Entrevista: Coreia do Norte quer “independência, paz e amizade” com os outros povos
PRAVDA
Entrevista com o Delegado Especial do Comitê para Relações Culturais com Países Estrangeiros do Governo da República Popular Democrática da Coreia (RPDC), Alejandro Cao de Benós
Eduardo Vasco, Pravda.Ru
A Coreia do Norte vem sofrendo ininterruptamente as hostilidades por parte dos Estados Unidos desde o começo do ano. As últimas sanções impostas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas visam isolar ainda mais o país economicamente e pressioná-lo politicamente para que acabe com seu programa nuclear.
As armas desenvolvidas pela nação asiática, estigmatizada como um perigo para o mundo, servem como um poderoso instrumento de defesa e dissuasão diante das agressões dos EUA, cujo presidente, Donald Trump, ameaça com “fogo e fúria” caso a RPDC se atreva a desafiá-lo.
Chama a atenção para qualquer pessoa atenta à realidade o discurso do governo dos EUA, reproduzido sem questionamentos pelos grandes meios de comunicação. Dizem que a Coreia do Norte é a ameaça, enquanto é difícil acreditar que um pequeno país que não se envolve em guerras pode representar uma ameaça à humanidade, especialmente aos EUA, que já bombardearam incontáveis países e possuem o maior poderio militar do planeta. O Pentágono mantém quase 40 mil tropas no Japão e mais de 23 mil na fronteira da Coreia do Sul com o Norte. As forças armadas estadunidenses fazem frequentes exercícios militares conjuntos com Seul próximo à fronteira, o que é interpretado por Pyongyang como uma clara provocação.
Como a Coreia do Norte pode ser uma ameaça, se não é ela quem mantém tropas na fronteira com os EUA? Por acaso foi ela quem matou centenas de milhares de civis com bombas atômicas em Hiroshima e Nagazaki? É Pyongyang quem espalha suas bases militares por todo o globo? Quem é que detém quase oito mil armas nucleares, a Coreia? Essas são algumas das perguntas que se fazem os analistas críticos, ao questionarem a narrativa de Washington e da mídia internacional.
Pravda.Ru entrevistou o único ocidental a serviço do Estado norte-coreano. O espanhol Alejandro Cao de Benós é Delegado Especial do Comitê para Relações Culturais com Países Estrangeiros do Governo da República Popular Democrática da Coreia (RPDC).
Como o senhor explica essa inversão de posições feita pela mídia, que tacha a Coreia como uma ameaça e os EUA como os justiceiros?
É uma tática psicológica usada regularmente pelo sistema. A mídia a serviço do capital sempre tenta demonizar qualquer um que não siga os ditames do império estadunidense. Assim, tenta-se passar uma imagem de “terror” ou de “perigo iminente” que deve ser combatido pelo “guardião da democracia”. Digamos que tenta-se transportar para o mundo real a fantasia do Capitão América ou do Superman, fazendo os inocentes parecerem vilões e os invasores como se fossem libertadores. Isso funciona de forma superficial, mas quando alguém se informa minimamente por fontes alternativas, se dá conta de que é tudo uma montagem, como as armas de destruição em massa do Iraque, que nunca existiram e que justificaram a invasão e destruição daquele país.
Qual é o motivo da RPDC desenvolver armas nucleares?
A dissuasão. As armas nucleares atuam como equalizador ante a maior potência nuclear do mundo, os EUA. Elas nos asseguram que o império não se atreverá a invadir a Coreia, porque isso resultaria em uma guerra termonuclear e no fim do mundo como o conhecemos. Os países com armas nucleares garantem seu futuro e a paz para sua população.
No último dia 15 de agosto o governo dos EUA publicou o relatório anual sobre liberdade religiosa e nele se afirma que a RPDC viola sistematicamente a liberdade de religião de seus cidadãos, embora ela seja garantida pela constituição do país e existam igrejas de diferentes matizes religiosas na RPDC. Afinal, os norte-coreanos são livres para expressar suas crenças religiosas?
Os norte-coreanos têm total liberdade para praticar suas crenças religiosas, de acordo com as religiões existentes no país: Budismo, Chondoísmo e Cristianismo (protestantes e católico). Esse relatório manipulado é parte da propaganda contínua para justificar a asfixia econômica e a invasão da RPD da Coreia.
A mídia também diz que o país é uma ditadura porque supostamente não há eleições. Isso é verdade?
Há eleições gerais a cada cinco anos. Qualquer cidadão maior de 17 anos pode votar e ser votado para a Assembleia Popular Suprema (o órgão máximo do país), que atualmente conta com 687 deputados.
Por que na RPDC se censura o que vem do Ocidente?
