O Estado e a ditadura do proletariado
103 anos após a Revolução Bolchevique
Por Najeeb Amado*
Reivindicar a Ditadura do Proletariado em pleno ano 2000, provavelmente, vai criar uma sensação de anacronismo, de dogmatismo ou de sacralização da teoria marxista-leninista para quem se aproxima deste breve texto.
Sem dúvida, a intenção de demonstrar a vigência disso em pleno século XXI persegue uma intenção totalmente contrária, cujo objetivo é continuar aprendendo a criar, esforçando-se para abordar a história a partir do materialismo com o método dialético, buscando tirar lições de um dos processos mais importantes da humanidade, como foi a Revolução Bolchevique, e contribuindo para um debate consequente tão necessário para adaptar nossas organizações à grandeza das atuais exigências.
A chamada nova esquerda e várias tendências progressistas cavalgaram nos erros do chamado “socialismo real”, quando não no emaranhado de meias verdades e falácias que o pântano do pensamento hegemônico disseminou no mundo todo, através de seus múltiplos aparelhos ideológicos, contaminando a maioria dos trabalhadores para dominá-los e manipulá-los para que concentrem sua repulsa nas deficiências das primeiras experiências do Poder Operário, com maior força do que as próprias misérias do metabolismo social do capital e do mesquinho comportamento dos patrões.
Conta-se que um jornalista, viajando pela Rússia no desabrochar da Revolução, ao ser consultado sobre os bolcheviques, disse que eles eram um grupo de cientistas, conspiradores, agitadores e organizadores das massas.
Foi isso e algumas coisas mais. Os bolcheviques souberam juntar a tradição revolucionário-operária de Marx com o conspirativismo radical dos “naródniki” (populistas revolucionários russos do século XIX) para enfrentar o tzarismo e a “Okhrana” (Departamento de Segurança – polícia secreta do tzarismo).
Lênin, como militante revolucionário e líder da Revolução de Outubro, compreendeu o processo de passagem ao capitalismo dos monopólios, ou seja, o imperialismo, e a necessidade de elaborar uma estratégia de caráter socialista, em resposta ao processo de subordinação dos capitais locais aos monopólios dos países centrais do capitalismo.
Dialogando com o professor Jorge Beinstein sobre o “Partido de Novo Tipo”, chegamos a identificar algumas questões – que quero compartilhar – sobre a complexa organização de organizações que os bolcheviques conseguiram desenvolver para organizar a revolução.
Ter profundas raízes russas foi um dos seus componentes, principalmente o conspirativismo “naródniki”, além do indiscutível alcance universal do projeto emancipador. A organização por células compartimentadas teve consequências altamente eficazes nos momentos de enfrentamento com a “Okhrana”. Entre outras coisas, analisamos o seguinte:
1. Uma organização clandestina completamente autônoma em relação aos limites legais ou institucionais, às vezes aproveitados, mas nunca a eles adaptados.
2. Uma organização com o objetivo de derrubar revolucionariamente o sistema, ou seja, de destruir o Estado dominante e não simplesmente a participação nele, nem a reforma dele.
3. Uma organização com entendimento da sociedade russa como um campo de batalha, buscando desestabilizar, isolar e finalmente destruir o inimigo, desencadeando uma ofensiva insurrecional das massas populares, com o eixo na classe operária industrial, sobretudo – mas não somente – de Petrogrado.
4. Uma organização que lutasse por uma insurreição das massas autênticas, mas eventualmente buscando evoluir no processo da luta. Não pensavam em massas idealizadas de algum manual, nem subestimadas como costumam fazer os politiqueiros pseudorrealistas.
A essência da Revolução Bolchevique é a estratégia revolucionária adequada ao tempo e à organização total do inimigo, dando ênfase à capacidade repressiva, de antecipação e destrutiva do inimigo, atendendo à necessidade de disputa do poder nos pontos fracos da classe dominante, que impõe suas normas organizativas na lógica da dominação.
Essa estratégia revolucionária parte da caracterização correta do modo de produção e de seu prestígio. Nesse caso, como já mencionei, mantém relação com as causas da Primeira Guerra Mundial, relacionada à inevitável expansão do capitalismo e sua evolução à fase monopolista, imperialista.
Então, a necessidade de uma aliança social operário-camponesa estava intimamente ligada ao desenvolvimento do capitalismo em geral e da Rússia czarista em particular.
Existem documentos da “Okhrana” que mostram informes policiais denunciando que, messes antes da Revolução de 1917, a polícia secreta identificava os bolcheviques como um grupo minoritário, porém com uma organização e uma disposição de combate fortemente ajustada ao desenvolvimento do fator revolucionário subjetivo.
Não obstante, com clareza estratégica e outros atributos, no ano de 1917, os bolcheviques lideraram a revolução que deu início à primeira experiência de um Estado Operário, que, sem nenhuma referência anterior, sem ter espelhos para se mirar, lançaram-se à construção genuína da Ditadura do Proletariado, influenciando revoluções em escala mundial para a destruição das ditaduras patronais e construir o que o Comandante Fidel Castro chamava de verdadeira história da humanidade, superando a pré-história subscrita pela exploração dos seres humanos.
