O PCB e o cinema brasileiro (3)

Leon Hiszman

Edmilson Costa

A explosão revolucionária dos anos 60

Para compreendermos o sentido revolucionário do Cinema Novo é importante atentarmos para a efervescência cultural da época, particularmente a primeira metade da década de 60 do século passado. A sociedade brasileira viveu, nesse período, o momento de maior politização, mobilização social e, ao mesmo tempo, a maior polarização com as forças conservadoras. Estavam em jogo nessa época dois projetos radicalmente divergentes: as reformas de base, um conjunto de iniciativas que buscavam favorecer as classes populares, mediante reformas estruturais que levariam à construção de uma economia próspera com distribuição de renda; e o projeto conservador, ligado aos interesses das classes dominantes brasileiras e do imperialismo. Foi um período particularmente ativo para os trabalhadores e as trabalhadoras da cidade, além dos/as camponeses/as, estudantes e intelectuais que reivindicavam a construção de um novo país.

O Brasil vivia ainda uma conjuntura marcada pela efervescência cultural e pelo desejo de mudanças, pela denúncia das contradições sociais que a industrialização dos anos 50 não conseguiu resolver. Nas cidades, o movimento sindical realizava grandes manifestações em defesa das reformas de base, o movimento estudantil lutava pelas reformas universitárias e por mais vagas para os estudantes, as Ligas Camponesas reivindicavam a reforma agrária e os intelectuais e artistas passaram a questionar os padrões artísticos tradicionais e reivindicar novas formas de expressão ligadas à realidade brasileira. Mesmo entre áreas militares existiam vários setores que reivindicavam o nacionalismo e também contestavam as relações de subserviência com os Estados Unidos.

Nesse contexto do Brasil dos anos 60, o Partido Comunista Brasileiro exercia uma forte influência entre intelectuais, artistas e trabalhadores da cultura e o cinema tornou-se uma das expressões mais férteis para a construção de uma arte com perspectiva crítica e engajada buscando exprimir a realidade brasileira. Intelectuais e artistas ligados ao PCB defendiam a necessidade de uma arte que expressasse as lutas do povo, as desigualdades sociais e a perspectiva da revolução brasileira. Foi nessa conjuntura em que se preparou o terreno para a emergência do Cinema Novo como um movimento de ruptura, reflexivo e engajado, disposto a expressar o Brasil real em sua plenitude, sem filtros ou adornos, e que via no cinema a possibilidade de conscientizar a população, engajar o público na discussão sobre os problemas do país na perspectiva das transformações sociais e políticas.

Entre as organizações mais icônicas influenciadas pelo PCB destacava-se o Centro Popular de Cultura (CPC), da União Nacional dos Estudantes. O CPC representou um dos movimentos mais audaciosos e expressivos da primeira metade dos anos 60, um coletivo que reunia intelectuais e artistas em geral com o objetivo de usar a arte como ferramenta de conscientização popular e transformação social. Em uma época de forte polarização social e política, o CPC estava na linha de frente cultural em busca de uma identidade mais engajada e politizada, inserida nas lutas populares. O CPC tinha uma abordagem que envolvia, teatro, cinema, música, literatura, artes visuais e buscava romper com os modelos estéticos e ideológicos tradicionais. Também foi um dos incubadores do Cinema Novo, não só lançando filmes como Cinco Vezes Favela, uma antologia de curtas metragens que retratavam a vida nas favelas e abordavam temas como a exploração, a pobreza e a luta pela dignidade humana, bem como atuando em todas as áreas da cultura junto às classes populares através da UNE Volante. Infelizmente, o golpe militar fechou o CPC, impedindo, através das armas, que pudesse expressar toda sua potencialidade.

Foi nesse caldeirão cultural que o Cinema Novo emergiu como força revolucionária em termos de estética, linguagem e concepção cinematográfica, marcando uma erupção criativa sem precedentes na história do audiovisual brasileiro. A relação entre forma e conteúdo tornou-se inseparável: a improvisação, a linguagem cinematográfica não linear, a montagem ousada, os enquadramentos inovadores, tudo isso servia para marcar o desejo de ruptura com o cinema de estúdio. O Cinema Novo não se limitava apenas a lançar um olhar sobre a realidade brasileira e a conscientização da população, mas buscava uma transformação total na forma de fazer cinema, onde a experimentação visual se fundia com uma poética revolucionária. Os cineastas do Cinema Novo não faziam uma arte apenas para entreter ou imitar o cinema da Europa e dos Estados Unidos: eles buscavam provocar, tornar visíveis as injustiças estruturais da sociedade brasileira, questionavam uma visão idílica que apresentava uma ilusão de modernidade no Brasil enquanto a maioria da população vivia na marginalidade social.

A revolução do Cinema Novo buscava revolucionar não apenas a estética e a linguagem cinematográfica, mas também englobava uma transformação na produção e na distribuição dos filmes. Como cinema de autor, a arte do Cinema Novo passou a ser feita com baixos orçamentos, fora dos estúdios, pescando na própria realidade os elementos da cena cinematográfica e muitas vezes tendo as pessoas da própria região como atores, o que significava apostar em uma produção independente e barata. A precariedade tornou-se a marca identitária do movimento (“a estética da fome”, como diria Glauber Rocha), simbolizando a resistência e a criatividade. Essa revolução cinematográfica, estética e ideológica, não só inspirou várias gerações de cineastas como atravessou fronteiras inspirando também movimentos semelhantes na América Latina, como o Nuevo Cine Latinoamericano e chegou mesmo a dialogar com a contracultura nos Estados Unidos e na Europa.

