar que “Fora Temer!” por si é até mesmo interessante para a reprodução desta logica. Temos que ir além: As reformas eram previstas para manutenção do lucro do patrão, e é aí onde reside o calcanhar de Aquiles. Os nossos alvos devem ser as reformas.
Nos espanta, portanto, que organizações e sujeitos que se dizem anticapitalistas recaiam na ilusão de estarem defendendo a democracia quando pedem “diretas já”. Existem duas situações possíveis: ou se trata de um desconhecimento por uma parcela desses setores de esquerda sobre o real caráter do Estado brasileiro, ou então estamos lidando com o mais puro mau-caratismo parlamentar, cenário no qual evidentemente alguns partidos podem fazer palanque para o seu político burguês favorito, tão deslocado das massas trabalhadoras quanto seu antecessor. O impedimento de Dilma marca o limite das “vitórias pelo alto”, basta notarmos que mesmo os programas de reforma são abandonados em prol de uma política de austeridade, demonstrando qual é realmente o caráter do Estado no Brasil.
Nossa intenção é demonstrar que há uma saída que não dependa da boa vontade da burguesia (os nossos burgueses já se mostraram extremamente maldispostos), tampouco que seja estritamente ligada à institucionalidade vigente. Se analisarmos as mobilizações do dia 15M para notarmos que os trabalhadores, como foi o caso dos cobradores e motoristas em São Paulo, ao serem proibidos pela Justiça do Trabalho de realizar a paralisação, deram “de ombros à estrita legalidade “e seguiram “organizando sua greve” ³.
Não seria, portanto, um grande equívoco de nossa parte, agora que os trabalhadores começam a encontrar meios não institucionais e adotar táticas mais radicais, apontarmos as urnas como solução para suas reivindicações, para depois retornarem a seus postos de serviço, fingindo que está tudo “resolvido”? Nossos esforços devem ser canalizados para a luta cotidiana. Devemos continuar e intensificar o diálogo com os trabalhadores e a juventude para propagandear saídas concretas, sem recair em ilusões de representação nas instituições burguesas.
Por isso enxergamos na construção ENCLAT (Encontro Nacional da Classe Trabalhadora) a alternativa mais viável para os trabalhadores e trabalhadoras dada a crise que estamos enfrentando. O encontro visa constituir e organizar uma agenda de lutas, a nível nacional, podendo se consolidar enquanto um marco de unidade e ação, um ponto de virada na correlação de forças da luta de classes no Brasil. Isso porque sua proposta vem de baixo para cima, a partir de fóruns regionais. É hora de unificarmos as ações para fazer a classe avançar na luta que hoje se escancara no Brasil!
A partir de focos locais de luta, a luta de classes toma forma. A resistência de uma categoria tanto contra o patronato quanto contra as direções sindicais burocráticas forja e tempera, preparando os trabalhadores para levar a cabo a resistência em escala nacional e, depois, internacional. O conjunto de experienciais regionais, particulares, dão corpo a resistência que prepara os trabalhadores conscientes para levar adiante um projeto verdadeiramente popular.
Ainda que de forma embrionária, a Frente Povo Sem Medo vem desempenhando um papel importantíssimo para o momento histórico no qual vivemos. Os movimentos sociais combativos estão acumulando cada vez mais força e engrossando as fileiras do campo classista a partir dessa tática, que fora completamente abandonada e negligenciada pelos governos petistas, ainda que em 2002 possuíssem uma ampla base militante e um grande número de apoiadores nas periferias. Desde então, cada vez mais, a cúpula do partido se afastou da base, adotando uma política de alianças no congresso, sem se preocupar em construir um projeto autônomo dos trabalhadores, ficando assim, completamente a reboque da burguesia com quem se aliou. Para além dos bairros, o bloco socialista deve ocupar outras duas frentes de atuação: os locais de estudo e trabalho. Nossa tarefa é apontar as contradições latentes na política institucional e ao mesmo tempo constituir um novo poder, para assim consolidá-lo enquanto poder legítimo. Sua legitimidade se estrutura “partindo de baixo e à escala local”4, se enraizando firmemente na atuação consciente da classe frente aos desafios impostos pela conjuntura, levando as lutas locais a nível nacional por meio do ENCLAT.