Em boa parte da experiência de construção da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o socialismo, com a planificação central da economia, demonstrou sua superioridade frente ao modo de produção capitalista. De fato, na grande crise capitalista de 1929, a URSS continuava crescendo e superando as limitações injustas impostas pela lei do valor do capitalismo, emancipando mulheres e criando condições para que as filhas e os filhos da classe operária pudessem desenvolver seus talentos no melhor terreno de suas aptidões. Assim, a URSS teve grandes cientistas, artistas, esportistas, diversas profissões qualificadas e garantia de desenvolvimento para o conjunto da população, quanto à moradia, ao trabalho, à educação, à saúde, ao transporte, à alimentação, ao vestuário e ao lazer.
É claro que houve problemas, desde as limitações próprias da falta de experiência que marca o ritmo do desenvolvimento teórico do socialismo-comunismo, em função do predomínio da experimentação por não existir referência anterior, até as debilidades próprias da condição humana dominada pela hegemonia cultural capitalista, ou a permanente provocação e ataques diretos, guerras civis (que provocaram importantes baixas quantitativas e qualitativas de quadros revolucionários), assim como o fato de ser um dos cenários da Segunda Guerra Mundial, com milhões de soldados (e, novamente, entre eles grandes quadros políticos) mortos, ao que podemos somar a precoce morte do camarada Lênin em 1924.
Nesse marco, a reforma constitucional de 1936, ainda que necessária para reorganizar o processo produtivo – com sua consequente expressão política –, tendo em conta o surgimento do nazifascismo e a iminente confrontação militar, levou à instalação de um ordenamento que foi fragilizando o Poder Operário dos Sovietes. Assim como a decisão de acabar com a III Internacional em 1943, sem realizar um processo de crítica e autocrítica que permitiria a superação das limitações e dos erros que vinham se reproduzindo em seu interior, tirou força do essencial e estratégico conteúdo internacionalista da revolução socialista diante do avanço do imperialismo e da cosmovisão burguesa no mundo capitalista. Também podemos localizar as limitações que impediram uma revisão e reforço do sistema de planificação central da economia, injetando lógicas produtivistas que incluíam, novamente, a lei do valor nos processos produtivos.
É claro que, à luz do tempo e da revisão dos processos históricos, podemos estabelecer críticas ao desenvolvimento do socialismo na URSS, sem deixar de levar em conta seu caráter inédito e todas as condições que estimularam seu desenvolvimento.
Hoje, 103 anos depois daquele heroísmo revolucionário, construir a organização de organizações como Partido de Novo Tipo, com as características revolucionárias apropriadas contra a capacidade do inimigo de classe, constitui uma ferramenta imprescindível para aqueles que lutamos pela plena liberação da capacidade de todas as pessoas.
E, nesse marco, a necessidade de construir um Estado à imagem e semelhança da aliança social operária, camponesa e popular, com uma proposta contemporânea de planificação central da economia capaz de dar conta do grande potencial de auto-organização dos povos, assumindo, com grandeza e orgulho, a instalação da Ditadura Revolucionária do Proletariado, para levar adiante a transição do socialismo ao comunismo, nos interpela quanto ao debate e à práxis transformadora que reivindique ao marxismo-leninismo e a necessidade-possibilidade de construir o socialismo-comunismo.
Nesse esforço, cuja síntese é a prática revolucionária, a paciente e firme explicação da Ditadura do Proletariado como expressão do domínio da classe trabalhadora sobre as minorias exploradoras assume grande importância na constituição do fator subjetivo para a luta transformadora. Por exemplo, o capitalismo se sustenta pela ditadura dos patrões. Essa ditadura pode ter uma organização política de caráter democrático-burguês, ou sob a forma de regime autoritário, fascista, ditatorial. Por outro lado, a Ditadura do Proletariado, por ser a expressão do domínio das maiorias trabalhadoras da cidade e do campo, será essencialmente democrática.
Neste século XXI, a destruição do Estado burguês e a instauração da Ditadura Revolucionária do Proletariado, assumindo as lições da história adequadas aos tempos atuais, seguem tendo a magnífica vigência que o desenvolvimento do capitalismo e sua possibilidade efetiva de superação humanista nos exigem, assim como a estratégia revolucionária capaz de superar o capitalismo deverá combinar os aspectos comuns que a luta em escala mundial nos exige com a criação heróica cujas particularidades brotarão da criatividade ao ritmo dos povos e das suas condições históricas. E me refiro a cada povo concreto, não aos povos dos “manuais”.
* Secretário-Geral do Comitê Central do Partido Comunista Paraguaio, membro da Sociedade de Economia Política do Paraguai (SEPPY) e da Sociedade de Economia Política Latino-americana (SEPLAS).
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Fonte: https://adelantenoticias.com/2020/11/10/el-estado-y-la-dictadura-del-proletariado/