Como destaca Glauber Rocha, no manifesto Estética da Fome: “O cinema novo narrou, descreveu, poetizou, discursou, analisou, excitou os temas da fome: personagens comendo terra, personagens comendo raízes, personagens roubando para comer, personagens matando para comer, personagens fingindo para comer, personagens sujas, feias, descarnadas, morando em casas sujas, feias, escuras: foi essa galeria de famintos que identificou o cinema novo com o miserabilismo … Esse miserabilismo opõe-se à tendência do digestivo … filmes de gente rica, em casas bonitas, andando em automóveis de luxo; filmes alegres, cômicos, rápidos, sem mensagem e de objetivos puramente industriais. Esses são filmes que se opõem à fome como se, na estufa e nos apartamentos de luxo, os cineastas pudessem esconder a miséria moral de uma burguesia indefinida e frágil ou se mesmo os próprios materiais técnicos e cinematográficos pudessem esconder a fome que está enraizada na própria civilização. Como se, sobretudo, nesse aparato de paisagens tropicais pudesse ser disfarçada a indigência mental dos cineastas que fazem esse tipo de filme”.

Para Nelson Pereira dos Santos, o Cinema Novo representou a afirmação cultural do cinema brasileiro e transformou e deu ao cinema a categoria de expressão da cultura brasileira. “Esse é, aliás, o segundo movimento do qual participo: o primeiro, que iniciamos na década de 50, foi um movimento de crítica à situação objetiva de nosso cinema, à dependência do mercado brasileiro à importação indiscriminada do produto estrangeiro, à dependência do diretor brasileiro à mentalidade cinematográfica imperante em Hollywood e outros centros de produção”. Ou, como disse em outra entrevista: “O cinema novo representou a descolonização do cinema como o que tinha acontecido antes com a literatura”.

As fases do Cinema Novo

Não há concordância em relação às diversas fases do cinema novo. Alguns historiadores dividem sua trajetória em três fases, outros em duas. Nós entendemos que o Cinema Novo, enquanto movimento, está dividido em duas fases: a primeira que vai de 1960 a 1964 e a segunda de 1964 até o final de 1968, quando a ditadura impõe o AI-5, período a partir do qual o movimento deixa de atuar organizadamente, uma vez que cada um dos seus participantes tomou rumos diferentes. A partir do recrudescimento da ditadura, tornou-se cada vez mais difícil fazer o mesmo tipo de cinema no Brasil em consequência do aprofundamento da censura. Alguns cineastas, como Glauber Rocha, partiram para o exílio, em função da repressão, enquanto outros, para burlar a censura, começaram a fazer filmes mais alegóricos. A partir daí não se pode falar em movimento organizado do cinema novo como na década de 60.

Nosso objetivo neste ensaio não é fazer uma retrospectiva exaustiva dos filmes do Cinema Novo, mas apenas apontar aqueles que julgamos mais significativos do período e, principalmente, enfatizar o papel dos comunistas e simpatizantes que atuaram nesse movimento sob a orientação política e ideológica do PCB. Nesse sentido, vamos ordenar cronologicamente os principais filmes do Cinema Novo nas duas fases, nomeando os seus diretores e levando em conta a repercussão que os filmes obtiveram tanto do ponto de vista nacional quanto internacional, e depois faremos um indicativo dos cineastas ligados organicamente, simpatizantes ou influenciados pelo PCB na área do cinema nesse período, que é o objetivo principal desse texto.

Os primeiros quatro anos da década de 60 podem ser considerados o período heróico de construção do Cinema Novo, aquele momento em que esta arte cinematográfica brasileira velejou por mares nunca dantes navegados, não apenas pelo vigor criativo dos jovens cineastas, mas especialmente pelo papel transformador que desempenhou na cultura cinematográfica brasileira. A sensibilidade crítica e revolucionária desse período, com seu desejo de inovar e criar uma nova linguagem cinematográfica, marcou o Cinema Novo como uma vanguarda cultural alinhada com a realidade brasileira e o processo de transformação social. Um dado importante desse período é seu caráter coletivo e espírito de colaboração entre todos que compunham o movimento, o que permitiu ampliar o alcance do movimento, como uma arte de caráter popular em contraposição ao cinema tradicional.

A primeira fase

Como afirmamos anteriormente, o Cinema Novo foi precedido de alguns filmes que começaram a mudar a conjuntura do cinema brasileiro, tais como Agulha no Palheiro, de Alex Viany (1953); Rio 40 Graus; de Nelson Pereira dos Santos, este considerado o mais icônico do período; Rio Zona Norte (1958), do mesmo Nelson Pereira dos Santos; O Grande Momento (1958), de Roberto Santos; o curta-metragem Arraial do Cabo, de Paulo César Saraceni (recém-chegado da Itália após um ano e meio trabalhando com jovens realizadores daquele país); Mario Carneiro, em 1959, sobre uma vila de pescadores (quatro vezes premiado em festivais estrangeiros); Aruanda, também um curta, de Lindauro Noronha, de 1960 e Pátio, filme experimental de Glauber Rocha. Esses filmes, aliados aos debates e congressos realizados em São Paulo e no Rio de Janeiro, na primeira metade dos anos 50, constituíram-se no lastro a partir do qual surgiram as condições políticas e estéticas para o surgimento do Cinema Novo.

Em 1961, Nelson Pereira dos Santos lança Mandacaru Vermelho, um filme que conta a história de um romance proibido entre um vaqueiro camponês e uma mocinha. Também nesse mesmo ano Glauber Rocha lança Barravento, seu primeiro longa-metragem, que retrata uma aldeia de pescadores do litoral da Bahia e as tensões entre as estruturas religiosas e o desejo de emancipação humana. Ainda em 1961 são lançados dois filmes: Bahia de Todos os Santos, de Trigueirinho Neto, e A Grande Feira, de Roberto Pires, ambos focalizando a realidade de Salvador, na Bahia. Em 1962, Ruy Guerra lança Os Cafajestes, uma história de dois jovens de Copacabana que tramam um golpe para conseguir dinheiro através de chantagem.

