“No Other Land”: a arte em prol do povo palestino
Documentário leva a questão da limpeza étnica sofrida pela Palestina a destaque na premiação do Oscar 2025
Por Fábio Bezerra – Professor de Filosofia, membro do Comitê Central do PCB e do Comitê Mineiro de Solidariedade ao Povo Palestino.
Pela primeira vez na história, um filme palestino ganha um Oscar na categoria de melhor documentário de Longa-Metragem.
O documentário sob o título em inglês “No Other Land” (Sem Chão) retrata a saga de uma família palestina e seus conterrâneos que são expulsos de seu pequeno vilarejo (Masafer Yatta) sob todas as formas de pressão política e agressões do Estado sionista de Israel.
As filmagens retratam as lembranças passadas e a dura luta presente de Basel Adra, um jovem jornalista palestino, que utiliza as redes sociais para denunciar diariamente o apartheid social, a discriminação, as arbitrariedades e todas as formas de violência física e psicológica a que seu povo é submetido, revelando as diversas formas de imposição e tentativa de subjugação das famílias do povoado, que resistem ao deslocamento forçado pelas forças de repressão do Estado.
Alguns críticos de cinema e pseudo-ativistas, afoitos em menosprezar a obra, não compreenderam que este filme pode nos ajudar a denunciar o sistema de limpeza étnica implementado há décadas por Israel.
Infelizmente, alguns desses “ativistas” em nome da Causa Palestina preferem focar suas críticas, no limiar da tentação antissemita, muito mais na participação de um jornalista israelense (Yuval Abraham), que também atua como um dos diretores do documentário, do que reconhecer a relevância que esse documentário possui, mesmo com suas limitações, no contexto de avanço das ameaças das forças imperialistas sobre a Palestina, em especial a população da Faixa de Gaza.
E a reação virulenta do governo sionista de Benjamin Netanyahu nas redes sociais é a demonstração de que eles sentiram o “golpe” da publicidade dessa premiação e o quanto isso perturba a propaganda sionista, que tenta justificar seus crimes de guerra.
O documentário destaca as cenas diárias de resistência e determinação inabaláveis dos moradores do pequeno vilarejo, que sabem que o intento de Israel é que eles desistam de permanecer em suas terras para, em sua ausência, estabelecer novos assentamentos ilegais de colonos judeus.
A premiação merecida, diga-se de passagem, amplia a visibilidade e a consequente agitação e propaganda pela Causa Palestina, nos proporcionando explorar alguns elementos do filme que ajudam a esclarecer, até às pessoas mais desinformadas, sobre as contradições de nosso tempo presente, e a compreensão sobre a catástrofe humanitária que vivencia o povo palestino.
As filmagens se iniciaram muito antes de 2024 e a priori parte desse material era utilizado nas redes sociais de Basel, como forma de denúncia e sensibilização da opinião pública, fato registrado em determinado momento com a visita inusitada do então primeiro-ministro britânico Tony Blair ao vilarejo que sofria diuturnamente demolições de casas palestinas, forçando seus habitantes a viverem em cavernas, em condições sub-humanas.
Nem mesmo uma pequena escola infantil e uma granja comunitária foram poupadas pelo terrorismo de Estado israelense.
Dentre tantas questões que podemos ressaltar nesse documentário, penso que há duas importantes mensagens que considero importantes em nossa jornada militante internacionalista.
A primeira delas é destacar e enaltecer o sentido da luta de resistência nacional; luta esta que reforça a identidade e a dignidade de um povo!
Essa lição é algo que não pode ser subtraído de toda a saga palestina retratada neste filme e que deve ser entendido como um manifesto pelo direito a uma existência digna que todo ser humano merece ter.
A cada protesto, a cada ato de rebeldia e a cada forma de burlar e resistir às arbitrariedades jurídicas do Estado sionista de Israel, o povo palestino reafirma sua dignidade humana, seu ímpeto e sua identidade nacional contra o colonialismo e, quando esses princípios se constituem como éthos de um povo, isso passa a determinar o sentido de sua existência e a razão de sua unidade.
Colocarmo-nos no lugar do povo palestino que bravamente resiste à violência diária de uma máquina de opressão e destruição, buscando sensibilizar o povo brasileiro de que essa mesma luta diária, pela sobrevivência, também faz parte de nossa história. Seja no passado contra a dominação colonial e a escravidão, seja no século XX contra o autoritarismo da ditadura empresariais-militares, seja no presente, sobretudo em tempos de conciliações e retrocessos, é algo que devemos buscar ressaltar, ressaltando as semelhanças das lutas de resistência contra o sistema opressor e seus agentes e destacando a importância de valorizar o direito a uma vida digna e livre.
