REFORMA POLÍTICA OU ELEITORAL?
A ofensiva atual pela implantação de uma reforma política não passa de uma cortina de fumaça, erguida em função do desgaste dos políticos profissionais e dos partidos convencionais. Toda vez que há um desgaste da chamada “classe política” há um movimento em torno dessas reformas. Desta vez, as razões são a frustração com a não aplicação da chamada Lei da Ficha Limpa, que nascera (o que é raríssimo) de uma iniciativa legislativa popular. Outros desgastes são os senadores sem voto, suplentes de luxo, que em muitos casos são os financiadores dos eleitos, além da generalização da prática do “caixa dois”.
No nosso entendimento, é um engodo que a reforma política esboçada vá acabar ou diminuir a corrupção, aprimorar a democracia e assegurar o fortalecimento dos partidos e a fidelidade partidária.
O debate, como sempre, é restrito aos grandes partidos e aos políticos do “alto clero”. Como as decisões caberão apenas aos atuais parlamentares, a tendência é que aprovem poucas mudanças, já que todos foram eleitos com as atuais regras.
As mudanças em debate não constituem propriamente uma reforma política. Podem, no máximo, ser consideradas uma reforma eleitoral. Uma verdadeira reforma política, de caráter progressista, trataria da qualidade da democracia, com o aumento dos instrumentos de participação popular, tais como o direito de cassação direta de mandatos, tribuna popular nos parlamentos, a ampliação das possibilidades de convocação de plebiscitos, referendos e iniciativas legislativas, formas de controle público das empresas estatais, conselhos populares.
O que vemos até agora é um esforço dos chamados grandes partidos em tentar acabar de fato com pequenos partidos, anexando a maioria deles, através de mecanismos que dificultem, para as legendas menores, a eleição de parlamentares, o acesso a mais recursos do Fundo Partidário e maior tempo de televisão.
Verticalização das alianças eleitorais:
A verticalização das alianças vem sendo utilizada nas duas últimas eleições. Em 2006, a verticalização foi total, limitando as coligações estaduais aos partidos coligados para Presidente da República. Já em 2010, mitigou-se a verticalização: as coligações estaduais restringiam-se aos partidos coligados para a eleição de Governador, mas os partidos coligados estadualmente, podiam ter candidatos diferentes à Presidência da República ou não apoiar nenhum deles. Mas, se passar o fim das coligações, a verticalização fica sem sentido.
O PCB defende a verticalização das alianças eleitorais programáticas, em âmbito nacional, coerente com sua defesa do centralismo democrático e do fortalecimento dos partidos políticos como repesentantes político-ideológicos de classes e agrupamentos sociais.
Fim das coligações nas eleições proporcionais e cláusula de barreira
Ao que tudo indica, o fim das coligações proporcionais é o grande consenso entre os chamados grandes partidos, independente da orientação política, mas em função do desejo comum de concentrar o quadro partidário, reduzindo-o a poucas agremiações. Chegaram à conclusão de que se trata do mais eficiente instrumento para atingir este objetivo. A fundamentação se baseia numa falácia de que os partidos têm que se apresentar nas eleições proporcionais com identidade própria, como se partidos afins não pudessem fazê-lo em coligações e como se a maioria dos partidos tivessem, eles próprios, identidade política ou ideológica.
Somos a favor das coligações, desde que tenham identidade política. Nossa proposta é a verticalização nacional das coligações, com a possibilidade de formação de “Federação de Partidos”, em bases programáticas e permanentes, para além das eleições.
Em 2006, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a cláusula de barreira que havia sido introduzida na legislação eleitoral. Por isso, a partidocracia optou agora por criar uma cláusula de barreira de fato e não de direito, através da proibição das coligações nas eleições proporcionais, o que praticamente inviabiliza a eleição de deputados e vereadores pelos pequenos e médios partidos.
As legendas burguesas de aluguel, de pequeno porte, não têm qualquer dificuldade de promover sua própria extinção, fundindo-se com partidos burgueses de maior porte, desde que a negociação compense. O caso recente da criação do anódino PSD, por Kassab, prefeito de São Paulo, é um bom exemplo. Segundo seu líder, o partido não será “de direita, nem de esquerda, nem de centro”. Várias outras fusões partidárias estão em curso, prevalecendo razões de ordem fisiológica e não ideológica.