Porque não queremos que entre as porcarias de sua sociedade decadente. Consumo de drogas, prostituição, terrorismo, violência doméstica, individualismo, colonização cultural, etc.
Nosso modelo de sociedade é baseado na comunidade, no esforço conjunto, e o país está livre de muitas dessas doenças sociais, e queremos que continue assim.
O senhor pode nos explicar de forma resumida por que existe o culto ao Líder e à ordem, por que a sociedade norte-coreana é tão coesa? Essas características também dão aos ocidentais a impressão de que o governo controla a sociedade e que o país é uma ditadura.
Entender o carinho e a coesão para com o Líder é complicado sem se conhecer o confucionismo, o budismo e a história da nação coreana. Um ocidental não pode assimilar isso facilmente, porque a cultura é radicalmente diferente. Devemos entender a posição do Líder como um elemento de união, de coesão social, não a de um ditador que faz o que deseja. Pelo contrário, o Líder deve ser exemplo de humildade e que se senta no chão junto aos operários para ouvir seus conselhos. Digamos que ele é o eixo sobre o qual gira a unidade de ação. A Coreia esteve submetida à tortura e à invasão durante centenas de anos. Isso criou uma união no povo diante das ameaças exteriores, e se somarmos a isso o carisma e o carinho de nossos líderes para com o povo e vice-versa, temos o conceito de “grande família” da qual todos os cidadãos se sentem participantes.
Quais são as principais conquistas econômicas, científicas e tecnológicas da RPDC? O povo desfruta essas conquistas?
Na RPDC tudo pertence ao povo. Como tal, ele desfruta de todos os avanços arquitetônicos e de construção, de criação, tecnológicos etc. Desde o lançamento de satélites artificiais que asseguram uma melhor produção mineral e colheitas, até o desenvolvimento de smartphones e computadores próprios, passando pelo uso de energias renováveis em todos os campos, ou os avanços em medicina dos quais toda a população disfruta gratuitamente. Qualquer desenvolvimento é pensado para o benefício de todo o povo, e não só o de alguns poucos privilegiados.
O desenvolvimento dos foguetes e mísseis intercontinentais é o mais recente. Por um lado a nação economiza milhões de dólares em fotos e estudos desde o espaço, por outro inclui o país dentro do clube nuclear e o blinda contra a agressão externa. Dessa forma, o povo pode viver em paz, e não na miséria absoluta que a “democracia imperialista” promove, como na Líbia, no Afeganistão ou no Iraque.
A RPDC foi condenada ao isolamento pelas grandes potências. Mas como é a relação econômica e política com países próximos ideologicamente, como China, Vietnã, Cuba, Síria etc?
Existe uma relação comercial pública e outra “pela porta dos fundos”. A RPDC tem estado submetida a sanções desde a criação do país. E ainda que a maioria dos antigos países socialistas seja agora parte da maquinaria capitalista, tem seus próprios interesses comerciais. Com os países citados existe não só colaboração comercial, mas também militar.
E como são as relações políticas com esses países?
As relações são positivas e há uma maior cooperação do que com os outros países, porque em vários casos as populações lutaram juntas, como na Guerra do Vietnã contra os EUA ou na independência da China contra o império japonês.
No último dia 16 de agosto o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, declarou que o Brasil e outros países da América Latina deveriam romper relações com a RPDC. O que você diria ao povo brasileiro sobre isso? O que pensam o povo e o governo norte-coreanos sobre o Brasil e as relações entre esses dois países e povos?
Eu diria ao povo brasileiro [para se questionar] por que não tem direito a ser soberano e decidir independentemente sobre seu futuro e suas relações exteriores. É um insulto que o Sr. Pence se apresente em outros países e publicamente dê ordens aos povos do mundo. Isso demonstra até que ponto os EUA são um império e não lhes importa o que decidam os demais. Os cidadãos de cada país devem se levantar e exigir seu direito a controlar sua própria nação, e deixar de ser um instrumento da política dos outros.
As relações entre o Brasil e a RPD da Coreia foram avançando nos últimos anos. A abertura da Embaixada em Brasília é uma amostra da importância de tais relações e as possibilidades de colaboração entre ambas as nações. O Brasil pode ajudar muitíssimo a Coreia no tema agrícola, alimentar e florestal, e a Coreia pode ajudar na engenharia, tecnologias da informação e defesa.
A política da Coreia nas relações exteriores é: Independência, Paz e Amizade. Isso significa uma política de braços abertos, a não intervenção em assuntos internos e o respeito pelos outros povos.
Eduardo Vasco
Pravda.Ru
Ilustração: http://www.korea-dpr.com/gallery.html
http://port.pravda.ru/mundo/23-08-2017/43883-coreia_norte-0/