Brasil, uma economia de baixos salários

Edmilson Costa*

O governo Lula e os meios de comunicação anunciaram com estardalhaço que o desemprego no Brasil caiu para 5,8%, o menor índice em toda série histórica aferida no país desde 2012. Ao mesmo tempo, anunciaram que a renda dos trabalhadores estava aumentando e a pobreza diminuindo em função da política econômica do governo. Alguns economistas ligados ao PT chegaram mesmo a dizer que a economia vai tão bem que já atingimos o pleno emprego. Muitos companheiros e companheiras de esquerda, por certa preguiça em investigar mais a fundo o problema, estão comprando os dados como se espelhassem efetivamente a realidade plena do mercado de trabalho. No entanto, esses resultados estatísticos, apesar de não corresponderem propriamente a uma inverdade, não representam exatamente à situação real da classe trabalhadora brasileira em termos de emprego e renda, uma vez que o desemprego envolve milhões de trabalhadores e trabalhadoras e os salários no Brasil são considerados dos mais baixos do mundo industrializado, tão baixos que o Brasil é conhecido internacionalmente como uma economia de baixos salários. Nesse contexto, podemos dizer que a classe trabalhadora sustenta o crescimento da economia mediante a superexploração e o endividamento, que este ano já atinge mais de dois terços das famílias, sendo que o comprometimento médio com a renda é de 27,9%, segundo o Banco Central.

O Brasil atual vive uma situação muito próxima daquela que Marx certa vez advertiu: se a aparência dos fenômenos correspondesse à essência, não era necessária a ciência, o que significa que nem sempre a aparência das coisas corresponde aos fatos.[1] Em termos reais, os números divulgados pelo governo podem ser considerados uma ilusão estatística, pois escondem uma realidade diferente do que ocorre efetivamente no mercado de trabalho. Senão vejamos: segundo a PNAD Contínua de abril-maio-junho de 2025, os 5,8% de desempregados e desempregadas correspondem a uma população desocupada de 6,3 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, numa população de 102,3 milhões de ocupados e ocupadas, enquanto outros 2,8 milhões estão na categoria de desalentados/as – aqueles e aquelas que já desistiram de procurar trabalho, mas na prática estão também desempregados/as.

Somados/as, formam um exército de reserva de 9,1 milhões de trabalhadores/as fora do mercado, o que não é um número pequeno.[2] A gravidade dessa situação aumenta quando avaliamos a metodologia oficial de aferição, que considera como empregadas as pessoas que dedicaram ao menos uma hora completa de trabalho em uma ocupação (o que é risível) ou que estavam temporariamente afastadas por motivos de doença, férias ou jornada variável,[3] o que significa uma abstração conveniente e uma definição elástica que transforma a precariedade em estatística de sucesso.

Em outras palavras, o desemprego brasileiro não pode ser medido apenas pelos números formais porque a análise real do mercado de trabalho brasileiro é muito diferente: a população subutilizada e subocupada por insuficiência de horas, que são aqueles e aquelas que não conseguem trabalho integral, mas gostariam de trabalhar mais, somam 21,1 milhões de trabalhadores/as, fenômeno que revela um problema muito mais amplo que o discurso otimista do governo. Entretanto, o número mais dramático é o da informalidade: 38,7 milhões de trabalhadores/as, um percentual próximo a 40% da força de trabalho nacional, estão na informalidade, sem carteira assinada, sem direitos, sem aposentadoria e sem seguridade social (Tabela 1).[4] Para esse imenso contingente de trabalhadores/as precarizados/as, governo e burguesia difundem o empreendedorismo como solução mágica para resolver seus problemas. O Estado capitalista, incapaz de gerar empregos dignos, coloca nos ombros do trabalhador e da trabalhadora a responsabilidade pela própria sobrevivência.

Tabela 1

Desemprego, subutilização, insuficiência de horas, informalidade (milhões)
Números absolutos % da pop. Ocupada
Pop. desempregada 6,3 5,8
Pop. Subutilizada 16,5 14,4
Pop. desalentada 2,8 2,5
Informalidade 38,7 37,8
Fonte: PNAD Contínua, abril-maio-junho 2025

