Presença militar estadunidense na amazônia brasileira é crime de alta traição
por Vasconcelos*
A segunda semana de novembro traz com ela o início de um dos maiores golpes na soberania nacional da história do nosso país, o exercício Amazonlog 2017. A convite do exército brasileiro, tropas militares estadunidenses estarão presentes para manobras na nossa porção da floresta amazônica, na cidade de Tabatinga (AM), lado a lado com tropas de países como o Peru e a Colômbia, Estados que no momento não passam de fantoches de Washington, inclusive com bases militares estadunidenses em seus territórios (coisa da qual estivemos salvos até o momento). Sob roupagem humanitária, o exercício finalizará com a instalação de uma base logística ‘’multinacional’’. Ora, qualquer um com duas doses de experiência em política sabe que em um grupo se sobressai o mais forte. Numa base ‘’multinacional’, quem dará a ordem?
Na América do Sul a situação é crítica. Essa porção do continente carrega consigo a chaga de 13 bases estadunidenses. Das 13, 10 são em países com alguma fatia da floresta amazônica. Algumas delas dentro da própria floresta. O século XXI não completou seu primeiro quarto de existência mas já traz consigo a dura realidade de um mundo unipolar no pós-guerra-fria e queda da URSS. Sozinho em sua dominação, o imperialismo estadunidense se viu livre para estender sua dominação militar, econômica e cultural aos quatro cantos do globo, com pontuais exceções. O unilateralismo que deu base para ações bárbaras encontra na guerra contra o Iraque seu exemplo mais personificado, uma vez que o Oriente Médio é a região mais atingida no momento pelo horror do complexo industrial-militar estadunidense. A relativa paz que reinou no nosso continente nos últimos anos, a paz que não nos beneficia, a ausência de conflito que longe de significar desenvolvimento significa a ordem e a paz para que os exploradores sigam explorando não durará por muito tempo.
Na campanha presidencial estadunidense, Trump e Clinton foram parceiros em pontos-chave, os pontos que realmente importam. O principal deles é tornar os EUA cada vez mais independente do petróleo do Oriente Médio. Só há uma região no planeta que é tão rica em ouro negro: a Nossa América. Curiosamente, o país com as maiores reservas de petróleo no globo também é nosso: a Venezuela.
A ‘’crise na Venezuela’’ e uma invasão anunciada
O ano que se encerra foi palco de momentos tensos no cenário político internacional. A escalada da questão venezuelana nos dá a oportunidade de observar no presente o modus operandi estadunidense para a América Latina, modus operandi esse que recheia as páginas da história da América Latina, a Pátria Grande.
O ápice das tensões na Venezuela dá a impressão de ter ficado para trás, mas é preciso ter cuidado. Posto em prática um projeto radical anti-imperialista e popular de soberania nacional, chamado bolivarianismo, o governo venezuelano encontrou na sua burguesia o maior entrave para o a elevação do país em potência, deixando em evidência uma característica do nosso continente que ainda engana os ingênuos: a classe dominante dos países subdesenvolvidos (e aqui insere-se a América Latina) não possui nenhum interesse no desenvolvimento nacional. Forjada em 300 anos de colonialismo e 200 de escravidão negra e outros tantos de escravidão indígena, a burguesia brasileira, venezuelana e latino-americana tem o seu pensamento e suas bases de sustentação econômica voltados para além das nossas fronteiras, para o hemisfério norte do nosso planeta. Para os grandes empresários dos nossos países, lucro significa espoliação de nossas riquezas e exploração da força de trabalho da imensa massa populacional latino-americana.
Na Venezuela, esse desprezo por um projeto nacionalista se materializa em constantes ataques contra os representantes bolivarianos, atos de sabotagem contra o governo, como o estocamento de alimentos e outros produtos com a única intenção de privar a população de abastecimento e gerar insatisfações contra bolivarianismo, além de conspirações e tentativas de golpe de estado para colocar o país outra vez na rota do entreguismo e da subserviência, como o golpe de 2002 quando o comandante Chávez foi sequestrado e teria sido assassinado, não fosse o gigantesco movimento popular que, aliado aos militares nacionalistas, reconquistaram o poder e reconduziram Chávez ao posto para o qual havia sido eleito.
A plena certeza de que a burguesia dos nossos países não se interessa pelo bem-estar da nação nos dá outra certeza, ainda maior: não existe outra maneira de atingirmos a soberania nacional que não seja um projeto político apoiado no movimento de massas, conduzido pelos trabalhadores e socialista. Qualquer outra tentativa não passa de ingenuidade ou má-fé.