A burguesia, então, percebeu o potencial dano a seu status quo, dado pela aproximação dos movimentos sociais combativos junto às bases, e já concebe a alternativa de ceder às “diretas já”, com o intuito reestabelecer a legitimidade da “democracia” burguesa. Basta que as frações da burguesia entrem em consenso sobre qual será o próximo candidato que as unifique. Será então, essa a hora dos movimentos sociais demonstrarem-se satisfeitos e recuarem?
Compreendemos que a escolha do próximo presidente feita por nosso congresso nacional, habitado por Cunhas e Aécios, é um cenário terrível. Entretanto, as “diretas já” não se mostram suficientes para atingirmos nossos objetivos imediatos (o fim das contrarreformas), tampouco se mostram suficientes para fazer avançar o projeto da classe trabalhadora. As urnas não são nossa única opção, nosso trabalho e esforço não devem ser usados para apertar alguns botões, mas dialogarmos todos os dias com nossos vizinhos, colegas e conhecidos para construirmos em conjunto a Greve geral do dia 30. Além do mais, se mostra cada vez mais necessário que o campo revolucionário se faça ainda mais presente que anteriormente; não só para evitar que oportunistas instrumentalizem a greve para fins eleitorais, como para que a proposta de um encontro nacional seja ouvida.
Rejeitamos tambem posições sectárias e esquerdistas, entendendo a importância de uma construção conjunta para fazer recuar as classes exploradoras. Os preparativos para a greve são um canal para o diálogo, e o divisionismo em um momento como esse é extremamente danoso. O que não significa que a crítica às palavras de ordem pedindo eleições diretas serão abandonadas, e sim o oposto; somente estando presentes em toda a articulação ao redor da greve, poderemos levar a cabo a tarefa histórica que nos compete. O momento pede que sejamos resolutos e nada mais oportuno que uma crise, momento em que as contradições do sistema capitalista estão mais explícitas, para estremecer a estrutura, contribuindo para o avanço da consciência da classe.
Façamos dessa crise um ponto de inflexão na luta de classes no país. Nesse sentido, a greve também se apresenta como um processo extremamente pedagógico e pode representar um salto na consciência do proletariado. A classe trabalhadora está completamente desiludida com a política institucional, principalmente pelo distanciamento que a cada dia a cúpula do Partido dos Trabalhadores vem promovendo; mesmo sempre “retornando as bases” em períodos eleitorais, qualificando minimante algumas pautas (que ficam vazias numa prática hipócrita), e cada vez mais alinhado aos setores burgueses que possibilitaram o impedimento de Dilma. Essa atitude revela o caráter oportunista dos conciliadores de classe. Esse é o momento da juventude combativa, dos movimentos sociais e partidos classistas e revolucionários tomarem as ruas, intensificarem radicalmente o trabalho de base, inserindo-se cada vez mais nos bairros, fábricas, sindicatos e universidades oferecendo uma perspectiva que rompa com a atual ordem burguesa.
1. http://makaveliteorizando.
2. Enver Hoxha, em “o imperialismo e a revolução”. <https://www.marxists.org/
3. <https://lavrapalavra.com/2017/
4. “a fonte do poder não está numa lei previamente discutida e aprovada pelo parlamento mas na iniciativa direta das massas populares partindo de baixo e à escala local, na «conquista» direta (…) Somos marxistas, partidários da luta proletária de classe contra a embriaguez pequeno-burguesa, o defensismo-chauvinismo, a fraseologia, a dependência em relação à burguesia. ”
Lenin, em “sobre a dualidade de poderes” <https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/04/09.htm#tn21>
UJC NACIONAL
http://ujc.org.br/