A informalidade, longe de ser uma anomalia do sistema, é parte integrante da lógica de acumulação capitalista no Brasil, ao garantir ao capital flexibilidade no mercado de trabalho, redução de custos e desorganização sindical, pois o/a trabalhador/a informal não tem jornada regular nem os direitos dos/as trabalhadores/as formais, vive de trabalhos precários, submetidos às oscilações da demanda e da instabilidade cotidiana e pode ser descartado conforme a conveniência do mercado. O emprego, que deveria ser um direito, converte-se na ilusão de montar o seu próprio negócio, uma aventura individual marcada pela instabilidade e risco permanente. O Estado cria uma narrativa de sucesso individual (que não corresponde à verdade) para esconder a ausência de uma política pública de criação de empregos formais para os/as trabalhadores/as. Em resumo: o Brasil não vive uma era de pleno emprego, mas uma situação em que grande parcela da população trabalhadora é submetida a um regime de subemprego, com mão de obra barata e descartável. O que o governo chama de “recuperação do emprego” não é nada mais nada menos do que uma estrutura na qual convivem um núcleo de empregos formais (39 milhões no setor privados e 12,8 milhões no setor público) e uma imensa maioria na informalidade, em empregos precários ou no desemprego.

Trabalho barato e lógica da superexploração

Se a taxa de desemprego pode ser enfeitada pelas estatísticas para parecer virtuosa, com relação aos rendimentos a situação dos/as trabalhadores/as é muito mais dramática. Recente estudo realizado pelo IBGE, com base no Censo de 2022, indica que 35,3% das pessoas ocupadas no Brasil recebiam até um salário mínimo (R$ 1.212,00 em 2022), ressaltando-se ainda que 1% não possuía rendimentos. Isso significa que mais de um terço da população vive na linha da sobrevivência, que mal garante a reprodução biológica para realizar o trabalho. A mesma pesquisa constata que 32,7% ganhavam, no mesmo período, entre 1 e 2 salários mínimos. Se somarmos os dois contingentes de trabalhadores/as, verificaremos que 68% ganhavam muito mal em 2022, situação que não melhorou muito em nossos dias. Esses dados revelam que a grande maioria dos/as trabalhadores/as no país possuem uma remuneração extremamente baixa, perfazendo uma massa salarial agregada que constitui o alicerce da economia brasileira de baixos salários. Paralelamente, 14,2% ganham de 2 a 3 salários mínimos e apenas 7,6% possuíam ganhos superiores a 5 salários mínimos, assim distribuídos: de 5 a 10 salários mínimos, 5,1%; de 10 a 15 salários mínimos, 1,2%; de 15 a 20 salários mínimos 0,7%; e mais de 20 salários mínimos, 0,7% (Tabela 2).[5] Aprofundando-se mais os dados do IBGE, encontramos uma situação impressionante: exatamente em 520 dos 5.571 municípios os/as trabalhadores/as recebiam um rendimento inferior a um salário mínimo.

Tabela 2

Distribuição dos trabalhadores segundo o rendimento – 2022
Classes de rendimento % da pop. ocupada
Sem rendimentos 1%
Até um 1/4 de S/M 3,9
Mais de 1/4 a 1/2 de S/M 6,3
Mais de 1/2 a 1 S/M 24,2
Mais de 1 a 2 S/M 32,7
Mais de 2 a 3 S/M 14,2
Mais de 3 a 5 S/M 10,1
Mais de 10 S/M 5,1
Mais de 10 a 15 S/M 1,2
Mais de 15 a 20 S/M 0,7
Mais de 20 S/M 0,7
Fonte: IBGE – Trabalho e Rendimento

Se desagregarmos os indicadores da pesquisa por sexo, poderemos constatar um padrão característico da sociedade brasileira: a população ocupada masculina possuía, em 2022, rendimento nominal médio de todos os trabalhos 24,3% maior que os ganhos das mulheres. Avaliando o recorte da pesquisa por cor ou raça, encontraremos os seguintes resultados: as categorias amarela e branca registraram resultados consideravelmente acima da média nacional, enquanto os/as trabalhadores/as de cor parda e preta recebiam bem menos, e a população indígena apresentava o menor rendimento médio do trabalho. Por nível de instrução, a pesquisa indicou um dado já esperado, ou seja, quanto mais instruído o trabalhador e a trabalhadora, maior será o seu ganho. Assim, os menores rendimentos encontram-se entre as pessoas sem instrução e fundamental incompleto, enquanto aqueles com superior completo obtiveram os maiores ganhos.