Os últimos meses na Venezuela foram marcados por protestos violentos organizados pela oposição, protestos esses pintados pela mídia tradicional como movimentos por ‘’liberdade’’ e ‘’democracia’’. Essa mesma mídia ocultou atos como o incêndio de creches, assassinato de líderes políticos chavistas e ataques a instalações militares que, longe de serem episódios isolados, dizem respeito a tática de infligir terror e medo ao movimento popular. Esse é o primeiro passo do modus operandi estadunidense: o apoio e financiamento da ‘’oposição interna’’ nos países que buscam, de uma forma de outra, se libertar das correntes ianques. Se resta alguma vacilação aos que ainda não compreendem o que se passa na Venezuela, busquem ver quais figuras no cenário político brasileiro partem para discursos inflamados contra o bolivarianismo e Maduro. Figuras podres como Aécio Neves, Aloysio Nunes, José Serra, Michel Temer e toda a corja de bandidos que cumpre muito bem o papel de assaltar o país e se horrorizam ao ver que os seus parceiros venezuelanos não tem a oportunidade de fazer o mesmo.
Porém, o desenrolar dos acontecimentos recentes gerou um resultado não muito agradável aos interesses do nosso irmão traidor do norte: a oposição venezuelana se dividiu e se enfraqueceu. Os ratos brigam entre si pela oportunidade de ganhar todo o pedaço de queijo. Fraca e dividida, recebeu ainda uma derrota nas eleições estaduais que lhes privou de estados estratégicos para lhes dar força. Esse novo cenário elimina, ao menos por um tempo, a opção de conseguir derrubar o governo maduro internamente. Antes de passarmos para a ‘’segunda opção’’, precisamos entender que o imperialismo joga com diversas peças simultaneamente. Alimentar a oposição interna não significa que os Estados Unidos fecharam os olhos para outras possibilidades, mas apenas que conduzir seus interesses internamente custa pouco e desgasta menos a sua imagem no cenário internacional.
O segundo principal eixo de atuação estadunidense para a América do Sul é uma coalizão de países fantoches em uma operação militar de invasão da Venezuela, derrubada do governo Maduro e total aniquilamento do projeto bolivariano de soberania nacional, o que não acontecerá sem um derramamento de sangue sem precedentes no solo da nossa Pátria Grande. Faça-se a conta: o país com as maiores reservas de petróleo no mundo, pondo em prática um projeto político anti-imperialista, nacional e popular, cercado não só de Estados subservientes, mas de Estados subservientes sob a ocupação militar da maior potência global, indiscutivelmente mais forte, com um histórico invejável de intervenções em nome de nada além que seus interesses próprios. Qual o resultado? As peças já se posicionam muito bem, vejamos.
Sob o pretexto de guerra às drogas, a Colômbia se converteu no mais forte braço dos EUA na América Latina. Gerações de militares formados nos Estados Unidos cumprem bem o papel de conduzir Forças Armadas que seguem a cartilha do imperialismo, que vê nas drogas apenas a justificativa para sua presença. Além disso, consultores ianques dão a linha em setores chave do país, como a inteligência, a polícia e, já dito, Forças Armadas. Não bastasse, a Colômbia possui 6 bases militares dos Estados Unidos em seu território, ou seja: a fronteira oeste da Venezuela está ocupada militarmente pelo inimigo. No leste, 1 base mancha o território da Guiana. Ainda falando sobre bases, o Brasil (que faz fronteira com o sul da Venezuela) era um dos únicos países a rechaçar a presença militar estadunidense. Era. O Amazonlog 2017 veio para mudar esse cenário. Percebem como não se trata apenas de violar a nossa soberania? A instalação da base militar inimiga na amazônia brasileira é a preparação para o cenário da guerra contra a nossa vizinha e irmã Venezuela. É o ínicio de uma onda de instabilidade que varrerá o continente, assim como varreu o Oriente Médio, transformando a região na colcha de retalhos ensopada de sangue que é hoje. Além dos já citados, países como o Peru (presente no Amazonlog), Paraguai e Argentina também carregam em si a presença militar estrangeira.
Embora eu creia que seja este último o eixo de ação o mais provável de ser levado a cabo contra a Venezuela, não podemos descartar a opção pela agressão direta dos Estados Unidos. Depois de declarações do diretor da CIA sobre estarem trabalhando por uma ‘’mudança de regime’’ e do presidente Trump sobre considerarem uma ‘’opção militar’’, qualquer tentativa de ignorar a intervenção estadunidense na região é uma tentativa de enganar o povo sobre o perigo que espreita. A ocupação militar em tempos de paz é o preparo do terreno para a guerra que certamente virá, seja o inimigo real ou não. Caso não seja, inventa-se. Doutrina das guerras sem fim: levemos a desgraça ao mundo, sem ela não nos mantemos. Assim é conduzida a política militar estadunidense. Consegue lembrar o último período em que os Estados Unidos da América não esteve em uma guerra? Faça um esforço maior: me diga qual a última guerra que foi travada em território estadunidense.