Historicamente, todas as lutas de libertação nacional tiveram esse traço, como sendo o principal aspecto da resiliência revolucionária, necessária à superação das adversidades que a luta política, em condições desiguais, impõe aos que estão sendo subjugados e que optam pelo enfrentamento.
A valorização da luta e da resistência palestina é também uma forma de combate à alienação política e nos ajuda a conscientizar as gerações atuais e futuras. Possui desta forma um sentido pedagógico sobre a importância da resistência em se contrapor aos mecanismos de opressão e exploração que o sistema capitalista impõe à classe trabalhadora.
Outra mensagem importante é o uso das redes sociais como instrumento de denúncia e mobilização frente às agressões sionistas e a todo um complexo de (des)informação que a grande mídia imperialista coordena. Mídia esta que seleciona, recorta, dissimula e distorce os fatos e acontecimentos para manipular a opinião pública em nível mundial. E o jovem Basel protagoniza a importância dessa ação diária nas redes como forma de denúncia e sensibilização diante das desocupações forçadas em sua comunidade.
O documentário inclusive ressalta a importância do registro das filmagens como uma espécie de diário do holocausto vivenciado e da resistência palestina contra o colonialismo.
A batalha das ideias é constante e é a primeira batalha que se trava contra toda a ordem do sistema capitalista/imperialista, pois o senso comum é o reflexo da ideologia e de todas as manifestações de fetichização da vida política, mas isso não impede que as contradições possam ser exploradas e apresentadas em sua essência e dinâmica desumanas, revelando outra realidade e outra estrutura social.
Esse é um dos elementos fundamentais e um dos principais traços da militância internacionalista, ou seja, traduzir a solidariedade aos povos oprimidos em esclarecimento e combate às causas da sua opressão, o que nos leva ao necessário debate sobre a atualidade da crise do modo de produção capitalista e ao sistema imperialista em todo o mundo.
Não é possível uma ação internacionalista que não compreenda a solidariedade com a denúncia e o combate ao sionismo e ao imperialismo, pois ambos são as causas do holocausto palestino.
Se, por sua vez, esse último ponto não ficou devidamente destacado na película premiada com o Oscar, isso não impede que possamos explorar adequadamente essa questão, ampliando para além do tocante à moral, nossa crítica ideológica e política sobre a ocupação colonial em terras palestinas, os interesses estadunidenses com essa ocupação, o genocídio em curso e a importância que a Causa Palestina possui na luta anti-imperialista.
Por fim, a premiação com o Oscar de melhor documentário no formato Longa-Metragem, além de ser um reconhecimento da importância da questão palestina, reforça a campanha mundial pelo fim do genocídio, pelo fim da ocupação sionista nos territórios palestinos e o reconhecimento por um território autônomo e soberano para os palestinos.
Em um contexto conjuntural em que o recrudescimento das ameaças imperialistas são evidentes, principalmente após as declarações do presidente dos EUA, Donald Trump, que defende o deslocamento forçado de toda a população palestina de Gaza, e que conta com o apoio incondicional do governo israelense, é importante aproveitarmos esse feito da premiação e toda a atenção que o documentário passou a ter nas redes sociais e na mídia, para ampliar nossas ações de agitação e propaganda em torno da Causa Palestina.
Penso ser importante associar a divulgação desse documentário, aproveitando o destaque internacional, com a devida propaganda e agitação em torno da Causa Palestina, levando nossa mensagem de solidariedade.
É importante que todos os Comitês de Solidariedade à Palestina, sindicatos, associações de moradores, entidades estudantis e todas as organizações políticas que defendem o povo palestino possam ajudar na divulgação do documentário, sobretudo associando a palestras e debates que ressaltem o reconhecimento pela autodeterminação do povo palestino, a valorização da luta de libertação nacional, o fim do genocídio, a ruptura das relações comerciais do Brasil com Israel e a crítica ao imperialismo e ao sionismo, as principais causas do holocausto palestino que perdura mais de 76 anos.
Viva a Resistência do Povo Palestino!
Palestina Livre do Rio ao Mar!
Professor de Filosofia, membro do Comitê Central e do Comitê Mineiro de Solidariedade ao Povo Palestino.