Para entender a pressão sobre a Venezuela
A solidariedade para com a Venezuela inclui o esforço de recolher informação, em particular a que ajuda a desmontar a propaganda orquestrada pelos inimigos do processo bolivariano. E também informação acerca da estratégia imperialista de inserir o ataque à Venezuela num processo geral de retrocesso social e político em toda a América Latina.
A Venezuela vive um novo momento decisivo a cada semana, com altas doses de intensidade, em um cenário que conta com disputas políticas regionais e globais. Uma espécie de pequena Guerra Fria acontece nos bastidores da política regional. De um lado a Rússia e a China conservam afinidades políticas e robustos investimentos industriais na Venezuela. Do outro lado da trincheira encontra-se os Estados Unidos, que tenta restabelecer sua influência na região e derrotar o modelo político e econômico venezuelano.
Para o historiador Vijay Prashad, diretor do Tricontinental: Instituto de Pesquisa Social, dos Estados Unidos, a pressão exercida pelo governo de Donald Trump sobre a Venezuela só existe porque não foi possível vencer o presidente Nicolás Maduro e o chavismo nas urnas e que os partidos opositores estão sem força para fazer o enfrentamento interno. “Os Estados Unidos continuam ameaçando a Venezuela, em grande medida, porque esse país é a pedra angular do projeto bolivariano [em referência ao projeto independentista de Simon Bolívar]”, afirma o historiador de origem indiana, radicado nos EUA.
Considerado um especialista em temas relacionados a conflitos internacionais, Prashad foi professor da Trinity College, uma tradicional universidade privada dos Estados Unidos, por mais de 25 anos. Ele também é autor de 25 livros sobre política internacional, incluindo títulos como The Poorer Nations: A Possible History of the Global South (As Nações Pobres: uma possível história do Sul do mundo).
Com os aliados internos enfraquecidos politicamente, os EUA teriam mudado de estratégia para pressionar o governo socialista da Venezuela. No entanto, segundo Prashad, não há clima político na região para uma invasão estrangeira. “É improvável que os EUA realmente invadam a Venezuela. Estão usando essas ameaças para acordar uma força de oposição adormecida”, acredita.
Embora improvável, a possibilidade de intervenção militar não está descartada completamente, de acordo com o jornalista português e analista político Bruno Carvalho. “Creio que essa possibilidade [de intervenção] esteve sempre sobre a mesa, ainda que fosse como última opção. Eles tentaram tudo: falharam um golpe fascista em 2002; tentaram uma mudança através das urnas e tampouco conseguiram. Neste momento, assistimos à estratégia que Washington usou contra Salvador Allende no Chile”, argumenta Carvalho.
No Reino Unido, o ex-prefeito de Londres, Ken Livingstone, também comparou a desestabilização da Venezuela com o golpe contra o ex-presidente chileno Salvador Allende, em 1973. “Lembro-me do golpe contra Allende. Eles querem repeti-lo. O [senador Marco] Rubio quer um golpe na Venezuela”, disse o político britânico em suas redes sociais.
O senador Marcos Rubio, do Partido Republicano, o mesmo de Donald Trump, disse, há poucos dias, que se os militares venezuelanos dessem um golpe no presidente Maduro, os Estados Unidos apoiariam. O secretário de Estado do EUA, Rex Tillerson, também fez declarações em apoio a um golpe militar na Venezuela.
Diplomacia da discórdia
No campo diplomático, a Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou uma resolução na última sexta-feira (23), condenando a convocação das eleições presidenciais da Venezuela para o dia 22 de abril. O organismo exigiu que o Poder Eleitoral venezuelano revisse o cronograma das eleições.
O governo venezuelano repudiou a tentativa de “tutelar questões internas”. “Repudiamos essa nova agressão de um grupo de Estados da OEA, que persiste em buscar tutelar a Venezuela. Trata-se de uma flagrante violação do direito internacional, desrespeito à soberania e à autodeterminação dos povos”, expressou o vice-ministro venezuelano de Relações Exteriores para a América do Norte, Samuel Moncada, durante seu discurso no Conselho Permanente da OEA.