Mas o filme de 1962, considerado uma das obras fundamentais do Cinema Novo, foi Cinco Vezes Favela, uma produção do Centro Popular de Cultura da UNE, com música, entre outros, de Carlos Lyra e Geraldo Vandré. O filme foi dividido em cinco episódios: Um Favelado, dirigido por Marcos Faria; Zé da Cachorra, direção de Miguel Borges; Couro de Gato, direção de Joaquim Pedro de Andrade; Escola de Samba, Alegria de Viver, direção de Carlos Diegues e Pedreira de São Diogo, direção de Leon Hirszman. Composto por histórias cômicas e trágicas, com a participação de jovens moradores das favelas, o filme conta a história do cotidiano dessas comunidades, buscando fugir dos estereótipos que costumam apresentar as favelas como locais de violência. Ainda em 1962, Paulo César Saraceni lança Porto das Caixas, baseado em argumento do escritor Lúcio Cardoso. Mesmo não pertencendo especificamente ao Cinema Novo, em 1962, Anselmo Duarte lançou O Pagador de Promessas, único filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro no Festival de Cannes, na França, e Roberto Farias dirige Assalto ao Trem Pagador.

Em 1963, o Cinema Novo amplia seu universo de bons filmes, com Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, baseado no romance de Graciliano Ramos; Ganga Zumba, de Carlos Diegues, baseado no romance de João Felício dos Santos; Sol Sobre a Lama, de Alex Viany, sobre uma comunidade pobre baiana que resiste à destruição da feira de Água de Meninos; Garrincha, Alegria do Povo, de Joaquim Pedro de Andrade, sobre a vida e os feitos no futebol do “demônio das pernas tortas”; Canalha em Crise, de Miguel Borges, interditado pela censura. Ainda em 1963, Ruy Guerra lança Os Fuzis, que retrata um grupo de soldados enviado para reprimir a população faminta na Bahia visando impedir que esta saqueie um armazém de alimentos.

Em 1964, Leon Hirszman lança o curta Maioria Absoluta, que retrata o cotidiano dos trabalhadores rurais analfabetos do Nordeste; Eduardo Coutinho inicia as filmagens de Cabra Marcado para Morrer, mas interrompe as filmagens com o golpe militar e só retoma muitos anos depois; Paulo Gil Soares dirige Memórias do Cangaço, sobre a saga dos cangaceiros nordestinos; e Glauber Rocha lança seu revolucionário filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, que conta a história de um vaqueiro que se revolta contra a exploração, mata o coronel numa briga, passa a ser perseguido pelos jagunços e depois se junta a um beato que promete o fim do sofrimento humano através da volta à religião mística. Ao final, um matador de aluguel a serviço das forças conservadoras extermina os seguidores do beato. Esse é um dos melhores e mais icônicos filmes do Cinema Novo.

A segunda fase

A segunda fase ocorre a partir do golpe militar que colocou o país numa ditadura que durou 21 anos, num ambiente de constante repressão, mas também de resistência cultural contra o regime opressor. Nessa fase, os cineastas do Cinema Novo podem ser caracterizados pela ampliação das temáticas e pelo aprofundamento da linguagem cinematográfica diante do contexto político da época, o que os levou a refletir sobre a violência, o autoritarismo, a resistência, mesmo que codificada, e os dilemas sobre o papel da arte cinematográfica. Foi um período difícil, mas muito criativo, em que o movimento amadurece, desafiando a censura, se posicionando contra a alienação e a repressão política e abordando temas do universo urbano. O Cinema Novo desse período foi também uma resposta estética e ideológica à opressão do regime militar, consolidando o cinema como uma ferramenta de expressão e resistência, e marcando profundamente a história cultural do Brasil.

Em 1965, os membros do Cinema Novo criaram a produtora e distribuidora Difilm, com objetivo de resolver os problemas de distribuição de suas obras cinematográficas. Um dos primeiros filmes a abordar os problemas e conflitos dos os cineastas do Cinema Novo e a ditadura foi O Desafio, de Paulo César Saraceni, “um diálogo entre o pensamento, as coisas concretas, o autor e o mundo … um canto rebelde e majestoso, segundo Rogério Sganzerla. Ainda em 1965 é lançado São Paulo S/A, um drama urbano de Luís Sérgio Person; Menino de Engenho, de Walter Lima Junior, adaptação do romance de José Lins do Rego; A Falecida, de Leon Hirszman, montado a partir de uma peça teatral de Nelson Rodrigues. Também de 1965 é lançado o icônico documentário Viramundo, de Geraldo Sarno, sobre os migrantes do Nordeste que vêm trabalhar nas grandes fábricas de São Paulo.

Em 1966, Joaquim Pedro de Andrade lança O Padre e a Moça, a partir de um texto de Carlos Drummond de Andrade; Carlos Diegues dirige A Grande Cidade, uma crônica urbana sobre o Rio de Janeiro. Um ano depois, Roberto Santos lança A Hora e a Vez de Augusto Matraga, baseado num conto de Guimarães Rosa; Glauber Rocha dirige Terra em Transe; Paulo Gil Soares lança Proezas do Satanás na Vila do Leva-e-Traz, contando a história de um pequeno vilarejo do Nordeste, onde alguém descobre petróleo na região e provoca a debandada da população para o local, com trilha sonora de Caetano Veloso; Leon Hirszman dirige Garota de Ipanema, sobre o mito e as angústias de uma jovem da Zona Sul do Rio de Janeiro.