É óbvio que o PCB sequer admite sua extinção ou fusão com outra agremiação, dada a sua natureza singular no quadro partidário brasileiro, em que privilegia a ação política das massas em sua prática política. Mas não podemos contar com a perenidade da decisão do STF, pois a burguesia pode, a qualquer momento, tentar criar barreiras à existência jurídica e às prerrogativas dos partidos contra a ordem capitalista.
Nesta questão das coligações há um fato novo negativo e de certa forma surpreendente. A direção nacional do PSOL, reunida no início deste mês de maio, acaba de se decidir formalmente pelo fim das coligações proporcionais. No caso do PSOL, ao que tudo indica, o objetivo de sua Direção Nacional é, por via jurídica e administrativa, monopolizar a oposição parlamentar de esquerda aos governos social-liberais liderados pelo PT.
Financiamento público de campanha:
A proposta estabelece que as campanhas eleitorais serão financiadas exclusivamente com recursos do orçamento da União, na base de um valor fixo por cada voto obtido por cada partido, na eleição para a Câmara dos Deputados. No Brasil, já existe financiamento público partidário, que é o Fundo Partidário, também proporcional ao número de votos para deputados federais de cada legenda. Não está claro se será criado um novo fundo de natureza exclusivamente eleitoral ou se haverá uma ampliação do atual Fundo Partidário.
Não temos qualquer ilusão de que a exclusividade da utilização de recursos públicos nas campanhas será capaz de evitar o financiamento privado de empreiteiras e empresas com interesses na prestação de serviços a entes públicos ou que dependem de regulamentação e outros benefícios públicos. No entanto, somos a favor da iniciativa, lutando para que o valor a que cada partido tenha direito seja dividido em duas parcelas iguais: uma correspondente à divisão igualitária entre os partidos e a outra em função do número de votos para deputados federais, sob pena de se congelar o quadro partidário brasileiro, no caso de o financiamento privilegiar o segundo fator, como defendem os maiores partidos.
Lista fechada e fidelidade partidária:
O PCB é inteiramente favorável à proposta de lista fechada nas eleições proporcionais, que será um avanço político, sobretudo se regulamentada por critérios democráticos de decisão sobre a nominata. A lista fechada significa que o eleitor votará no partido ou na coligação e não no candidato. Ao invés de os eleitos serem os mais votados de uma nominata, uma vez introduzida essa mudança os eleitos serão os candidatos listados na ordem decidida pelos partidos. Resumindo: no registro da chapa, o partido ou coligação lista seus candidatos, numerando-os na ordem de preferência. Se o partido, por sua votação, fizer jus a dois deputados, esses serão o primeiro e o segundo da lista.
O sistema de lista fechada, que já vigora em vários países da Europa, é uma bandeira universal dos comunistas, por considerarmos que o coletivo partidário está acima das personalidades. Os eleitores votam em ideias, princípios, programas e não em personalidades. Esta seria a única mudança que fortaleceria os partidos políticos e garantiria a fidelidade partidária, já que os mandatos pertenceriam aos partidos. No caso de o parlamentar mudar de partido, perde seu mandato, assumindo o próximo indicado na lista. Há países em que, coerente com o sistema de listas, os partidos podem inclusive substituir um parlamentar que está exercendo um mandato, em caso de infidelidade partidária.
No caso de um Partido Comunista, a eleição por lista fechada é o maior antídoto contra o personalismo e o cretinismo parlamentar. O exercício da atividade parlamentar é parte da militância de um comunista.
