A atualidade da Revolução Russa

imagemRodrigo Lima*

O ano de 2017 marca o centenário da Revolução Russa, que modificou profundamente o século XX e a história da humanidade. A tomada do Palácio de Inverno pelos revolucionários russos, na madrugada do dia 25 de outubro de 1917, simbolizou a derrocada do governo provisório (dirigido pelos setores da burguesia russa, após a queda do regime Czarista) e a passagem do poder para os sovietes, sob a liderança do Partido Bolchevique, que teve como consequência a construção do primeiro Estado socialista do mundo.

O centenário tem sido marcado por inúmeras iniciativas que têm procurado analisar e debater os diferentes aspectos que envolvem a Revolução Russa. O Brasil, segundo Gilberto Maringoni, professor de Relações Internacionais da UFABC, é um dos países com maior número de eventos e comemorações que relembram o processo revolucionário de 1917 e os seus desdobramentos.

A forte presença das mulheres trabalhadoras no processo revolucionário foi um dos fatores fundamentais na construção da Revolução Russa. Com o ingresso da Rússia na Primeira Guerra Mundial, a presença das mulheres nas fábricas em 1917 já representava quase metade da força de trabalho nas cidades. Eram o segmento mais explorado e oprimido no conjunto do operariado, com salários e escolarização bem menores que as dos homens.

Contudo, para além do resgate da História e de todas as análises e críticas que possam ser feitas a respeito da Revolução, fica o desafio de identificar a sua atualidade cem anos depois. Os ensinamentos dos revolucionários de 1917 seguem atuais para que possamos pensar saídas e alternativas que permitam romper o atual estado das coisas e superar a ofensiva capitalista que ataca a classe trabalhadora de forma brutal no mundo, e em particular no Brasil.

Podemos destacar ao menos três fatores fundamentais para o sucesso da Revolução e que mantém sua atualidade histórica para que sigamos pensando em processos de transformação social. A participação e a lutas das mulheres; a organização da classe trabalhadora a partir da base; e a presença de um programa político claro, baseado numa estratégia e tática orientadas pelo referencial teórico marxista, são elementos que devem ser resgatados e incorporados às lutas atuais.

A forte presença das mulheres trabalhadoras no processo revolucionário foi um dos fatores fundamentais na construção da Revolução Russa. Com o ingresso da Rússia na Primeira Guerra Mundial, a presença das mulheres nas fábricas, como força de trabalho assalariada, intensificou-se. Nos grandes centros urbanos o contingente de trabalhadoras cresceu vertiginosamente durante os anos do conflito e em 1917 já representava quase metade da força de trabalho nas cidades. Eram o segmento mais explorado e oprimido no conjunto do operariado, com salários e escolarização bem menores que as dos homens.

A participação feminina contribuiu decisivamente para a derrubada do regime czarista. Em fevereiro daquele ano, a partir de um levante das mulheres operárias de Petrogrado, ocorrido de forma espontânea, contra a participação da Rússia na guerra, por pão e melhores condições de vida, estourou um ciclo de greves que irradiou rapidamente pelas fábricas, convertendo-se num levante operário e popular que culminou com a derrubada do Czar.

Dentre as grandes conquistas da Revolução de Outubro, o avanço dos direitos das mulheres foi um dos mais importantes. A Rússia foi um dos primeiros países a aprovar o voto feminino, já em 1917. Com relação ao casamento, as mulheres passaram a ter os mesmos direitos dos homens, como o pedido de divórcio. O aborto foi legalizado em 1920, garantido pelo Estado, podendo ser realizado em hospitais públicos, gratuitamente. As mulheres também passaram a ter amplo acesso a educação e a salários iguais, além do acesso a uma rede de assistência social que garantia creches, refeitórios e lavanderias públicas que criavam as condições para a superação da dupla e tripla jornada de trabalho para as mulheres trabalhadoras. A emancipação e o protagonismo feminino avançaram de forma muito significativa na União Soviética.

O operariado russo foi um dos principais protagonistas no processo revolucionário. A Revolução não teria sido vitoriosa se não tivesse como base de sua sustentação os sovietes – ou conselhos – de operários, soldados e camponeses, que consistia em um rico e dinâmico processo de construção da democracia e do poder operário, construído desde a base e que possibilitou a consolidação de um contra-poder, em oposição ao Estado russo, seja durante o regime czarista, ou no período do governo provisório, liderado pela burguesia. Quando Lênin sinalizou em suas “Teses de Abril” que era preciso construir a Revolução Socialista, sem pactuações com a burguesia, o lema “Todo Poder aos Sovietes” significava a necessidade do controle do poder pela classe trabalhadora organizada.