O último ano em que se pode falar de um grupo organizado e com objetivos comuns é 1968, porque a partir do final do ano, com o AI-5, as condições políticas mudariam drasticamente, com a ampliação da censura e da repressão, inviabilizando os movimentos organizados de contestação, mesmo na área da cultura. Um dos filmes desse período é O Bravo Guerreiro, de Gustavo Dahl, sobre os dilemas de um jovem deputado radical que troca de partido buscando uma saída política pragmática, mas ao final sente a frustração por não poder ajudar os trabalhadores. Depois, Glauber Rocha lança O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, um filme que mistura temas sociais e políticos com religião, cordel, ópera e ritos folclóricos nordestinos; Maurício Capovilla lança Bebel a Garota Propaganda, baseado no romance de Luís Inácio de Loyola Brandão.

A partir daí, os cineastas deste movimento buscaram caminhos diversos tanto em termos da estética quanto da linguagem, ressaltando-se que em 1969 o governo militar criou a Embrafilme, buscando controlar a produção cinematográfica brasileira. A ditadura alterou a trajetória de vários diretores do Cinema Novo, forçando-os a buscar novas abordagens e linguagens, além de outras formas de expressão. Esse movimento de dispersão, em termos práticos, significou que aquela coesão que existia no período anterior não poderia ser mais exercida sob o autoritarismo. Ou seja, o AI-5 significou um ponto de inflexão que obrigou cada um a procurar o seu próprio caminho, em função dos limites à liberdade de criação.

Em 1969 Joaquim Pedro de Andrade lança Macunaíma, uma alegoria tropicalista baseada no livro de Mário de Andrade; Walter Lima Júnior dirige Brasil Ano 2000, sobre uma família de imigrantes que fica diante do dilema de se integrar ou permanecer com sua cultura; Maurício Capovilla lança O Profeta da Fome, sobre as aventuras de um faquir que trabalha em um circo decadente e faz mil peripécias para sobreviver; Vladimir Carvalho lança O País de São Saruê. Posteriormente, Nelson Pereira dos Santos dirige os filmes Como Era Gostoso o Meu Francês, Amuleto de Ogum e Memórias do Cárcere; Leon Hirszman dirige São Bernardo e depois Eles Não Usam Black Tie; Carlos Diegues, Xica da Silva e Bye Bye Brasil. Surgem novos diretores, como João Batista de Andrade, que lança Doramundo e depois O Homem Que Virou Suco; Hector Babenco dirige O Beijo da Mulher Aranha; Sergio Rezende, Lamarca; Bruno Barreto, Que é Isso Companheiro. Mais recentemente tivemos filmes importantes como Tropa de Elite, de José Padilha; Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, Central do Brasil, de Walter Salles e agora Ainda Estou Aqui, também de Walter Salles, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, culminando uma trajetória onde o cinema brasileiro consolida o reconhecimento internacional.

Como se pode observar, após o recrudescimento da repressão no Brasil, que atingiu profundamente todas as áreas da cultura, o cinema brasileiro exibiu um mosaico de diferentes formas, temas e estilos, e muitos filmes nacionais obtiveram reconhecimento internacional, alguns até indicados para o Oscar. Isso significa que o caminho construído por todos aqueles que desde os anos 40 buscaram construir um cinema com características brasileiras deram frutos. O cinema nacional hoje se afirma como uma arte que busca capturar a complexidade de um Brasil em constante transformação, com um cinema também buscando captar com novos olhares e novos estilos a realidade brasileira.

Os comunistas e o Cinema Novo

O Partido Comunista Brasileiro exerceu uma influência cultural determinante na década de 60, especialmente na primeira metade da década e particularmente no cinema. Nesse período, amplos setores da intelectualidade brasileira estavam alinhados com as ideias progressistas e de esquerda. Isso porque, nessa época, o país estava envolvido num processo de busca de mudanças estruturais da sociedade, tanto do ponto de vista social quanto político. Vivia-se uma efervescência política e cultural e buscava-se refletir sobre a realidade brasileira na busca de transformação da sociedade. Nessa perspectiva, o PCB, através de sua militância na área cultural e do prestígio político junto à intelectualidade, era uma força política aglutinadora que inspirava artistas e cineastas a repensarem a função social da arte, bem como de suas práticas culturais visando contribuir de maneira prática com o grande movimento progressista que lutava pelas reformas da base.

No que se refere especificamente ao cinema, um dos pilares do esforço do PCB junto aos jovens cineastas era aproximar a arte cinematográfica das massas, promovendo ações e narrativas para a construção de um cinema engajado e atento aos problemas do país, como já vinha fazendo embrionariamente desde meados da década de 40. Cineastas, roteiristas e críticos que gravitavam em torno do PCB defendiam que o cinema deveria ser uma ferramenta de conscientização das massas populares e de transformações sociais. Isso porque um cinema com essa tarefa formava um elo entre o público e os novos cineastas, criando assim uma cultura cinematográfica que, além de promover o debate e a conscientização, abria a perspectiva de contribuir para as transformações sociais no Brasil.

