A atualidade da Revolução Russa
Rodrigo Lima*
(texto adaptado de artigo publicado na página do PCB em 10/11/2017, no ano do Centenário da Revolução Bolchevique)
A Revolução Russa modificou profundamente o século XX e a história da humanidade. A tomada do Palácio de Inverno pelos revolucionários russos, na madrugada do dia 25 de outubro de 1917 (07 de novembro no calendário ocidental), simbolizou a derrocada do governo provisório (dirigido pelos setores da burguesia russa, após a queda do regime Czarista) e a passagem do poder para os sovietes, sob a liderança do Partido Bolchevique, que teve como consequência a construção do primeiro Estado socialista do mundo.
Os ensinamentos dos revolucionários de 1917 seguem atuais para que possamos pensar saídas e alternativas que permitam romper o atual estado de coisas e superar a ofensiva capitalista que ataca a classe trabalhadora de forma brutal no mundo e, em particular, no Brasil.
Podemos destacar ao menos três fatores fundamentais para o sucesso da Revolução e que mantêm sua atualidade histórica para que sigamos pensando em processos de transformação social. A participação e a luta das mulheres, a organização da classe trabalhadora a partir da base e a presença de um programa político claro, baseado numa estratégia e tática orientadas pelo referencial teórico marxista, são elementos que devem ser resgatados e incorporados às lutas atuais.
A forte presença das mulheres trabalhadoras no processo revolucionário foi um dos fatores fundamentais na construção da Revolução Russa. Com o ingresso da Rússia na Primeira Guerra Mundial, a presença das mulheres nas fábricas, como força de trabalho assalariada, intensificou-se. Nos grandes centros urbanos o contingente de trabalhadoras cresceu vertiginosamente durante os anos do conflito e em 1917 já representava quase metade da força de trabalho nas cidades. Eram o segmento mais explorado e oprimido no conjunto do operariado, com salários e escolarização bem menores que as dos homens.
A participação feminina contribuiu decisivamente para a derrubada do regime czarista. Em fevereiro daquele ano, a partir de um levante das mulheres operárias de Petrogrado, ocorrido de forma espontânea, contra a participação da Rússia na guerra, por pão e melhores condições de vida, estourou um ciclo de greves que irradiou rapidamente pelas fábricas, convertendo-se num levante operário e popular que culminou com a derrubada do Czar.
Dentre as grandes conquistas da Revolução de Outubro, o avanço dos direitos das mulheres foi um dos mais importantes. A Rússia foi um dos primeiros países a aprovar o voto feminino, já em 1917. Com relação ao casamento, as mulheres passaram a ter os mesmos direitos dos homens, como o pedido de divórcio. O aborto foi legalizado em 1920, garantido pelo Estado, podendo ser realizado em hospitais públicos, gratuitamente. As mulheres também passaram a ter amplo acesso à educação e a salários iguais, além do acesso a uma rede de assistência social que garantia creches, refeitórios e lavanderias públicas que criavam as condições para a superação da dupla e tripla jornada de trabalho para as mulheres trabalhadoras. A emancipação e o protagonismo feminino avançaram de forma muito significativa na União Soviética.
O operariado russo foi um dos principais protagonistas no processo revolucionário. A Revolução não teria sido vitoriosa se não tivesse como base de sua sustentação os sovietes – ou conselhos – de operários, soldados e camponeses, que consistia em um rico e dinâmico processo de construção da democracia e do poder operário, construído desde a base e que possibilitou a consolidação de um contrapoder, em oposição ao Estado russo, seja durante o regime czarista, ou no período do governo provisório, liderado pela burguesia. Quando Lênin sinalizou em suas “Teses de Abril” que era preciso construir a Revolução Socialista, sem pactuações com a burguesia, o lema “Todo Poder aos Sovietes” significava a necessidade do controle do poder pela classe trabalhadora organizada.
Os sovietes tiveram sua origem com a Revolução de 1905, como expressão criativa da classe trabalhadora russa, que construiu um mecanismo de organização pela base, com representantes eleitos de forma direta e que funcionava a partir de deliberações tiradas em assembleias que aglutinavam os trabalhadores e as trabalhadoras em seu local de trabalho. Foi um mecanismo que surgiu como forma de organizar as greves e as mobilizações dos trabalhadores fabris, mas que rapidamente espalhou-se para o campo e também teve adesão pelos soldados.
Um mecanismo direto de exercício do poder popular, surgido como espécie de comitê de greves, mas que rapidamente evoluiu para uma forma de organização e mobilização da classe, avançando do debate específico das condições de vida e trabalho para a necessária transformação da sociedade.
Os sovietes, fundamentais para a Revolução Socialista, não teriam avançado tanto se não houvesse uma direção clara e um programa político que apontasse para a necessária superação do capitalismo e do regime político burguês na Rússia. Vários eram os grupos políticos organizados na Rússia pré-revolucionária. Mas foram os bolcheviques – ou comunistas – os que conseguiram desenvolver um programa revolucionário, que teve a adesão das massas em movimento, e conduziu ao processo revolucionário.
Baseados numa leitura marxista da realidade russa, os bolcheviques desenvolveram uma ampla elaboração teórica, ao analisar a formação do capitalismo e a luta de classes na especificidade russa, tomando a teoria de Karl Marx e Friedrich Engels não como um dogma, mas como um “guia para a ação”, como afirmava o próprio Lênin.
A partir de uma leitura criativa e dialética do contexto russo, os revolucionários de 1917 erigiram um programa que sustentava-se na possibilidade de construção da Revolução Socialista em um país como a Rússia, predominantemente rural no início do século XX e com um processo de industrialização e de desenvolvimento capitalista em uma escala bem menor que a encontrada nos países da Europa Ocidental. A aposta na classe operária, ainda incipiente na sociedade russa, como protagonista, em um contexto de acirramento da luta de classes, foi um fator fundamental para que os bolcheviques liderassem a luta política que conduziu à Revolução.
Isto só foi possível devido à constituição de uma organização partidária sólida, com forte enraizamento nas lutas sociais e com grande inserção nos meios operários. A partir da leitura da realidade, não como um espectador da luta de classes, mas sim como um ator inserido no movimento de massas, o partido bolchevique rompeu com as ilusões de construção de uma democracia burguesa, que emanava da Revolução de Fevereiro e, a partir do protagonismo da classe operária, sinalizou para a construção do socialismo.
As bandeiras de paz imediata, com a saída da Rússia da Primeira Guerra Mundial, de distribuição de terra para quem nela trabalha e de pão para alimentar os trabalhadores e trabalhadoras do país, mergulhados na pobreza e na exploração, foram os eixos programáticos que dialogaram diretamente com as demandas da classe. O lema “Paz, pão e terra” sintetizou um programa revolucionário, articulando e mediando uma estratégia socialista às lutas reais do povo, constituindo movimento revolucionário que abriu um novo capítulo na luta dos trabalhadores pela emancipação.
Devemos olhar para o passado não com ares de saudosismo ou de celebração, mas sim com os olhos voltados para o futuro. Que os ensinamentos dos revolucionários russos sigam vivos e nos permitam construir a alternativa socialista, como forma de superação histórica ao capitalismo, sistema que nos empurra para a barbárie. Outros Outubros virão!
*Rodrigo é servidor do Instituto Federal de Santa Catarina e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB).