O samba insubmisso da Vai-Vai
O SAMBA INSUBMISSO DA VAI-VAI: A VERDADE QUE INCOMODA
Secretaria Nacional de Lutas Antirracistas e Comitê Central do PCB
Com o samba-enredo “Capítulo 4, Versículo 3 – Da rua e do povo, o Hip Hop: um manifesto paulistano”, a Escola de Samba Vai-Vai prestou uma homenagem ao icônico grupo de rap Racionais MC’s, que retrata de forma contundente a realidade vivenciada pela juventude negra brasileira. O desfile utilizou como alegoria o álbum “Sobrevivendo no Inferno” (1997).
Na noite de sábado, 10/02, a Escola realizou o seu desfile no sambódromo do Anhembi e, na Ala denominada de “Sobrevivendo no Inferno”, apresentou de forma alegórica a polícia como é percebida pela periferia, onde ela não age para servir e proteger, mas para reprimir, coagir, espancar e assassinar, como bem demonstram os índices de mortalidade que atingem as comunidades de diversas localidades no Brasil.
O fato é que, ao retratar a realidade da repressão policial, que segue firme, atingindo a população negra na periferia, a polícia e os parlamentares da base bolsonarista tentam retaliar a Escola de Samba, apresentando mais uma vez o seu caráter autoritário e perseguidor.
A mobilização de delegados que pressionaram o Sindicato dos Policiais do Estado de São Paulo (Sindpesp) resultou no lançamento de uma nota de repúdio, afirmando que a Vai-Vai “afrontou as forças de segurança”, “tratou com escárnio a figura de agentes da lei” e desrespeitou “profissionais abnegados”. Porém, em nenhum momento a nota avaliou que a história das instituições de segurança é marcada por sangue da população negra.
Por sua vez, a base parlamentar bolsonarista tenta fazer pressão, perseguindo, através de instrumentos burocráticos, a Vai-Vai. Os deputados federais Dani Alonso e Capitão Augusto, ambos do PL, enviaram um ofício ao prefeito de São Paulo (SP) Ricardo Nunes (MDB) e ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), pedindo que a Vai-Vai não receba mais dinheiro público em 2025.
Nós, que fazemos parte da Secretaria de Lutas Antirracistas do Partido Comunista Brasileiro (PCB), repudiamos essa tentativa de censura e perseguição. A periferia está cansada de sofrer com a brutalidade e a repressão que mancham o solo do nosso país com sangue do povo negro.
Abaixo a censura, a retaliação econômica e a perseguição às manifestações populares que denunciam o que acontece nas periferias, onde a lei do silêncio tenta reinar.
Não vão nos calar!
Segue abaixo, na íntegra, a nota da Escola de Samba Vai-Vai:
“Neste contexto, foram feitos, ao longo do desfile, uma série de recortes históricos, como a semana de arte de 1922 e o lançamento do álbum “Sobrevivendo no Inferno”, dos Racionais MCs, em 1997. “Sobrevivendo no Inferno” é o segundo álbum de estúdio do grupo, lançado pelo selo da gravadora Cosa Nostra em 20 de dezembro de 1997.
É considerado o álbum mais importante do rap brasileiro. Em 2007, figurou na 14ª posição da lista dos 100 melhores discos da música brasileira pela Rolling Stone Brasil. Em 2018, o álbum foi incluído pela Comvest (Comissão Permanente para os Vestibulares da Universidade Estadual de Campinas) na lista de obras de leitura obrigatória para o vestibular da Unicamp a partir de 2020. Meses depois, a obra virou livro, publicado pela Companhia das Letras, tamanha sua relevância.
Segundo a Revista Rolling Stone Brasil, que ranqueou o álbum na 14ª posição da lista dos 100 melhores discos da música brasileira, “Sobrevivendo no Inferno colocou o rap no topo das paradas, vendendo mais de meio milhão de cópias. Racismo, miséria e desigualdade social — temas cutucados nos discos anteriores — são aqui expostos como uma grande ferida aberta, vide ‘Diário de um Detento’, inspirada na grande chacina do Carandiru”.
Ou seja, a ala retratada no desfile de sábado, da escola de samba Vai-Vai, à luz da liberdade e ludicidade que o carnaval permite, fez uma justa homenagem ao álbum e ao próprio Racionais Mcs, sem a intenção de promover qualquer tipo de ataque individualizado ou provocação, mas sim uma ala, como as outras 19 apresentadas pela escola, que homenageiam um movimento.
Vale ressaltar que, neste recorte histórico da década de 90, a segurança pública no estado de São Paulo era uma questão importante e latente, com índices altíssimos de mortalidade da população preta e periférica. Além disso, é de conhecimento público que os precursores do movimento hip hop no Brasil eram marginalizados e tratados como vagabundos, sofrendo repressão e, sendo presos, muitas vezes, apenas por dançarem e adotarem um estilo de vestimenta considerado inadequado pra época. O que a escola fez, na avenida, foi inserir o álbum e os acontecimentos históricos no contexto que eles ocorreram, no enredo do desfile.”
Imagem: Logo do enredo da Vai-Vai 2024. Reprodução/Vai-Vai