Fazer a América grande através da exploração, servidão e abuso
por James Petras
A denúncia pública por milhares de mulheres e alguns homens de que foram vítimas de abuso sexual por parte dos seus patrões levanta questões fundamentais acerca das relações sociais no capitalismo americano.
As ofensas morais são essencialmente crimes econômicos e sociais. O abuso sexual é só um aspecto de dinâmicas sociais que facilitam o aumento da desigualdade e concentração de riqueza, as quais definem as práticas e valores do sistema político e econômico americano.
Os bilionários e mega-milionários são eles próprios produtos da exploração intensa de dezenas de milhões de trabalhadores assalariados isolados e não organizados. A exploração capitalista está baseada numa hierarquia rígida com suas prerrogativas privadas, as quais permitem aos oligarcas exigirem seus privilégios feudais, suas predações sexuais senhoriais.
O capitalismo estadunidense prospera e exige poder ilimitado e a capacidade de ter o tesouro público pagando pela sua pilhagem desimpedida da terra, do trabalho, dos sistemas de transporte e do desenvolvimento tecnológico. O poder capitalista, nos Estados Unidos, não tem contrapartidas; há poucas, se é que algumas, forças para dar qualquer equilíbrio.
Hoje, 93% dos trabalhadores do setor privado dos EUA não têm representação organizada. Além disso, muitos dos 7% que estão em sindicatos são controlados e explorados por responsáveis sindicais corruptos – em aliança com o patronato.
Esta concentração de poder produz o contínuo aprofundamento das desigualdades entre o mundo dos bilionários e os milhões de trabalhadores de baixos salários.
As tão celebradas inovações tecnológicas têm sido subsidiadas pelo estado e suas instituições educacionais e de investigação. Embora estas sejam financiadas pelos contribuintes, os cidadãos-trabalhadores são marginalizados pelas mudanças tecnológicas, como a robótica, que eles originalmente financiaram. Inovações de alta tecnologia florescem porque elas concentram poder, lucros e privilégio privado.
A matriz hierárquica de poder e exploração levou à polarização das taxas de mortalidade e dos códigos morais. Para os trabalhadores pobres, a ausência de cuidados de saúde competentes levou à utilização maciça e ao abuso da prescrição de opiáceos e outras drogas viciantes. Para a classe alta, levou ao flagrante abuso físico e psicológico de empregados vulneráveis, especialmente, mas não exclusivamente, mulheres trabalhadoras jovens. Os prestigiosos meios de comunicação da burguesia obscurecem a polarização de classe com a constante referência ao que denominam “nossos valores democráticos partilhados”.
A generalizada e crescente vulnerabilidade de trabalhadores de ambos os sexos coincide com a incorporação das mais recentes inovações tecnológicas na produção, distribuição e promoção. Isto inclui avanços eletrônicos e digitais, inteligência artificial, robótica e vigilância extensiva sobre trabalhadores, os quais incorporam altos lucros para os investidores e longas horas de degradante trabalho monótono para os que manufaturam e transportam os “produtos”.
A proliferação da nova tecnologia tem crescido em relação direta com a degradação do trabalho e a marginalização e banalização de trabalhadores. A Amazon e Walmart aproximam-se dos trilhões de dólares de receitas vindos do consumo em massa, ainda que com a aceleração chaplinesca da corrida de humanos robotizados para atenderem noite e dia à entrega de encomendas. A indústria do entretenimento distrai a população transversalmente às linhas de classe com ofertas cada vez mais vulgares e violentas, ao passo que os barões do cinema entretêm-se com jovens trabalhadoras – as quais são despersonalizadas e mesmo violadas.
A imoralidade mais chocante revela-se por vezes e é condenada, enquanto as vítimas são temporariamente celebradas pela sua coragem em protestar. Os piores predadores pedem desculpa, desistem dos seus iates e mansões e são substituídos por novas encarnações com os mesmos poderes e as mesmas estruturas em vigor que facilitaram o abuso. Políticos correm a abraçar as vítimas numa espécie de “Síndrome de Munchausen por Procuração” dos políticos e da mídia quando alguém considera o seu próprio papel como facilitador desta desumanização.
O problema não é meramente de canalhas individuais corruptos e pervertidos: é a hierarquia da desigualdade que produz e reproduz uma oferta infindável de trabalhadores vulneráveis para explorar e abusar.
As formas mais avançadas de entretenimento vicejam num ambiente de absoluta impunidade no qual a revelação ocasional de abuso ou corrupção é ocultada atrás de um pagamento monetário. A coragem de uma vítima individual capaz de atrair atenção pública é um passo em frente, mas terá maior significado se for organizada e ligada a um desafio maciço ao poder da indústria do entretenimento burguês e ao sistema de exploração de alta tecnologia. O abuso sexual de um indivíduo no lugar de trabalho é apenas parte de uma cadeia que começa com a exploração dos trabalhadores em geral e só pode ser travada através da sua organização coletiva.
Pode alguém com uma cara séria dizer que os EUA permanecem uma nação de cidadãos livres e autônomos? A servidão e a degradação moral são o resultado de uma classe trabalhadora atomizada e impotente que pode [apenas] mudar de um patrão para outro ou de um presidente vulgar para um moralista hipócrita. Esperamos que as denúncias iniciem algo, mas sem organizações com consciência de classe não sabemos o que surgirá.
09/Fevereiro/2018
O original encontra-se em www.globalresearch.ca/…
http://resistir.info/petras/petras_09fev18.html