Numa análise mais extensa, levando em conta a composição do rendimento domiciliar per capita, que envolve a renda de outras fontes além do trabalho, como aposentadoria, pensão, benefícios de programa sociais, rendimento de aluguel e outras origens, observa-se que, em nível nacional, o rendimento de todos os trabalhos correspondia a 75,5% do rendimento mensal domiciliar, enquanto 24,5% vinham de outras fontes. Nas grandes regiões havia diferenças marcantes na composição de ganhos oriundos de outras fontes na renda domiciliar: no Nordeste, era de 32,1%; no Norte, 23,9%; no Sudeste 23,3%; no Sul, 23,1%; e no Centro-Oeste 23,4%. Em outras palavras, cerca de um quarto do rendimento familiar nacional era proveniente de outras fontes que não o trabalho, o que demonstra que os/as trabalhadores/as, em função do baixo rendimento, são obrigados/as a recorrer aos programas sociais do Estado para sobreviver.

A desagregação da população por classes de rendimento mensal per capita, em termos nacionais e grandes regiões, revela os seguintes resultados, ainda de acordo com o Censo de 2022: nacionalmente, 13,3% da população tinham renda domiciliar per capita de até um quarto de salário mínimo, enquanto em algumas regiões os percentuais eram ainda maiores: na região Norte, era de 23,3% da população; no Nordeste, 22,4%; enquanto no Sudeste, Centro-Oeste e Sul os indicadores eram menores: 9,1%; 8,1%; e 5,4% respectivamente. Em sequência poderemos constatar que 39% da população brasileira tinham rendimento domiciliar per capita médio de mais de um salário mínimo, índice que cai para 20,8 na região Nordeste; 23% na região Norte; e aumenta para 56% na região Sul; 46,6% na região Sudeste; 46,4% na região Centro-Oeste.

Outro indicador importante para se medir a desigualdade de rendimento da população é o Índice de Gini, que analisa toda a informação disponível sobre os rendimentos da população, considerando a distribuição em valores que variam de 0 a 1 (zero a um), sendo zero uma situação de perfeita igualdade na distribuição dos rendimentos e um uma perfeita desigualdade, onde os rendimentos estariam concentrados na mão de uma única pessoa. Pelos dados do Censo de 2022, o índice de Gini do rendimento domiciliar per capita médio foi de 0,542 para o território nacional. Esses indicadores são mais elevados nas regiões Norte e Nordeste (0,545 e 0,541 respectivamente). Nas regiões Sudeste e Centro-Oeste o Índice de Gini atingiu, respectivamente, 0,530 e 0,531, enquanto na região Sul foi registrado o menor valor – 0,476.

Tabela 3

Índice Gini de renda domiciliar per capita – Brasil e Grandes regiões, 2022
Brasil 0,542
Norte 0,545
Nordeste 0,541
Centro-Oeste 0,531
Sudeste 0,530
Sul 0,476
Fonte: IBGE, Trabalho e Rendimento          

Avaliação da superexploração do trabalho no Brasil

Os dados revelados pelo IBGE demostram claramente que existe no Brasil um processo escandaloso de superexploração do trabalho, desigualdade de rendimentos e estruturação de um modelo baseado no pagamento de expressiva parte dos/as trabalhadores/as abaixo do valor da força de trabalho. Marx já tinha observado esse processo quando afirmou, em O Capital, que o valor da força de trabalho é determinado pelo valor de certa quantidade de meios de subsistência do/a trabalhador/a, mas muitas vezes o que o/a trabalhador/a recebe pode estar abaixo de seu valor, isto é, esse processo ocorre quando o preço da força de trabalho não compensa o seu desgaste acelerado.[6] Marx em seus trabalhos desenvolveu as bases para se compreender não apenas o processo de exploração, mas também a superexploração dos/as trabalhadores/as, muito embora não tenha efetivamente cunhado esta expressão.

O termo superexploração do trabalho foi desenvolvido de maneira mais completa pelo teórico brasileiro exilado no México e professor da Universidade Autônoma daquele país, Ruy Mauro Marini, no início da década de 70 do século passado. Marini desenvolveu a ideia de que a superexploração na América Latina é consequência da concorrência desigual entre os países da região e os países centrais no mercado mundial. Para compensar as desvantagens em termos tecnológicos e de produtividade, o capital local deprecia o custo da mão de obra para competir no mercado internacional, transferindo dessa forma valor para as economias centrais e aprofundando a dependência. Ou seja, a superexploração do trabalho é a lógica das economias regionais e o mecanismo que permite ao país dependente se inserir de forma subordinada no mercado mundial às custas da classe trabalhadora latino-americana, o que em termos práticos significa uma transferência colossal de valor para as economias do centro capitalista.[7]