Um dos instrumentos em que a influência do PCB se tornou mais visível foi a formação do Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE e o movimento de cineclubismo que se espalhou por vários Estados do Brasil. “A UNE Volante semeou 12 filhotes do CPC nos quatro cantos do país”. Dirigidos por militantes do PCB nas várias áreas culturais e também no cinema, o CPC defendia a ideia de que a cultura deveria ser um campo de batalha ideológico, onde as classes populares poderiam ser conscientizadas e mobilizadas para a luta contra as classes dominantes, o latifúndio e o imperialismo na perspectiva da construção de uma nova sociedade. Para tanto, era fundamental a valorização da cultura popular como forma de resistência e identidade nacional que estivesse em sintonia com as lutas populares. Nesse sentido, os artistas e cineastas do PCB desenvolveram um intenso trabalho através da UNE Volante, que incluía teatro de rua, cinema militante, publicação de livros, promoção de cursos, debates e oficinas culturais, tudo isso com o objetivo de construir uma arte nacional e popular e formar uma nova consciência política.

Como define de maneira clara o Relatório do CPC da UNE de setembro de 1963, apresentado no I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular: “O CPC atua com o proletariado, com a intelectualidade e com a área estudantil … objetivando atingir as mais amplas massas. A tomada de consciência, por parte de artistas e intelectuais, da necessidade de se organizarem para atuar de forma mais eficaz e, consequentemente, na luta ideológica que se trava no seio da sociedade brasileira, levou-os a criar o Centro Popular de Cultura. Partindo dessa tomada de consciência o CPC se propõe, desde o seu nascimento, a levar a arte e a cultura ao povo, lançando mão de formas de comunicação de comprovada acessibilidade junto à grande massa e aprofundar nos demais níveis da arte e da cultura o conhecimento e a expressão da realidade brasileira. Não é propósito do CPC popularizar a cultura vigente, mas sim, através da arte e da informação, despertar a consciência política do povo”.

Nesse período também se espalhou pelo país o movimento cineclubista, que já vinha sendo realizado desde a década de 50 pelos militantes do PCB e cujo maior destaque foi o Cine Clube da Bahia, dirigido pelo comunista Walter da Silveira. No Rio de Janeiro participavam do movimento de cineclubes Leon Hirszman, Oduvaldo Viana Filho, Joaquim Pedro de Andrade, entre outros. Os cineclubes eram espaços de resistência e debates sobre o cinema. Os filmes apresentados geravam debates com a plateia e, além disso, contribuíam para criar um público crítico, que passava a enxergar o cinema não apenas como entretenimento, mas como ferramenta de educação popular, além de incentivar a formação dos jovens cineastas, que depois se transformaram em grandes diretores com a emergência do Cinema Novo. Em outros Estados o movimento cineclubista também se desenvolveu com grande expressividade, ampliando assim o alcance do cinema brasileiro.

Como se pode constatar, o PCB foi parte integrante da construção da história do cinema brasileiro, desde os anos 30 e teve papel fundamental na crítica, na formação, na divulgação, na produção cinematográfica e, especialmente, através de sua militância, na construção do cinema novo, apesar das tentativas de certos setores, tanto os reacionários quanto os pós-modernos fantasiados de esquerda, que sempre buscaram invisibilizar o papel do Partido no cinema brasileiro e, especialmente, na emergência do cinema novo. Nesta parte do ensaio vamos destacar os nomes dos militantes orgânicos do Partido que atuaram na área do cinema, bem como daqueles que foram simpatizantes e trabalharam sob a influência política do PCB.

Leon Hirszman, o guru do Cinema Novo

Carioca, Leon Hirszman, ao lado de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, teve uma contribuição fundamental para o CPC, tanto por seu papel agregador dos jovens cineastas da época, mas também por sua extensa obra. Comunista desde os 14 anos, Hirszman era uma espécie de líder entre os diretores cinematográficos que se juntaram no CPC e no Cinema Novo, como diz Nelson Pereira dos Santos: “O Leon era o dínamo da coisa. Ele tinha realmente a grande formação … (Era) o militante político mais influente … O meu guru era o Leon para qualquer questão política, mesmo geral. Votar em quem, Leon? Qual é o prefeito, qual o deputado?”. Hirszman contribuiu para definir o Cinema Novo como uma escola de pensamento cinematográfico, que buscava não só romper com o cinema tradicional, mas principalmente criar uma linguagem cinematográfica enraizada na realidade brasileira e que pudesse contribuir para as transformações sociais.

Outros cineastas também corroboram a influência de Hirszman na produção e articulação do Cinema Novo, como diz Cacá Diegues: “Cinema Novo deve a sua ideia fundamental a Nelson Pereira dos Santos, a sua utopia a Glauber Rocha, mas a sua articulação ao Leon. Foi ele quem articulou o Cinema Novo e quem não deixou o Cinema Novo acabar mais cedo. O Leon foi o maior articulador que o cinema brasileiro já fez … E o prestigiado cineasta italiano, Bernardo Bertolucci, acrescenta: Leon é daqueles casos bastante raros no qual é impossível separar o artista do homem. Porque, de um lado, ele falava de uma maneira tão visionária, tão politicamente avançada, era transgressivo, único. E tudo isso ia se fundir depois com aquele diretor, aquele artista que fazia filmes igualmente visionários e transgressores, exatamente como era o homem”.

O cinema de Hirszman sempre foi profundamente engajado, com uma sensibilidade poética e uma linguagem inovadora. Ele utilizava o cinema como uma ferramenta para denunciar as desigualdades e contradições da sociedade brasileira, com uma habilidade de capturar a realidade e um olhar atento para os aspectos humanos das histórias que contava ou documentava. Nos seus filmes descreve o desespero e a brutalidade da vida da população pobre, as lutas e os dilemas dos trabalhadores, a greve como instrumento de mudanças sociais, os desafios sociais enfrentados pelo Brasil, além de explorar os mitos da juventude da Zona Sul do Rio de Janeiro. Sua obra continua a ser estudada e admirada em todas as escolas de cinema do país, como um dos momentos mais ricos do cinema brasileiro.