Os militares brasileiros e a soberania nacional nos dias de hoje
As Forças Armadas nunca possuíram um pensamento uniforme. A contradição inerente à dominação burguesa permite que seu braço armado seja muitas vezes vanguarda de reivindicações das mais variadas. Assim foi, por exemplo, quando o Exército brasileiro lentamente passou a se manifestar contra a função que lhe era delegada de caçar os escravos que fugiam e levá-los de volta aos seus senhores. Outro exemplo: o episódio vergonhoso e lamentável que foi a guerra do Paraguai moldou a nossa força terreste e deu a ela um caráter popular fortíssimo. Milhares de escravos, libertos, índios e brancos pobres foram incorporados para lutar nas linhas de frente. Terminada a guerra, nosso exército manteve esse caráter de recrutamento e hoje em dia as três forças são compostas de filhos e filhas da classe trabalhadora, principalmente nos postos mais baixos, os soldados, cabos e sargentos. Também é verdade que na maioria das vezes essa massa de soldados é conduzida a defender os interesses do Estado burguês e seria ingenuidade nossa achar que pertencer a uma classe é o único requisito para defender seus interesses, quando não é.
Além disso, a nossa oficialidade também foi protagonista de movimentos de caráter popular, como o movimento tenentista e as revoltas de 1935 que conseguiram a tomada do poder em Recife, Natal e Rio de Janeiro por um curto espaço de tempo. Se aproximando na linha temporal, o Clube Militar entre as décadas de 40 e 60 foi um espaço importantíssimo de disputa entre correntes as duas principais correntes de pensamento e atuação política dos militares: os nacionalistas, defensores dos interesses nacionais e de um Brasil soberano e os entreguistas, defensores da predominância de capital estrangeiro no país e da aliança submissa ao imperialismo estadunidense. O Clube Militar também foi palco de campanhas contra a participação brasileira na guerra contra a Coreia e pela completa nacionalização do petróleo brasileiro (ambas as campanhas lideradas pela corrente nacionalista das Forças Armadas).
Porém, a tradição popular e nacionalista das Forças Armadas brasileiras foi exterminada nos anos do regime instalado pelos golpistas do 1º de abril de 1964. A corrente entreguista dos militares conspirava um golpe antinacional desde pelo menos o segundo governo Vargas, mas passou para a defensiva quando o presidente se suicidou. A inesperada reação popular nas ruas do Brasil obrigou os golpistas precisaram recuar por medo. A segunda investida de maior força foi em 1961, quando Jânio Quadros renunciou e a ala golpista tentou impedir que o então vice-presidente João Goulart assumisse a presidência. Outra vez foram derrotados, quando o episódio conhecido como Campanha da Legalidade, liderado por Leonel Brizola em conjunto com a ala de militares nacionalistas em defesa da manutenção da ordem constitucional domaram os golpistas e conduziram João Goulart ao cargo de presidente.
Em 64, acertaram o golpe. Os 21 anos que se seguiram, no que diz respeito à política militar, seguiram uma linha central: excluir das nossas Forças Armadas todos aqueles que lutavam pela soberania nacional e pelos interesses populares. Os diversos expurgos cumpriram seu papel e inúmeros militares foram torturados, assassinados, exonerados ou postos para fora do país para deixar o caminho livre aos golpistas. Eliminados todos aqueles que poderiam resistir internamente ao golpe, só restaram dois tipos de militares: os entreguistas, organizadores do golpe e defensores de um país submisso aos Estados Unidos e os indiferentes, que se dividem entre os ingênuos que creem que militares não se envolvem em política e os que aceitam com pouco ou nenhum incômodo a hegemonia de traidores.
Esse panorama histórico é necessário para entender como se configuram os militares hoje em relação à soberania do país. Moldados em 21 anos de ditadura, os fardados da nossa geração são fruto do pensamento, ainda operante em nossas academias militares, de que nacionalismo significa cantar o hino nacional, saudar a bandeira, amar verde e amarelo e ignorar a formação social, política e econômica brasileira. Ignorar que a nossa desgraça é fruto do sucesso de outros. Ignorar tudo isso e aceitar ordens que vem dos ‘’de cima’’, ordem dos militares de alto escalão que, sob a manta do nacionalismo fajuto, defendem a entrega do nosso país para interesses estrangeiros. Essa é a geração de militares existente hoje, quando um general da ativa defende em público a venda de territórios fronteiriços, quando um parlamentar burguês, um patético político tradicional e ex-militar presta continência à bandeira estadunidense. Tempos sombrios onde as Forças Armadas brasileiras chamam o inimigo para aprender a combater em nossas terras e para construir uma base em uma região estratégica como a Amazônia. Tempos que caminham para a destruição do Brasil.