Em termos concretos, pode-se claramente dizer que a estrutura de rendimentos no Brasil é marcada pela superexploração em função dos baixos salários pagos aos trabalhadores e às trabalhadoras. Para tanto, basta dizer que 35,3% dos/as trabalhadores/as ocupados/as recebiam, em 2022, até um salário mínimo, o que demonstra que mais de um terço da força de trabalho está ganhando abaixo das condições de sua reprodução biológica e social. A situação não é muito diferente para 68% da mão de obra, que ganhava no período até dois salários mínimos, o que mais uma vez comprova que o Brasil possui uma economia de baixos salários. Mesmo observando o topo da pirâmide salarial, pode-se constatar que apenas 7,6% da classe trabalhadora ganhava mais de 5 salários mínimos. Para termos uma ideia do nível de exploração dos/as trabalhadores/as, basta dizer que o Dieese calcula periodicamente o salário mínimo necessário para sustentar uma família trabalhadora de quatro pessoas. O último dado do Dieese indica que que, para sustentar essa família, seria necessário um salário de R$ 7.075,00, ou seja, o atual salário mínimo de R$ 1.518,00 corresponde a pouco mais de 20% do que o/a trabalhador/a deveria ganhar atualmente. O resultado desse perfil salarial é uma sociedade profundamente desigual, com uma brutal concentração de renda, que impõe permanentemente limitações à ampliação do mercado nacional.

Uma análise mais detalhada da pesquisa do IBGE demonstra outros resultados negativos relacionados ao diagnóstico sobre a desigualdade do mercado de trabalho no país: a população de 520 municípios ganhava, em média, menos de 1 salário mínimo, o que revela a existência de verdadeiros bolsões de miséria e abismos regionais que separam as várias regiões brasileiras. A desigualdade de gênero e de cor destaca outro traço persistente: os homens ganhavam mais que as mulheres, e os brancos e amarelos tinham rendimento maior que pretos e pardos. Essas diferenças não são apenas estatísticas, mas refletem a herança histórica do patriarcado e do racismo estrutural na sociedade brasileira. Também do ponto de vista da escolaridade se pode constatar a lógica da exclusão educacional: os menos instruídos são empurrados para atividades precárias e baixos salários, enquanto os de nível superior estão posicionados nas áreas de trabalho mais qualificados e com maiores salários, o que alimenta a desigualdade e consolida privilégios de classe.

Outro dado interessante da pesquisa do IBGE aparece quando analisamos o rendimento domiciliar per capita das famílias brasileiras: os ganhos de 24,5% dessas famílias são oriundos de fontes como aposentadorias e benefícios sociais, fenômeno que demonstra que a ocupação dos componentes das unidades familiares deixou de ser suficiente para a sobrevivência dessas famílias, fato que mais uma expõe a precariedade do mercado de trabalho. Nas regiões, observam-se dados ainda mais intrigantes, uma vez que no Nordeste 32,1% da renda domiciliar provém de fontes diferentes do trabalho, enquanto nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste a proporção de renda proveniente do trabalho é maior que nas regiões mais pobres. Essa realidade indica que o Estado, através de política previdenciária e de transferência de renda, tem sido um dos elementos importantes para a reprodução social nas regiões mais pobres, funcionando como um amortecedor da miséria no país.

Além disso, o índice de Gini, ao medir a concentração de renda no Brasil, sintetiza o abismo social que marca a sociedade brasileira. A valoração de 0,542 registrada para o Brasil confirma que o nosso país continua a se posicionar entre os mais desiguais do mundo e revela que a renda segue concentrada em mãos de uma pequena minoria. Avaliando-se em termos regionais, veremos que os dados do Norte e Nordeste apresentam desigualdade ainda maior que a média nacional, enquanto a região Sul mostra uma distribuição da renda menos desigual, mas ainda distante de qualquer indicador que represente uma distribuição semelhante aos países centrais. Por todos os ângulos que se examine, a desigualdade de renda no Brasil não é um fenômeno conjuntural, mas a base sobre a qual se ergue a acumulação capitalista e guarda semelhança histórica com o padrão de concentração de renda que se desenvolveu desde a colonização. Nessa perspectiva, a pobreza e a miséria não são acidentes, mas condições essenciais para a reprodução do sistema capitalista brasileiro.