Entre suas principais contribuições ao cinema estão, entre outros, o documentário Pedreira de São Diogo, do filme Cinco Vezes Favela do CPC; Maioria Absoluta, A Falecida, Garota de Ipanema, Imagens do Inconsciente, sobre a vida da médica comunista Nise da Silveira, Bahia de Todos os Sambas, em parceria com Paulo César Saraceni, e os clássicos São Bernardo e Eles Não Usam Black Tie, entre outros. Seus filmes receberam vários prêmios nacionais e internacionais. Logo quando começaram as greves do ABC, imediatamente Hirszman foi a São Bernardo do Campo filmar e acompanhar de perto o movimento, o que resultou em sua também clássica obra póstuma O ABC da Greve. Leon Hirszman faleceu ainda muito jovem, pouco antes de completar 50 anos, mas sua extensa obra cinematográfica ficará marcada como uma das mais proeminentes do cinema novo.

João Batista de Andrade e o homem que virou suco

O mineiro João Batista de Andrade começou na arte cinematográfica com o Grupo Quatro, da Escola Politécnica, do qual também participava, entre outros, Renato Tapajós e Antônio Benetazzo, este último assassinado no DOI-CODI após regressar de treinamento em Cuba. Seu trabalho no cinema começou como assistente de direção de um filme realizado para o movimento estudantil, dirigido por Tapajós, Universidade em Crise. Ex-dirigente do Comitê Regional do PCB de São Paulo no início dos anos 80, João Batista de Andrade trabalhou no telejornalismo da TV Cultura, de onde foi demitido por pressões políticas em 1974, na Rede Globo, onde fez documentários; também dirigiu a Ancine e foi secretário de Cultura no governo Alckmin.

João Batista de Andrade dirigiu vários documentários, entre os quais Wilsinho Galileia, Pauliceia Fantástica; Rua 6, Sem Número; Vida de Artista, além de Doramundo, a partir do romance de Geraldo Ferraz; o clássico O Homem que Virou Suco, sobre as peripécias dos nordestinos tentando sobreviver em São Paulo; O País dos Tenentes, sobre um general em crise pessoal que rememora sua participação nas revoluções tenentistas e Vlado, 30 anos depois, sobre a trajetória do jornalista Vladimir Herzog, uma homenagem ao amigo assassinado no DOI-CODI. Em uma entrevista a Pedro Galvão, fala sobre sua obra: “Fiz meus filmes em todo tipo de cenário e governo, nunca fui governista, fui militante do PCB, participei de outros movimentos, meus filmes sempre retratavam a ditadura de forma crítica”.

Wladimir Carvalho e o olhar sobre Brasília

Descendente de uma família de comunistas, o paraibano e comunista Vladimir Carvalho é considerado um dos mais aclamados documentaristas do país. Membro do CPC baiano, começou em 1962 com o filme Os Romeiros da Guia; em 1964 foi assistente de Eduardo Coutinho no filme Cabra Marcado para Morrer; em 1967 filmou A Bolandeira e, em 1971, dirigiu o clássico País de São Saruê, sobre a seca e a pobreza no Nordeste. Vladimir, no final dos 60 se mudou para Brasília para lecionar no curso de cinema da UNB e por lá filmou Conterrâneos Velhos de Guerra, no qual retratou a construção de Brasília pela ótica dos candangos; Barra 68 – Sem Perder a ternura, a respeito da invasão da Universidade de Brasília pela repressão; Rock Brasília, a Era de Ouro, sobre os roqueiros brasilienses; O Itinerário de Niemeyer, entre outros; e mais recentemente Giocondo, o Ilustre Clandestino, sobre a vida e o esquema para retirar clandestinamente do país o ex-secretário-geral do PCB. Foi o mestre de gerações de diretores na capital federal.

Guido Araújo e as jornadas do cinema em Salvador

O baiano Guido Araújo, um velho comunista com ligações internacionais, estudou e viveu na Tchecoslováquia por quase oito anos. Na década de 60 participou do Coletivo Moacyr Fenelon, trabalhou com Nelson Pereira dos Santos em Rio 40 Graus e Rio Zona Norte. De volta à Bahia, em 1971 ingressou como professor na Faculdade de Comunicação da UFBA, onde permaneceu até 1999, tendo criado ali o Grupo Experimental do Cinema. Entre 1972 e 2008 Guido Araújo dirigiu por mais de três décadas a Jornada Internacional do Cinema da Bahia, um dos mais importantes encontros do cinema brasileiro. Responsável pela formação de várias gerações de cineastas baianos, Guido é considerado um dos maiores idealizadores do cinema documental etnográfico. Dirigiu, entre outros, os filmes Feira da Banana, Moragopinho, A Morte das Velas do Recôncavo, Lambada em Porto Seguro, Raso da Catarina e Festa de São João no Interior da Bahia. Em sua homenagem foi realizado o documentário sobre sua trajetória, O Senhor das Jornadas, de Jorge Alfredo Guimarães.

Eduardo Coutinho e o cabra marcado para morrer

O paulistano Eduardo Coutinho, que militou no PCB de 1963 a 1967, é considerado um dos maiores documentaristas brasileiros de todos os tempos. Estudou cinema na França na década de 50 e na década de 60 ingressou no Centro Popular de Cultura (CPC), tendo sido gerente de produção do filme Cinco Vezes Favela. Ainda na década de 60 montou, junto com Marcos Faria e Leon Hirszman, a produtora Saga Filmes e roteirizou A Falecida e Garota de Ipanema, ambos de Hirszman. Coutinho também trabalhou vários anos no Globo Repórter da TV Globo. Sua obra prima é Cabra Marcado para Morrer, que começou a filmar antes do golpe de 1964, mas só em 1984 conseguiu lançar esse documentário icônico, premiado nacional e internacionalmente. Entre suas principais obras estão O Homem que Comprou o Mundo; Edifício Master, que ganhou o Kikito de Cristal; Santo Forte; Babilônia 2000; Jogo de Cena; Santa Marta, Duas Semanas no Morro; Volta Redonda, Memorial da Greve; Romeiro de Padre Cícero; Boca do Lixo, entre outros . É um dos cineastas mais premiados do país. Morreu aos 80 anos, assassinado pelo próprio filho.