Os sovietes tiveram sua origem com a Revolução de 1905, como expressão criativa da classe trabalhadora russa, que construiu um mecanismo de organização pela base, com representantes eleitos de forma direta e que funcionava a partir de deliberações tiradas em assembleias que aglutinavam os trabalhadores e as trabalhadoras em seu local de trabalho. Foi um mecanismo que surgiu como forma de organizar as greves e as mobilizações dos trabalhadores fabris, mas que rapidamente espalhou-se para o campo e também teve adesão pelos soldados.

Um mecanismo direto de exercício do poder popular, surgido como espécie de comitê de greves, mas que rapidamente evoluiu para uma forma de organização e mobilização da classe, avançando do debate específico das condições de vida e trabalho para a necessária transformação da sociedade.

Mas os sovietes, fundamentais para a Revolução Socialista, não teriam avançado tanto se não houvesse uma direção clara e um programa político que apontasse para a necessária superação do capitalismo e do regime político burguês na Rússia. Vários eram os grupos políticos organizados na Rússia pré-revolucionária. Mas foram os bolcheviques – ou comunistas – os que conseguiram desenvolver um programa revolucionário, que teve a adesão das massas em movimento, e conduziu ao processo revolucionário.

As bandeiras de paz imediata, com a saída da Rússia da Primeira Guerra Mundial; de distribuição de terra para quem nela trabalha; e de pão para alimentar os trabalhadores e trabalhadoras do país, mergulhados na pobreza e na exploração, foram os eixos programáticos que dialogaram diretamente com as demandas da classe. O lema “Paz, pão e terra”, sintetizou um programa revolucionário

Baseados numa leitura marxista da realidade russa, os bolcheviques desenvolveram uma ampla elaboração teórica, ao analisar a formação do capitalismo e a luta de classes na especificidade russa, tomando a teoria de Karl Marx e Friederich Engels não como um dogma, mas como um “guia para a ação”, como afirmava o próprio Lênin.

A partir de uma leitura criativa e dialética do contexto russo, os revolucionários de 1917 erigiram um programa que sustentava-se na possibilidade de construção da Revolução Socialista em um país como a Rússia, predominantemente rural no início do século XX e com um processo de industrialização e de desenvolvimento capitalista em uma escala bem menor que a encontrada nos países da Europa Ocidental. A aposta na classe operária, ainda incipiente na sociedade russa, como protagonista, em um contexto de acirramento da luta de classes, foi um fator fundamental para que os bolcheviques protagonizassem a luta política que conduziu à Revolução.

O que só foi possível devido a constituição de uma organização partidária sólida, com forte enraizamento nas lutas sociais e com grande inserção nos meios operários. A partir da leitura da realidade, não como um espectador da luta de classes, mas sim como um ator inserido no movimento de massas, o partido bolchevique rompeu com as ilusões de construção de uma democracia burguesa, que emanava da Revolução de Fevereiro, e a partir do protagonismo da classe operária, sinalizou para a construção do socialismo.

As bandeiras de paz imediata, com a saída da Rússia da Primeira Guerra Mundial; de distribuição de terra para quem nela trabalha; e de pão para alimentar os trabalhadores e trabalhadoras do país, mergulhados na pobreza e na exploração, foram os eixos programáticos que dialogaram diretamente com as demandas da classe. O lema “Paz, pão e terra”, sintetizou um programa revolucionário, articulando e mediando uma estratégia socialista as lutas reais do povo, constituindo movimento revolucionário que abriu um novo capítulo na luta dos trabalhadores pela emancipação.

Os cem anos da Revolução Socialista de Outubro devem ser amplamente celebrados, analisados, debatidos e criticados. Contudo, devemos olhar para o passado não com ares de saudosismo ou de celebração, mas sim com os olhos voltados para o futuro. Que os ensinamentos dos revolucionários russos sigam vivos e nos permitam construir a alternativa socialista, com forma de superação histórica ao capitalismo, sistema que nos empurra para a barbárie. Outros outubros virão!

*Rodrigo é servidor do Instituto Federal de Santa Catarina e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

A ATUALIDADE DA REVOLUÇÃO RUSSA