Joan Jara: amor, cultura e revolução

Morre Joan Jara, bailarina, revolucionária e viúva do poeta e cantor comunista Victor Jara

Roberto Arrais, membro do Comitê Central do PCB

Joan Jara nasceu em 1927, em Londres, batizada como Joan Alison Turner Roberts e se encantou em 12 de novembro último, aos 96 anos de idade, em Santiago do Chile. Foi bailarina e casou com um dançarino chileno, em 1953, com quem teve uma filha.

No final dos anos 50 foi morar no Chile e logo se apaixonou pela cultura e pela Cordilheira. Nesse período conhece Violeta Parra e outros músicos, artistas e poetas que produziam atividades voltadas à cultura popular. Em 1960, separada do marido, conhece Victor Jara, com quem passa a construir uma grande amizade e depois um grande amor. Uma das primeiras canções composta por Victor Jara é dedicada a Joan, “Paloma quero contarte”.

Ela cria o Ballet Popular, para levar a dança às periferias da cidade e do campo, para que a dança passasse a ser instrumento de alegria e de inspiração dos operários, camponeses e moradores dos bairros populares de Santiago e das cidades do interior. Ao lado dela, Victor Jara se junta com Violeta Parra e outros/outras artistas para se integrarem ao efervescente Movimento da “Nueva Canción Chilena”, que se propaga pelos bairros operários, camponeses e favelas.

Em 1964 nasce a segunda filha de Joan e primeira do casal, Amanda. Eles tinham uma vida cultural intensa, engajados nas lutas revolucionárias do Chile, que culmina com a participação na campanha vitoriosa da Unidade Popular, na qual se elege, em 1970, Salvador Allende. A partir de uma música instrumental de Victor Jara, Joan fez a coreografia intitulada “Venceremos”, que se tornaria a assinatura do Ballet Popular na campanha de Salvador Allende, com quem brindaram a vitória em setembro.

No dia 11 de setembro de 1973, Victor iria cantar na Universidade Técnica, onde também lecionava: era a estreia de uma mostra sobre os horrores do fascismo. Não imaginavam que estavam sendo, ele e o povo chileno, vítimas, naquele dia, de um dos mais terríveis e sangrentos golpes militares fascistas da história latino-americana.

Mesmo com todos os rumores do golpe, Victor decidiu ir para a Universidade a fim de se juntar aos professores e estudantes e lutar em defesa do governo socialista de Allende. Joan, ouvindo pelo rádio e assistindo na tv, decide ir à Universidade para tentar encontrar Victor. Acha o carro deles, sob o qual estavam os documentos pessoais de Victor, que, na percepção de Joan, tinha sido preso e por isso havia jogado os documentos fora para não ser identificado.

Foram dias de agonia e de muita dor, sem notícias de Victor e assistindo pelos noticiários a carnificina que tomava conta do Chile. Ela sai em busca de notícias, sabendo de muita gente presa ou foragida, indo para a clandestinidade e outros buscando as embaixadas para se exilarem. No dia 18 ela recebe a visita de um rapaz, membro da juventude comunista do Chile, que diz ter sido informado, por outro camarada que trabalhava na polícia, de que o corpo de Victor Jara estava no necrotério já há três dias. Ela vai até lá, se identifica como sua esposa, resgata seu corpo e o enterra no cemitério.

Victor foi reconhecido pelos militares no Estádio Chile, que atualmente leva seu nome em homenagem promovida após o fim da ditadura. Ele foi barbaramente torturado, teve suas mãos quebradas e foi executado com 44 tiros.

Joan saiu do Chile após um mês, levando as duas filhas e duas malas com discos e fitas. Começa a visitar países na Europa para denunciar os crimes que tinham cometido contra Victor Jara e contra os trabalhadores, intelectuais, artistas e estudantes. Ela assume um protagonismo fundamental na luta de solidariedade internacional ao povo chileno no exterior.

Numa das reportagens, anos depois, quando foi ao necrotério fazer o reconhecimento e resgatar o corpo do companheiro, disse ela: “Era Victor, meu amor. Ali morri também”. Daí ela decidiu colocar todas as suas energias para cuidar das filhas, resgatar a memória da bela obra de Victor e lutar contra a ditadura de Pinochet.

Em 1982 decide retornar ao Chile, para voltar a conviver com a Cordilheira, com Santiago, com a cultura chilena, com a resistência para daí se inspirar e escrever o livro que pudesse resgatar a figura e a obra de Victor Jara e o processo de convivência que tiveram de 1960 a 1973. Em 1983 publica o livro “Victor Jara: Canção Inacabada”.

Em 1993, criou a Fundação Victor Jara para resgatar o legado do músico.
Também participa da luta pelos direitos humanos no Chile e dos processos contra a ditadura de Pinochet e contra os assassinos de Victor Jara, que foram sendo identificados e denunciados pela justiça chilena. Denunciados, alguns foram presos: o general Heman Chacon, que antes de ser preso se suicidou, em agosto passado, e agora um dos principais atiradores, que morava nos EUA desde 1989, foi processado neste país e, por ter omitido as informações sobre suas atividades durante a ditadura chilena, teve cassada sua cidadania, foi detido e deve ser extraditado ao Chile, ainda no final deste mês de novembro.

Joan Jara deixa um importante legado para as gerações presentes e futuras, de uma mulher que amou profundamente seu companheiro, o artista, o poeta, o músico, o comunista, o revolucionário, assim como ela, que juntos construíram uma obra de amor, solidariedade e compromisso com um novo mundo socialista.

Numa das reportagens, em 2013, Joan estava em frente à Fundação Victor Jara e, olhando no horizonte, enquanto as crianças e jovens dançavam e se confraternizavam na “Plaza Brazil”, disse ela: “Sempre estive apaixonada. Não sou religiosa, não é isso. Mas Victor está sempre comigo. É o maior amor da minha vida. E, agora, sinto que minha missão está quase no fim”.

O resgate da extraordinária obra inspiradora de Victor Jara foi realizado de forma heroica e amorosa por essa mulher e heroína, Joan Jara, que se eterniza na luta da classe trabalhadora chilena e do mundo.