120 anos de Eisenstein: cinema é revolução
Por Joaquim Ferreira*
A Revolução Soviética de 1917 é um dos acontecimentos mais marcantes do século XX. As dimensões sociais do antigo Império Russo foram solapadas e redimensionadas em torno do ideal socialista.O cinema teve a oportunidade não só de acompanhar a mudança, mas também de ele próprio filmar essa mudança com a eclosão de novas formas e conceitos estéticos. Nasce o cinema como arma de agitação política. Para Vladimir Lenin, o cinema era a mais importante das artes e foi logo colocado a serviço da revolução com a criação do Vsesoyuznyi Gosudarstvenyi Institut Kinematografii (VGIK), ou Instituto de Cinematografia de Todos os Estados da União, em 1919, a despeito das dificuldades encontradas durante a Guerra Contrarrevolucionária (1918-1921). Foi a primeira escola no mundo a profissionalizar a prática do cinema, e um de seus primeiro alunos foi Serguei Eisenstein, que transformou o cinema de entretenimento vazio em ferramenta política.
Nascido em 22 de janeiro de 1898 e falecido em 11 de fevereiro de 1948, Esisenstein revolucionou a linguagem cinematográfica e colocou a sua arte a serviço da Revolução Bolchevique. Filmes como “A Greve” (1924) e “Outubro” (1928) transmitiram o espírito revolucionário de sua época. Outro de seus filmes, “Alexandre Nevsky” (1938), sobre as invasões dos cavaleiros teutônicos durante a Idade Média, incentivou os soviéticos a resistirem ao ataque nazista na Segunda Guerra Mundial. No entanto, é com “O Encouraçado Potemkin”(1925) que Eisenstein revela todo a sua competência técnica e engajamento político , mostrando que arte e política podiam andar juntas. O ” Encouraçado Potemkin” registrou os vinte anos do levante ocorrido na cidade de Odessa contra o Czar Nicolau I durante as lutas de 1905, movimento considerado como o “Ensaio Geral” para a Revolução de 1917. O filme é considerado uma das melhores obras da história do cinema, e Eisenstein passou a figurar como um dos mais influentes diretores de todos os tempos.
No “Encouraçado Potemkin”, o ator principal é a própria tripulação do navio, símbolo do coletivo humano construído na transição de uma época para outra. A injunção de um herói coletivo em detrimento do vulgar herói individual do cinema norte-americano e a indicação dos inimigos de classe do proletariado (burguesia, oficiais militares, o czarismo, a Igreja Ortodoxa) são elementos que constroem a obra que é matriz do cinema engajado e revolucionário. O filme oferece elementos do cinema mudo tradicional, com intertítulos entre as cenas, imagens em preto-e-branco e trilha sonora pontuando o ritmo ora sombrio, ora mais agitado, como a célebre cena da escadaria de Odessa. A famosa cena da escadaria é um exemplo da emoção artística originada da combinação de plano e montagem, característica de Eisenstein.
Para contar essa história, o diretor soviético fez uso de recursos até então inéditos, a exemplo do “Efeito Kulechov”, derivado de Lev Kulechov, professor de Serguei Einsenstein na Escola de Filmes de Moscou. Eisenstein explicou que sua teoria cinematográfica – a “montagem das atrações” – apropriava-se da dialética marxista: propunha o choque da tese e da antítese, sua superação e geração de uma síntese. Os cortes são abruptos: ponto, contraponto, fusão, enquadramentos intimistas alternados com planos gerais radicais. Eisenstein considerava o impacto provocado por um filme pelo ritmo e não propriamente pelo enredo narrado. Afinal, o enredo – a História – estava no plano real, matéria-prima da filmagem. O chamado “Efeito Kulechov” mostrou que a arte cinematográfica é, sobretudo, montagem, mas sempre com a referência a um ponto e a um objetivo totalmente distintos de narrativas diletantes, fugidias, tão comuns nas produções eivadas de pós-modernismo.
A obra de Serguei Eisenstein, é verdade, merece mais estudos, exibições, criticas e análises. Contudo, as bases de um cinema engajado e político que abarque todas as dimensões da vida social foram lançadas. No centenário da Revolução Russa registramos também que o cinema tem um poder de transformação quando dialeticamente relaciona-se com a realidade, compartilhando emoções, impressões, desejos, expectativas e esperanças. O cinema é uma das mais valiosas formas de comunicação de massa, um dos meios mais eficazes para a difusão de mensagens. Nesse sentido, o cinema une e socializa, possibilitando reflexão para apreender a realidade e mudá-la. Assim “.. o cinema é único porque, no sentido pleno do termo, é um filho do socialismo… Num único ato cinematográfico, o filme funde o povo a um indivíduo, uma cidade a um país. Funde-os mediante mudança desconcertante e transferência, mediante o escorrer de uma lágrima…” (Serguei Eisenstein, 1939)
*Militante do PCB e coordenador do Cineclube Lumière- loucos por Cinema, Lumiar, Nova Friburgo-RJ.