O BC a serviço dos rentistas e da recessão

Edmilson Costa – é doutor em economia pela Unicamp e secretário geral do PCB

O Banco Central (BC) aumentou pela quarta vez em um ponto percentual a taxa básica de juros, a Selic, mantendo o Brasil como um dos campeões mundiais de juros altos. Essa é a segunda vez que o presidente Gabriel Galípolo, nomeado pelo presidente Lula, aumenta os juros em um ponto percentual, cumprindo fielmente o que tinha sido estipulado pelo antigo presidente indicado por Bolsonaro, Roberto Campos Neto. Desta vez não se registrou nenhum protesto retórico de Lula. Pelo contrário, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi à Globo News justificar a medida tomada pelo BC, afirmando que esses dois aumentos já estavam “contratados” pelo antigo presidente e que Galípolo não poderia dar um cavalo de pau na economia.

Com esse novo aumento, o Banco Central se consolida como a máquina de transferência de recursos do fundo público para os rentistas. Se levarmos em conta que nas quatro últimas reuniões do Comitê de Política Monetária, a taxa Selic foi aumentada em um ponto percentual em cada uma delas (Tabela 1), somente nesse período a oligarquia financeira embolsará cerca de R$ 280 bilhões, uma quantia maior que os orçamentos da educação e cultura. Trata-se na verdade de um saque explícito pois, como já afirmamos em outras oportunidades, o aumento dos juros não controla os preços externos das mercadorias que importamos nem os problemas climáticos, serve apenas para colocar a economia em recessão e enriquecer os abutres financeiros.

Tabela 1. Evolução da taxa Selic no governo Lula – 2022-2023

Data da reunião

Taxa Selic

Data da reunião

Taxa Selic

19/03/2025

14,25

31/01/2024

11,25

29/01/2025

13,25

13/12/2023

11,75

11/12/2024

12,25

01/11/2023

12,25

06/11/2024

11,25

20/09/2023

12,75

18/09/2024

10,75

02/08/2023

13,25

31/07/2024

10,50

21/06/2023

13,75

19/06/2024

10,50

03/05/2023

13,75

08/05/2024

10,50

22/03/2023

13,75

20/03/2024

10,75

01/02/2023

13,75

Fonte: Banco Central.

Mais impressionantes são as justificativas do Copom para o aumento dos juros e a forma sem cerimônia como se submetem aos banqueiros e comemoram a desaceleração da economia. Eles afirmam que o ambiente continua desafiador e que os indicadores da atividade econômica e do mercado de trabalho estão crescendo, o que exige uma política monetária contracionista para a queda na atividade econômica e do emprego. E com a maior cara de pau ainda preveem um novo aumento das taxas de juros (“um ajuste de menor magnitude na próxima reunião”) para alcançar o compromisso da convergência da inflação à meta estabelecida. Ou seja, a nova diretoria do BC está alinhada com a política ortodoxa e quem esperava uma mudança de rumo, porque a maioria de seus integrantes foi nomeada por Lula, deve estar profundamente decepcionado.

 

O ministro da economia, ao afirmar que os dois aumentos realizados pela nova administração estavam “contratados”, está apenas confirmando sua submissão à Faria Lima, uma vez que esses diretores tinham todas as condições para reverter essa aberração ortodoxa. Afinal, nada justifica uma taxa de juros de 14,25% (com viés de alta em futuro próximo), com a projeção de uma inflação de 5,6%, a não ser jogar o país na recessão e no desemprego. Esse “contrato” de que fala o ministro não é nada mais nada menos do que a continuidade da política do período Campos Neto e poderíamos perguntar ao ministro: e o novo aumento anunciado pelo BC significa um novo “contrato” com a oligarquia financeira?

 

É importante esclarecer para as pessoas as armadilhas nas quais a política neoliberal colocou os governos que se submetem às suas regras. Elas procuram estabelecer uma meta de inflação inatingível, especialmente nos países periféricos, que precisam de investimentos públicos para corrigir as imensas desigualdades sociais. Como essa meta não pode ser alcançada, conforme se pode verificar nos últimos tempos, então os agiotas e seus aparatos de comunicação começam a dizer que a meta não foi alcançada porque o governo gastou mais do que arrecadou, que as pessoas estão consumindo mais do que a capacidade de produção da economia e que o país cresceu mais do que sua capacidade.