A resolução contra a Venezuela diz ainda que o país deve implementar medidas para evitar o agravamento da situação humanitária da população. Entretanto, uma avaliação recente da Organização das Nações Unidas (ONU) contradiz a posição da OEA. O funcionário da ONU, Alfred de Zayas, contratado pelo organismo para elaborar relatórios para o programa de Promoção da Ordem Internacional Democrática e Igualitário, do Conselho de Direitos Unidos, esteve na Venezuela e avaliou que o país não sofre crise humanitária. “Comparei as estatísticas da Venezuela com as de outros países e não existe crise humanitária. Há escassez e desabastecimento, porém, para quem já trabalha há décadas nas Nações Unidas e conhece a situação de países da Ásia, da África e alguns da América, sabe que a situação na Venezuela não é de crise humanitária”, explicou Zayas durante uma entrevista concedida à rede TV Telesur.
O Grupo de Lima, que reúne 12 países do continente americano sob a liderança dos EUA, também pressiona a Venezuela. Os chanceleres dessas nações divulgaram um comunicado conjunto dizendo que o presidente Nicolás Maduro não será bem-vindo à Cúpula das Américas, que será realizada em Lima, no Peru, nos dias 13 e 14 de abril.
Depois disso, o governo peruano, que havia enviado uma carta convidando o presidente Nicolás Maduro para o encontro, retirou o convite por meio de outra carta assinada pela ministra de Relações Exteriores do Peru, Cayetana Aljovín. Maduro já havia confirmado sua participação. Além disso, a primeira-ministra peruana, Mercedes Aráoz, disse que o chefe do Estado venezuelano “não poderia entrar em solo peruano nem sobrevoar o céu do país”. A declaração foi feita durante uma entrevista a Radio Programas de Peru (RPP).
A atitude do governo peruano foi classificada de “desastrosa” pelo ex-ministro de Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim. “Essa estratégia de isolar a Venezuela é uma política equivocada. O próprio governo dos Estados Unidos e vários países reconheceram que era um erro deixar Cuba fora da Cúpula das Américas do Panamá [2015]. Portanto, a atitude de isolar a Venezuela representa um retrocesso nas relações diplomáticas da região”, disse Amorim.
O ex-chanceler também acredita que alguns países não vão aceitar que um membro da OEA fique de fora da cúpula. “Como no caso do Panamá, em que vários países disseram que não iriam se Cuba não pudesse participar, podem também agora ter a mesma atitude”, ressaltou Celso Amorim.
A primeira reação veio do Uruguai, na semana passada. O ministro de Relações Exteriores do Uruguai, Ariel Bergamino, repudiou a exclusão do presidente Nicolás Maduro da Cúpula das Américas. “Não gosto das exclusões”, disse o chanceler. Ele alertou que isso não contribui em nada para resolver os problemas. “O bombardeio de declarações, as exclusões e as ameaças não ajudam em nada”, destacou Bergamino.
Também na semana passada, a vice-presidenta do Equador, María Alejandra Vicuña, afirmou, durante uma viagem a Washington (EUA), que a participação do presidente venezuelano na Cúpula das Américas “é importante” e criticou as ingerências contra a Venezuela. “Nós jamais vamos estar na linha da intervenção de nenhum tipo, muito menos militar”, conclui.
O presidente da Bolívia, Evo Morales, também protestou. “Por ordem de Trump, o Grupo de Lima, composto por 12 dos 35 países que foram parte da Cúpula das Américas, viola o princípio de não intervenção e atenta contra a Venezuela ao cancelar o convite ao irmão presidente Maduro. Repudiamos que os países da região se prestem ao plano golpista dos EUA”, afirmou Morales em sua conta no Twitter.