O Estado como gestor da pobreza

Em termos sócio-econômicos, o capitalismo brasileiro se estrutura a partir da pobreza generalizada. Trata-se de um sistema que produz uma massa de consumidores empobrecidos, que sustenta grande parte de seu consumo mediante o endividamento e o crédito ao consumidor, em consequência dos baixos salários e do alto custo de vida, situação que submete o/a trabalhador/a a um processo de dependência financeira permanente. Um aspecto importante dessa conjuntura é o fato de que o governo tem um papel fundamental nessa engrenagem porque transformou o endividamento em política de Estado. As políticas de crédito popular e incentivo ao consumo criam um ciclo de expansão artificial da demanda que endivida e empobrece o/a trabalhador/a e beneficia o sistema financeiro e o setor comercial. A propaganda completa o processo ao convencer as pessoas de que comprar uma geladeira, um televisor, um telefone ou um tênis em dez vezes parceladas significa sua inclusão no mercado, quando na verdade estão caindo em uma armadilha, pagando juros exorbitantes e aprofundando a dependência financeira.

A grande mídia difunde ainda a narrativa de que o país está vivendo um período de grande prosperidade, com desemprego em baixa, salários em alta, economia em recuperação. Parece um mundo encantado, mas a realidade é bem diferente. Como vimos nos números divulgados pelo IBGE, o crescimento econômico é o crescimento do lucro dos bancos e dos grandes monopólios privados; a redução do desemprego é realizada mediante precarização do trabalho, a propaganda do empreendedorismo e baixos salários. Nesse sentido, a base da desigualdade brasileira combina informalidade estrutural, carga tributária regressiva e superexploração do trabalho, resultando num sistema onde uma pequena minoria vive nababescamente cercada por vastas regiões e periferias de pobreza e miséria. Além disso, o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) não se traduz em bem estar social para a maioria da população, mas no enriquecimento cada vez maior dos setores de alta renda.

Já a pobreza no Brasil é muito mais que um processo de privação material: trata-se também de um modo de alienação, que aprisiona os indivíduos a um ciclo de carência que os impede de perceber as contradições da vida e sua própria condição de explorado. Esse processo é complementado pela maioria das igrejas pentecostais, que buscam condicionar os pobres a acreditarem que sua situação é transitória, que se tiver fé e perseverança poderá resolver os seus problemas e ascender na vida. Essa alienação é ampliada pela ideologia neoliberal que transforma o indivíduo em culpado pela própria pobreza. Se o/a trabalhador/a se esforçar na aventura empreendedora poderá se libertar do patrão, ter um trabalho flexível e ganhar muito dinheiro com o seu próprio negócio. Dessa forma, um povo empobrecido se torna muito mais fácil de controlar, muito mais distante da rebelião e dependente da tutela estatal.

O Estado também cumpre o papel de gestor da desigualdade, garantindo às classes dominantes o controle da riqueza nacional e entregando à população mais pobre apenas as migalhas da política de compensação social. Os programas sociais, como Bolsa Família, aliviam temporariamente a miséria e a fome, mas não questionam suas causas estruturais nem a lógica da concentração de renda que produz pobres aos milhares. Esses programas, que fazem parte do receituário neoliberal, funcionam também como válvula de contenção das contradições sociais, buscando evitar as explosões populares e visando anestesiar a população para que não compreendam a exploração e não se revoltem contra o sistema. Sendo um pouco mais duro: é necessário dizer que o combate à pobreza com essas políticas é uma forma de gestão da miséria porque, em última instância, o capitalismo brasileiro precisa da miséria para existir da forma como existe. A pobreza termina sendo o combustível que alimenta a superexploração e o cimento ideológico que estratifica a hierarquia social em nosso país.

*Edmilson Costa é doutor em economia pela Unicamp, com pós-doutorado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da mesma instituição. É secretário geral do PCB.

[1] Na verdade, a afirmação que fizemos é uma paráfrase em relação à famosa frase de Marx. Vejamos na íntegra o que disse o Mouro: “… toda ciência seria supérflua se a forma de manifestação e a essência das coisas coincidisse imediatamente”. O Capital, vol. III, capítulo 48 “A forma trinitária”. São Paulo: Boitempo, 2017.

[2] PNAD Contínua abril-maio-junho de 2025

[3] IBGE. Trabalho e Rendimento. Resultados Preliminares da Amostra, 2025.

[4] Todos esses dados foram obtidos na última pesquisa da PNAD Contínua referente ao trimestre abril-maio-junho de 2025.

[5] Todos esses dados constam da pesquisa do IBGE, denominada Trabalho e Rendimento – Resultados preliminares da amostra. Rio de Janeiro, outubro de 2025

[6] Marx, K. O Capital. Capítulo 15. Variação e grandeza do preço da força de trabalho e do mais-valor. São Paulo: Boitempo, 3ª edição, 2023.

[7] Marini, R. M. Dialética da dependência, especialmente o capítulo 2. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.