Para que não reste nenhuma dúvida, tenhamos a certeza de que ser nacionalista é defender as riquezas nacionais e o bem-estar do nosso povo. Ser nacionalista é lutar pelo desenvolvimento do nosso país e pela sua plena soberania. Ora, se temos a certeza de que a nossa classe dominante não se interessa por nada além da busca sem limites por uma riqueza oriunda da exploração do povo, se temos a certeza de que nossa burguesia não se importa com o país e com as condições de vida daqueles que tem a sua força de trabalho roubada, temos também a certeza de que o desenvolvimento nacional e a soberania popular só é possível se lutarmos contra a burguesia em nosso país. Uma luta contra a burguesia pela soberania do nosso país só é possível numa perspectiva socialista, que emancipe os trabalhadores e lhes dê o poder político.
Dentro do projeto antinacional e antipopular acirrado a partir da ascensão da quadrilha liderada por Michel Temer há espaço para qualquer resquício de soberania? Em tempos onde o pré-sal é entregue e nenhum general da ativa se pronuncia, quem defende a soberania nacional? A farda hoje veste quem entrega do país.
As Forças Armadas brasileiras são parte integrante desse projeto de subserviência. A nossa tradição de militares nacionalistas se encerrou quando os golpistas de 64 consolidaram sua corrente com base na força, convertendo-a em antro do entreguismo e dobrando definitivamente os joelhos ao império, com um agravante: possuem o monopólio do uso da força. Pior: essa força não se dirige para o inimigo externo, que em todo momento histórico é aquele que espalha seus tentáculos entre as nações mais fracas. Essa força se dirige para dentro. A política militar latino-americana, com pontuais exceções, é, como já disse, a reprodução da cartilha estadunidense de sufocar qualquer movimento político popular de reivindicações que entrem em conflito com os interesses do império, basta lembrar que no governo da ex-presidente Dilma o Exército foi usado para reprimir manifestantes contrários ao leilão do pré-sal, já iniciado.
A necessidade de um novo pensamento militar
O cenário aqui exposto significa que os comunistas devem ignorar os militares? A resposta é firme: não. Necessária é a edificação de um novo pensamento militar, voltado radicalmente para o povo, a soberania nacional e o anti-imperialismo. Um nacionalismo popular e revolucionário. Para isso, declaremos imediatamente uma guerra em todas as frentes contra aqueles que fazem das Forças Armadas uma ferramenta de agressão contra o próprio povo e povos irmãos em nome dos interesses do império, que hoje toma a forma dos Estados Unidos da América.
Esse movimento nacional-popular não se iniciará nos quartéis. Não pretendemos uma quartelada ou um golpe de Estado, mas uma revolução. A revolução brasileira não será obra dos militares, mas terá militares em seu seio, aqueles que compartilhem do pensamento de Bolívar de que maldito é o soldado que aponta suas armas contra seu próprio povo. A revolução brasileira, nacional, anti-imperialista e socialista, será obra da classe trabalhadora em seu conjunto, pois só essa classe é capaz de construir um novo Brasil, uma vez que a nossa burguesia não se interessa pelo país.
Em momentos em que o horizonte parece sumir, onde os ataques surgem a perder de vista, ter um projeto de país e se organizar por isso é a nossa maior arma. Sejamos TOTALMENTE contra a presença militar estadunidense na nossa amazônia. Sejamos TOTALMENTE contra a instalação de uma base militar nesse território. Sejamos TOTALMENTE contra qualquer investida contra a Venezuela porque um ataque a esse país é um ataque a qualquer tentativa de soberania no nosso continente. Sejamos TOTALMENTE contrários ao projeto neocolonial que está em curso a passos largos.
A defesa do continente é importante demais para ser deixada nas mãos do Estado burguês e seu braço armado. O poder político dos trabalhadores passa necessariamente pela edificação de militares de caráter popular, revolucionário e anti-imperialista para que assim, e só assim, o verdadeiro nacionalismo seja construído visando o horizonte comunista. É a única maneira, sem ilusões medianas, de atingirmos Forças Armadas soberanas, dispostas e preparadas para defender as riquezas nacionais e o povo brasileiro contra a ambição violenta do imperialismo.
Charge de Vítor Teixeira (incompleta). 2016.
*É militante da UJC.