Miguel Borges, cinema de autor dentro do esquema comercial

O piauiense Miguel Borges, que militou no PCB por vários anos, começou a sua carreira ainda bem jovem, sendo um dos pioneiros do Cinema Novo quando dirigiu o curta Zé da Cachorra, do histórico filme Cinco Vezes Favela do CPC da UNE. Borges exerceu também o jornalismo, a crítica de arte e foi presidente do Conselho Nacional do Cinema – Concine, além de presidente do Sindicato dos Produtores Cinematográficos do Rio de Janeiro. Entre suas obras, além do documentário do CPC, destacam-se O Caso Cláudia, Pecado na Sacristia, Perpétua Contra o Esquadrão da Morte, O Último Malandro, Barão Otelo no Barato dos Bilhões, As Escandalosas, Maria Bonita, Rainha do Cangaço, Canalhas em Crise, além dos curtas O Jovem e o Mar, A Festa da Maldição e, para a Rede Globo, A Lavagem de Cristo e O Balé do Beija Flor, entre outros. “A partir de Cinco Vezes Favela me apaixonei pelo ato de filmar, meu negócio no cinema é filmar”, diz em sua biografia.” Para Antônio Leão da Silva Neto, biógrafo do cineasta, “conhecer a história de Miguel é conhecer uma parte importante da história do nosso cinema, a partir do Cinema Novo, movimento que ele ajudou a fundar”.

Denoy de Oliveira, artista premiado

Militante do PCB na década de 60, o paraense Denoy de Oliveira foi membro do CPC e também ator premiado (A Hora da Estrela, Doramundo, O Homem que Virou Suco, entre outros) compositor, produtor, roteirista e diretor de cinema. Integrou o grupo de teatro Opinião, sendo um de seus fundadores e atuou nos célebres espetáculos Liberdade, Liberdade, Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come. Denoy estreou como diretor em 1973, com o filme Amante Muito Louca, que ganhou o troféu Kikito de Ouro no Festival de Cinema de Gramado como melhor diretor. Seu outro filme, A Grande Noitada, foi também premiado no Festival de Cinema de Brasília. Dirigiu ainda outras obras cinematográficas como O Baiano Fantasma, O Amigo do Super Homem, Sete Dias de Agonia. Em sua homenagem, a União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo deu o nome de seu teatro (Teatro Denoy de Oliveira) a este premiado ator e diretor de cinema. Ex-presidente da Associação Paulista de Cineastas, Denoy de Oliveira morreu de parada cardíaca aos 65 anos.

Geraldo Sarno, pioneiro do Cinema Novo

O baiano Geraldo Sarno, “cineasta comunista, originário do CPC baiano”, foi um dos pioneiros do Cinema Novo, autor do célebre documentário Viramundo, com música de Caetano Veloso e letra de Capinam, sobre a migração nordestina para São Paulo. Realizou também filmes sobre a reforma agrária, como Mutirão em Novo Sol, perdido após o golpe militar. Dirigiu ainda vários filmes e documentários, entre os quais Coronel Delmiro Gouveia, Viva Cariri, A Terra Queima, Eu carrego o Serão Dentro de Mim, Padre Cícero, e os premiadíssimos Tudo Isso Parece Um Sonho (prêmio de melhor direção do Festival de Cinema de Brasília) e O Último Romance de Balzac (prêmio especial do júri do Festival de Cinema de Gramado). Seu último trabalho foi A Linguagem do Cinema, documentário com entrevista com vários diretores brasileiros de cinema.

Simpatizantes e área de influência do PCB no cinema

Joaquim Pedro, sarcástico, genial e perfeccionista

Descendente de família aristocrática, Joaquim Pedro de Andrade (“comuna também, mas mantém a classe”) é também um dos pioneiros do Cinema Novo, com seu documentário Couro de Gato para o filme Cinco Vezes Favela. Em 1958 foi assistente de direção do comunista Geraldo Santos Pereira no filme Rebelião em Vila Rica e no curta Caminhos de Paulo César Saraceni. Depois de ter filmado no Brasil O Poeta do Castelo, sobre a vida de Manoel Bandeira, e O Mestre de Apipucos, sobre Gilberto Freyre, foi estudar cinema em Paris. De volta ao Brasil dirigiu, em 1963, Garrincha, Alegria do Povo e depois O Padre e a Moça, O Homem do Paul Brasil, Brasília, Contradições de Uma Cidade, Os Inconfidentes, Guerra Conjugal, entre outros. Preso por protestar contra a ditadura, junto com outros intelectuais, é autor do icônico e premiadíssimo Macunaíma, um dos maiores sucessos de público do cinema brasileiro. Joaquim Pedro é considerado um dos mais geniais diretores cinematográficos brasileiros. Morreu aos 56 anos, vítima de câncer.

