1917: A Nossa Revolução
Ney Nunes*
Um acontecimento que, decorrido um século, ainda provoca análises, debates e paixões ao redor do mundo, não pode, de forma alguma, ser desprezado, sob o risco de ficarmos prisioneiros da ignorância sobre o passado e da cegueira sobre o presente. A Revolução Russa de 1917 nasceu das profundezas de uma crise terminal do sistema autocrático vigente na Rússia, combinada e potencializada pela crise capitalista internacional que resultou na primeira Grande Guerra Mundial deflagrada em 1914.
O componente mais especificamente russo dessa crise já tinha se manifestado com força na revolução derrotada de 1905, quando a tirania do regime dos Czares foi colocada em cheque pela mobilização de camponeses e operários. Apesar da derrota da revolução, a sobrevida do regime dos Czares não teria longa duração: os reveses russos na guerra de 1914 e a situação miserável da maioria esmagadora do povo forneceram o combustível que reacendeu a chama que fora apagada pela repressão em 1905.
Mas nem só de revolta popular é tecida uma revolução vitoriosa, é preciso bem mais. A indignação e a disposição das massas para lutar necessitavam de uma base sólida. Essa base foi construída pela teoria marxista, pela estratégia e táticas elaboradas e levadas a prática por um disciplinado partido revolucionário que soube se ligar de forma orgânica ao proletariado russo. Esse partido nasceu da cisão no interior da social democracia, então a corrente política majoritária no movimento operário internacional, a partir das divergências sobre as concepções de construção e funcionamento do partido e também do posicionamento diante da primeira guerra mundial. No entendimento da maioria da sua direção, o partido russo não deveria se limitar às disputas eleitorais e às lutas por reformas no interior do capitalismo. Pelo contrário, compartilhavam a compreensão de que a violência da ditadura do capital só poderia ser derrotada por um partido centralizado e inserido em todas as lutas do proletariado, preparado para operar nas mais difíceis condições. Iniciada a guerra, Lenin e seus camaradas denunciaram o oportunismo da Internacional Socialista, que capitulou diante das suas burguesias nacionais e da guerra interimperialista.
A política bolchevique foi decisiva para que a revolução democrática de fevereiro avançasse em direção à revolução socialista de outubro. O desafio ao governo de conciliação de classes de Kerenski e ao regime democrático burguês não fazia parte do receituário das correntes reformistas. Sob o lema de Paz, Pão e Terra, o partido bolchevique soube articular as mobilizações de massa com a preparação militar para a tomada do poder. A revolução que despertou o temor e o ódio entre os governos burgueses, ao mesmo tempo, trouxe esperança para as massas exploradas do mundo, mas não tardou em receber o duro contragolpe do imperialismo em apoio aos latifundiários e burgueses russos. A sangrenta guerra civil de 1918-1920 tratou-se, na verdade, de uma abominável intervenção imperialista liderada pela Inglaterra, França, Estados Unidos e o Japão contra o governo dos operários e camponeses instaurado pela Revolução de 1917.
O comando da insurreição que derrubou o governo provisório e defendeu a revolução contra a intervenção estrangeira, o terrorismo e a sabotagem, garantindo a sua sobrevivência mesmo após o refluxo da situação revolucionária na Europa, em especial com a derrota da revolução alemã em 1919, foi obra de um partido dirigido por um coletivo de revolucionários que se mostrou à altura das gigantescas tarefas que estavam a sua frente. A História desse verdadeiro estado-maior da revolução, formado, entre outros, por: Lenin, Trotsky, Bukharin, Zinoviev, Kamenev, Smirnov, Tomsky, Sverdlov, Rykov, Piatakov, Rakovsky, Kollontai, Krupskaia, Smilga, Sokolnikov, Rudztak, Krestinski, Radek, Serebriakov, Ryutin, Preobrazhenski, Rosengoltz, Boguslavski, não pôde ser apagada, apesar de todas as tentativas levadas a cabo durante o período do grande retrocesso político consolidado na URSS a partir de 1930 e que teria seu capítulo final em 1991 com a desintegração da União Soviética e a restauração capitalista. Muitos dos integrantes desse estado-maior revolucionário pagaram com a própria vida pela sua fidelidade às bandeiras da revolução socialista, são nossos mestres. Nada foi em vão, o legado deles e da Revolução de 1917 são, ainda hoje, um patrimônio valioso para a classe trabalhadora e as massas exploradas pelo capitalismo em todo o mundo.
*Membro do Comitê Central do PCB