As demais propostas de fidelidade partidária que circulam no Congresso Nacional são meros paliativos, apenas para diminuir o desgaste dos atuais parlamentares, com o frenético troca-troca que vigora, no balcão de negócios em que se transformou o nosso parlamento. Essas propostas estabelecem apenas um prazo em que o parlamentar não pode trocar de partido e regulamentam os casos em que a troca é admitida. Chamam a isso, cinicamente, de “janela da infidelidade”
Além do mais, no atual sistema partidário brasileiro, em que os partidos em geral têm donos (nacionais e regionais), será preciso ficar claro de que fidelidade se trata. Da saudável fidelidade aos princípios partidários ou da fidelidade aos donos dos partidos, a maiorias eventuais, a governos, aos financiadores da campanha?
Voto distrital:
Vez por outra, setores conservadores tiram do colete a proposta de introdução no Brasil do chamado voto distrital nas eleições proporcionais. Grosso modo, significa que cada eleitor só pode votar em candidatos inscritos para disputar a eleição apenas num distrito, ou seja, numa determinada jurisdição. Por exemplo: se for uma eleição para Deputado (Estadual ou Federal), os eleitores de Santos ou da Baixada Santista (se a lei considerar distrito eleitoral um Município ou uma região) só poderão votar em candidatos inscritos neste distrito. Não poderiam votar num candidato domiciliado na capital ou em outra região.
Se hoje já existe uma grande despolitização nas eleições proporcionais, com uma tendência ao voto distrital de fato, o advento desta mudança diminuiria o voto politizado, de opinião, tornando ainda mais minoritário o voto ideológico, razão principal dos partidos revolucionários. Uma vez eleito, o parlamentar distrital tende a se comportar no parlamento como uma espécie de despachante da região que o elegeu e pela qual pretende se reeleger. Com a implantação do voto distrital, o debate político e ideológico dará lugar ao bairrismo e às disputas regionais.
Preocupado com a valorização do debate político e ideológico, nas eleições e no trabalho parlamentar, o PCB se coloca na defesa do voto universal, portanto contra o voto distrital, ainda que misto, ou seja, com uma parte do parlamento eleita pelo distrito e outra pelo conjunto de eleitores.
As propostas do PCB:
Diante da crise que vive a democracia burguesa no Brasil, em que os seguidos escândalos de corrupção, tráfico de influência, manipulação, fraudes, uso da máquina pública, promiscuidade na relação público/privado e todas as degenerações políticas inerentes ao capitalismo desnudam a farsa deste modelo político, o PCB considera que qualquer reforma política só terá algum sentido progressista se estiver assentada em mudanças que façam avançar a democracia direta, assegurada a ampla participação popular. Neste sentido, formulamos as seguintes propostas:
- garantia de acesso às tribunas parlamentares a representantes de entidades populares;
- direito de cassação direta de mandatos, com o voto popular plebiscitário, nos casos de impedimento;
- ampliação do direito de consultas populares, através de plebiscitos e referendos;
- criação de conselhos populares comunitários;
- ampliação do direito à iniciativa legislativa popular, inclusive para a criação de CPIs e emendas constitucionais;
- ampliação das audiências públicas na tramitação de projetos de lei;
- verticalização das coligações eleitorais no âmbito nacional;
- lista fechada nas eleições proporcionais, assegurada a democracia interna nos partidos políticos;
- coligações, em eleições majoritárias e proporcionais verticalizadas em âmbito nacional, através de Federações de Partidos, em bases programáticas e caráter permanente;
- maior equidade entre os partidos na distribuição do tempo de propaganda gratuita, do fundo partidário e no financiamento público de campanhas;
- participação das entidades populares na gestão do Estado e nas empresas estatais, privilegiando os funcionários de carreira para o exercício de cargos de direção;
- proibição de reeleição para os cargos executivos (Presidente, Governador e Prefeito);
- parlamento unicameral, com o fim do Senado, em 2010; mandato de 4 anos para os senadores eleitos em 2006;
- fim do foro privilegiado;
- transparência e democratização do judiciário e dos meios de comunicação.
Finalmente, consideramos que propostas como estas e outras que vêm sendo defendidas por setores progressistas e democráticos só terão alguma possibilidade de êxito se o debate sobre a matéria extrapolar os limites do parlamento, envolvendo as organizações populares.
Rio de Janeiro, maio de 2011
COMITÊ CENTRAL DO PCB
Partido Comunista Brasileiro