Thomaz Farkas, empresário, produtor e cineasta vermelho

Thomaz Farkas, “fotógrafo e empresário comunista nascido na Hungria”, se dividia entre a fotografia (era proprietário da Fotótica, que herdou do pai) e o cinema. Após o golpe militar, Farkas reuniu, com recursos próprios, um grupo de cineastas para filmar a cultura popular no Brasil e buscar registrar as origens da cultura brasileira. O conjunto desses documentários que produziu resultaram da famosa Caravana Farkas, reunidos no longa-metragem Brasil Verdade. Esses são os seguintes filmes da primeira série: Memórias do Cangaço, dirigido por Paulo Gil Soares; Subterrâneos do Futebol, por Mauricio Capovilla; Nossa Escola de Samba, por Manoel Gimenez; e Viramundo, por Geraldo Sarno. Após sua prisão pelo DOI-CODI, em 1969, retoma a produção de documentários, entre os quais Vaquejada; Vitalino Lampião; Frei Damião, Trombeta dos Aflitos, Martelo dos Hereges; Casa de Farinha, entre outros, incluídos na segunda série série A Condição Brasileira. Farkas também foi professor do Departamento de Cinema da ECA-USP e produziu 38 documentários, dos quais dirigiu três deles. Farkas morreu aos 86 anos.

Marcos Farias e o Fogo Morto

O catarinense Marcos Farias, “comuna fundamentalista” foi também um dos pioneiros do Cinema Novo e participou com o documentário Um Favelado, do histórico filme do CPC Cinco Vezes Favela. Esteve ligado ao cinema desde os tempos de estudante, quando fundou, com Miguel Borges, o cineclube na Faculdade de Administração do Rio de Janeiro. Ativo membro do Cinema Novo, Marcos Faria, além do filme que fez para o CPC, dirigiu Sexto Páreo, A Vingança dos Doze, A Cartomante, Tem Bububu no Bobobó, e o clássico Fogo Morto, que retrata o declínio dos engenhos de açúcar do Nordeste, baseado em obra de José Lins do Rego. Marcos Farias foi um ativo batalhador na Cooperativa Brasileira dos Cineastas. Também é considerado um histórico do Cinema Novo e um batalhador em defesa do cinema brasileiro. Morreu aos 50 anos, em 1985. Em sua homenagem foi realizada o longa metragem Olhar de um Cineasta, com depoimentos de Nelson Pereira dos Santos, Carlos, Diegues, Eduardo Coutinho e Paulo Cezar Saraceni.

Paulo Cezar Saraceni, um marco no Cinema Novo

Paulo Cezar Saraceni foi um dos nomes mais importantes do Cinema Novo, também da turma do CPC. Estudou no Centro Experimental de Cinema em Roma, onde realizou filmes para a TV Italiana. Saraceni foi atleta e chegou a jogar no time juvenil do Fluminense. Antes de viajar para a Itália, já era considerado um histórico do cinema por seu documentário Arraial do Cabo, de 1959, que inspirou uma estética para o Cinema Novo. Ao voltar ao Brasil, Saraceni dirigiu o elogiadíssimo Porto das Caixas (1962) e, posteriormente, em 1965, dirigiu o icônico O Desafio, uma reflexão sobre o Brasil pós-ditadura. “Na época, o filme foi celebrado por alguns cineastas do Cinema Novo como o segundo marco do movimento depois de Deus e o Diabo na Terra do Sol.” Saraceni dirigiu, entre outros, vários filmes como A Casa Assassinada, adaptação do romance de Lúcio Cardoso, Ao Sul do Meu Corpo, Bahia de Todos os Sambas e O Gerente, este último baseado em um conto de Carlos Drummond de Andrade, seu último filme. Em 1993 lançou o livro Por Dentro do Cinema Novo: Minha Viagem, onde narra sua trajetória cinematográfica e vida pessoal. Saraceni morreu em 2012, aos 78 anos.

Maurice Capovilla, cineasta versátil

O paulista Maurice Capovilla militou por pouco tempo no tempo no PCB, no início da década de 60. “Entrei para o partido em 1961, por causa da minha atuação na USP e junto ao Arena. Participei da criação do núcleo paulista do Centro Popular de Cultura, o CPC, ligado à União Estadual dos Estudantes” conta em sua biografia . Começou como jornalista e trabalhou também na TV como documentarista. Entre os seus principais filmes destaca-se União, sobre os operários da construção civil; Meninos do Tietê, Subterrâneos do Futebol e os longas Bebel, Garota Propaganda, adaptação de obra de Ignácio de Loyola Brandão; O Profeta da Fome; Harmada, O Boi Misterioso e o Vaqueiro Menino; O Jogo da Vida; além de telenovelas para a TV. Como diz seu biógrafo, Carlos Alberto Mattos: “Num trajeto de mais de 40 anos, realizou documentários, filmes de ficção, programas musicais, telenovelas, telefilmes (área em que foi pioneiro no Brasil), minisséries, institucionais, etc. Colaborou em filmes de amigos, ajudou a criar TVs comunitárias e orientou uma infinidade de jovens nos misteres de uma arte sempre crítica, reflexiva, e focada no povo brasileiro”.

Como se pode observar, o Partido Comunista Brasileiro teve um papel determinante na construção da cinematografia brasileira e foi fundamental na construção do alicerce que fundamentou um cinema moderno e avançado com características brasileiras. Todos os cineastas elencados neste ensaio estiveram de alguma forma ligados ao PCB: alguns militaram a vida inteira, outros apenas alguns anos e outros trabalharam a partir da política e das formulações do Partido. Parodiando o poeta, podemos dizer tranquilamente: quem escrever a história do cinema brasileiro e não ressaltar o papel fundamental do PCB nesse processo ou não entende da arte – ou estará mentindo.

(Fim)

Leia as partes 1 e 2:

O PCB e o cinema brasileiro (1)

O PCB e o cinema brasileiro (2)

Edmilson Costa é poeta, doutor em economia pela Unicamp e secretário-geral do PCB.