Nessa mesma linha, o porta-voz da chancelaria chinesa, Geng Shuang, criticou a postura dos EUA em relação à Venezuela. “Uma Venezuela estável atende aos interesses de todos os lados”, disse Shuang, na semana passada, ao responder as críticas do governo Trump sobre os investimentos da China na República Bolivariana.
Cerco militar
Tropas militares colombianas chegaram à fronteira com a Venezuela nos últimos dias. Além disso, o chefe do Comando Sul, das Forças Armadas dos Estados Unidos, Kurt Tidd, visitou o estado colombiano de Tumaco, próximo a fronteira venezuelana, o que contribuiu para elevar a tensão militar.
Em sua conta de Twitter, Tidd falou em “ameaça”, ao se referir ao país vizinho. “Visitei Tumaco, na Colômbia, e encontrei homens e mulheres das Forças Armadas da Colômbia operando. Vi de perto os melhores esforços no combate às ameaças à segurança da região”. Responsabilizou também a Venezuela pela tensão na região.
Segundo o jornalista venezuelano, Willian Serafino, a visita de Kurt Tidd, não significa necessariamente que haverá uma invasão, mas ainda assim cria um ambiente de hostilidade. “Os últimos movimentos na fronteira e a visita de Tidd não significam uma eminente invasão militar, entretanto, serve para reconhecer o terreno e as condições. Cria um estado de medo e intimidação que sempre antecede movimentos mais perigosos”, analisa o jornalista do site Misión Verdad, especializado em reportagens investigativas.
Não é a primeira vez que o clima esquenta na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela. Há vários precedentes, inclusive com o fechamento do espaço fronteiriço. “O aspecto que diferencia essa situação com episódios anteriores é que tanto o Congresso dos Estados Unidos, quanto a política exterior da Casa Branca, definiram como prioridade um plano que busca coordenar com países satélites a criação de um cordão de isolamento da Venezuela”, ressaltou William Serafino.
O senador colombiano Iván Cepeda, em entrevista ao Brasil de Fato, fez uma alerta. “Forças políticas da extrema direita colombiana estão buscando um cenário de confrontação internacional”, garante o parlamentar. Apesar das tentativas de agressão contra a Venezuela, de acordo com o senador, as “forças progressistas da América Latina têm consigo a proposta em fazer uma resistência política e impedir ações diretas”.
O parlamentar afirmou ainda que repudia qualquer tipo de intervenção. “Desde a Colômbia, os setores democráticos e de esquerda, independentemente da visão que se tenha da situação interna da Venezuela, entendem que nada legitima uma intervenção política, econômica ou militar nesse país irmão”, sinalizou.
Brasil
O governo brasileiro também contribui com o cerco. Foram enviados 200 soltados para Boa Vista (RR). Além disso, em reunião realizada no dia 14 de fevereiro, no Palácio da Alvorada, em Brasília, o presidente Michel Temer discutiu com os ministros da área de segurança uma Medida Provisória (MP) que vai “instituir o estado de emergência social na fronteira”. As Forças Armadas passarão a coordenar toda a ação.
Segundo Serafino, jornalista venezuelano, “parece que os compromissos adquiridos com a administração Temer com os Estados Unidos, para manter relativa estabilidade interna, tem como moeda de troca o aumento da pressão contra a Venezuela, inclusive contrariando as características das relações exteriores do Brasil com o país latino”, observa.
A situação da Venezuela está longe da calmaria. Depois das eleições presidenciais de 22 de abril, o poder eleitoral organizará a eleição da Assembleia Nacional e dos poderes legislativos estaduais e municipais. Com isso, será o quinto processo eleitoral em menos de um ano e uma renovação de todos os cargos do Estado venezuelano. Portanto, a pressão pode aumentar ainda mais.
Fonte: https://www.brasildefato.com.br/
Extraído de: https://www.odiario.info/