 

Dessa forma, reivindicam os aumentos nas taxas de juro e corte nos investimentos sociais para que a economia se desaqueça e a inflação se estabilize. Trata-se de um conto de fadas: primeiro, porque juro alto apenas deprime a economia e enche os bolsos dos rentistas; segundo, porque cortes nos gastos sociais serve apenas para ampliar as desigualdades sociais e a miséria da população; e terceiro, num país onde cerca de 67%% da população ganha até dois salários mínimos (Tabela 2), afirmar que essa população está esbanjando consumo é um atentado à inteligência das pessoas. Por isso que a oligarquia financeira brigou tanto pela independência do Banco Central, porque com esse instrumento independente torna-se um passeio colocá-lo a serviço de seus interesses, como vem acontecendo.

Tabela 2. Trabalhadores brasileiros por renda – 2022

Salário Mínimo (SM) Milhões de pessoas

(%)

1 Salário mínimo 34,766

35,63

1 a 2 Salário Mínimos 30,798

31,56

Acima de 2 SM 32.009

32,81

Fonte: O Globo, 2022, com base em dados da LCA Consultores

O mais dramático nessa conjuntura adversa é o fato de o ministro da fazenda, na entrevista à Globo News, ter a coragem de se vangloriar da façanha de que o governo está fazendo o dever de casa e que o arrocho fiscal e monetário realizado no Brasil foi reconhecido até pelo Fundo Monetário Internacional. Ele se referia ao fato de que o chamado mercado esperava um déficit de 0,8% do PIB e as autoridades econômicas conseguiram reduzi-lo para 0,1% do produto, a partir do arcabouço fiscal e do pacote que reduziu o reajuste do salário mínimo e atacou os setores mais pobres da população brasileira.

A partir de agora o governo Lula não pode mais argumentar que as taxas de juros estão altas porque um presidente do Banco Central, nomeado por Bolsonaro, quer sabotar seu governo. Lula tem a integralidade dos componentes do Conselho Monetário Nacional, que é quem define a estratégia da política econômica. A grande maioria dos integrantes da diretoria do Banco Central foi nomeada por Lula e, portanto, tem todas as condições de implementar uma política diferente da que vinha sendo realizada por Campos Neto. Essa história de que as taxas já estavam contratadas é uma falácia, tanto que o BC já prevê novo aumento de juro na próxima reunião do Copom.

Na verdade, a política ortodoxa desenvolvida pelo Banco Central confirma mais uma vez o divórcio entre a política monetária e fiscal restritiva e as necessidades reais da economia, porque está baseada num diagnóstico incorreto. A narrativa de que a inflação deve ser combatida com o aumento de juros é uma equação simplista, quase religiosa, um modelo anacrônico que ignora a realidade dos fatos e a complexidade da economia brasileira. Juros altos numa economia como a brasileira é muito semelhante a um paciente que só consegue sobreviver com doses cada vez maiores de medicamentos venenosos.

Em outros termos, o Banco Central está operando como um comitê central dos interesses do sistema financeiro, com o objetivo de preservar a rentabilidade de suas aplicações financeiras. Afinal, numa conjuntura de crescimento moderado do PIB, elevado nível de informalidade, queda nos investimentos públicos e privados e imensa desigualdade social, elevar as taxas de juros é apostar deliberadamente na recessão da economia, com retração do consumo, do emprego, do crédito, no estrangulamento da demanda agregada e na ampliação das desigualdades sociais. Essa política não só deteriora o orçamento público, como aumenta aceleradamente o estoque e o serviço da dívida, tornando o país refém do parasitismo financeiro.

Ao contrário do que costumam afirmar os apologistas da ortodoxia econômica, que buscam classificar as decisões do Banco Central como “estritamente técnicas”, esta também é uma narrativa falaciosa. Essas decisões têm caráter político e ideológico, uma vez que privilegiam um segmento muito pequeno de milionários em detrimento do bem estar da grande maioria da população. Por isso, a independência do Banco Central transforma essa instituição num órgão tecnocrático que responde apenas aos interesses do mercado, desconsiderando as reais necessidades da população brasileira.

Para termos uma ideia da extraordinária sangria de recursos do fundo público para os cofres dos rentistas, basta conferir os dados da tabela 3. Entre 2020 e 2024 o Brasil acumulou juros no total de 3 trilhões de reais, uma soma tão astronômica que daria para resolver os principais problemas sociais do país, mas que foi apropriada pela oligarquia financeira. Por isso, torna-se inconcebível que um governo oriundo de um partido que se proclama dos trabalhadores continue dando prosseguimento a uma política tão desastrosa para a economia e o povo brasileiro.

Tabela 3. Pagamento de juros da dívida interna e percentual do PIB (R$ milhões)

Ano

Juros

PIB (%)

2020

312,4

4,11

2021

448,4

4,98

2022

586,4

5,82

2023

718,3

6,56

2024

950,4

8,05

Total

3.015,9

Fonte: Banco Central