O ataque de raiva de Trump e a economia mundial
por Michael Roberts
A reunião do G7 em Quebeque, Canadá, foi memorável sob muitos aspectos. Primeiro, houve uma clara ruptura na habitual insípida unidade de objectivo e política expressa nas reuniões do G7 pelos líderes dos sete principais países capitalistas do mundo.
Pouco antes da reunião do G7 o presidente Donald Trump anunciara uma série de medidas de tarifas protecionistas contra o resto do G7, inclusive o seu vizinho mais próximo, o Canadá, com o argumento da “segurança nacional” – aparentemente o Canadá agora é um risco para a segurança para os EUA. Ao assim fazer, Trump cumpriu suas promessas eleitorais .
Na reunião Trump atacou os outros líderes afirmando que seus governos estavam impondo regras comerciais “injustas” sobre produtos estadunidenses e que precisavam reduzir seus excedentes no comércio com os EUA. Os outros já haviam respondido às medidas tarifárias dos EUA com o planeamento de tarifas recíprocas sobre exportações chave dos EUA e agora replicaram aos ataques de Trump com argumentos e evidência de que, ao contrário, eram os EUA que restringiam a importação de bens e serviços estrangeiros.
Assim, começou a guerra comercial – uma guerra em que as principais economias capitalistas não se empenhavam desde a depressão dos anos 1930 e que supostamente estava resolvida por acordos internacionais como o General Agreement on Tarifs and Trade (GATT), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o North American Free Trade Agreement (NAFTA) no período do pós guerra. Trump considerou a OMC como o pior acordo comercial possível e o NAFTA como o segundo pior (para a América). Os EUA haviam protegido os estados capitalistas europeus e o japonês com seus exércitos e armas nucleares contra a suposta ameaça russa e agora era a vez de eles pagarem tanto através de gastos em defesa como de acordos comerciais “mais justos”. A ironia real neste argumento de Trump foi ele conclamar a que a Rússia, o suposto inimigo, tivesse outra vez um lugar na mesa principal – conversa que somou o insulto à injúria.
O que todas estas travessuras trumpistas revelaram é que o período da Grande Moderação e da globalização, desde os anos 1980 até 2007 , quando todos os estados capitalistas importantes trabalhavam em conjunto para beneficiar o capital em todos os países (em variados graus) está acabado. A Grande Recessão de 2007-8 e a Longa Depressão que se seguiu desde 2009 mudaram o quadro econômico. Numa economia capitalista mundial em estagnação, onde o crescimento da produtividade é baixo, o crescimento do comércio mundial tem decaído e a lucratividade do capital não se recuperou, a cooperação foi substituída por uma competição cada vez mais viciosa – os ladrões tem brigado.
Trump é o líder “populista” e nacionalista da maior potência capitalista; a Itália (o mais fraco do G7) tornou-se também “populista” e nacionalista. E a Grã-Bretanha está trancada na cova do “Brexit”, um desastre para o capital britânico da sua própria lavra. O ataque de Trump significou que a reunião do G7, a qual discutia o aumento da desigualdade, a automação e a mudança climática – os desafios chave a longo prazo para a sobrevivência do capitalismo – foi paralisada.
Mas não importa, por agora. A economia mundial está realmente a parecer melhor desde o fim da Grande Recessão. O Banco Mundial estima que o crescimento real do PIB global será de 3,1% este ano, o mesmo de 2017. Isso pode não parecer muito alto, mas é uma subida após o período de quase recessão de 2015-16, quando o crescimento global caiu para apenas 2,4% e as economias do G7 não podiam obter mais do que 1,5%. Agora as economias do G7 estão a expandir-se em torno da taxa dos 2,5%. O desemprego nos EUA, no Reino Unido e no Japão é o mais baixo de todos os tempos. E mesmo na Europa, a taxa de desemprego caiu para 8%, ainda acima dos níveis anteriores à crise mas a recuperar-se.
Contudo, no mais recente Global Economic Prospects, economistas do Banco Mundial não estavam convencidos de que esta moderada recuperação (ainda uns 30% abaixo da taxa de crescimento mundial anterior à crise) irá ser sustentada. “É esperado que se reduza nos próximos dois anos, quando a inatividade global se dissipar, o comércio e o investimento moderarem-se e as condições de financiamento endurecerem. O crescimento em economias avançadas está previsto que se desacelere rumo a taxas potenciais, quando a política monetária se normalizar e os efeitos do estímulo orçamental dos EUA desvanecerem-se”. Além disso, “A perspectiva dos riscos permanece inclinada em rumo descendente. Elas incluem movimentos desordenados no mercado financeiro, escalada do protecionismo comercial, aumento da incerteza política e ascensão de tensões geopolíticas, todas as quais continuam a enevoar a perspectiva”.
Sugeri no fim do ano passado que o ciclo comercial de curto prazo de 2015 a 2016 atingiria o pico em 2018 e a seguir acalmaria em 2019-20. “O que parece ter acontecido é que houve uma recuperação cíclica de curto prazo a partir de meados de 2016, após uma quase recessão global desde o fim de 2014 até meados de 2016. Se o fundo de ciclo Kitchin foi em meados de 2016, o pico deveria ser em 2018, com uma oscilação para baixo depois disso”. E reiterei essa previsão em Abril .
Os economistas do Banco Mundial parecem concordar. Eles esperam que o crescimento econômico mundial baixe para 2,9% em 2020. “A expansão econômica global permanece robusta mas tem amortecido… A atividade global ainda está atrás de expansões anteriores e o crescimento deve-se desacelerar em 2019-20 quando o comércio e o investimento se tornar moderado. O progresso do rendimento per capita será desigual e insuficiente para enfrentar a extrema pobreza na África sub-saariana”. E “Não obstante a expansão global em curso, espera-se que só 45 por cento dos países experimentem uma nova aceleração do crescimento este ano, abaixo dos 56 por cento em 2017. Além disso, a atividade global ainda se atrasa em relação a expansões prévias apesar da recuperação já de uma década da crise financeira global”. Assim, o Banco Mundial considera que a Longa Depressão continuará.
E isto é assumindo não haver qualquer nova queda nos próximos dois anos. Se bem que não haja qualquer sinal imediato de uma nova recessão global (na verdade, aparentemente o oposto), há muitos fatores a acumularem-se que sugerem não estar demasiado distante. O primeiro é o facto óbvio de que a atual recuperação muito fraca da Grande Recessão é a segunda mais longa expansão no período pós 1945, alcançando dez anos no próximo Verão de 2019 – se perdurar até lá.
E há a questão da lucratividade. No primeiro trimestre de 2018, as 500 principais companhias dos EUA atingiram um aumento de 26% nos ganhos por ação. Mas isto deveu-se principalmente à enorme redução fiscal engendrada pela administração Trump. Quando se olha para os lucros de todo o sector corporativo antes das reduções fiscais, verifica-se que houve uma queda no 1º trimestre de 2018 (-0,6%) a qual se seguiu a uma queda no 4º trimestre de 2017 (-0,1%). A prosperidade de Trump foi um facto isolado. E a lucratividade média nas economias G7 permanece abaixo dos níveis pré crise mesmo após dez anos de recuperação.
E o grande risco pela frente é a combinação de lucratividade cadente e alta e ascensão da dívida nos sectores corporativos do G7. Se os lucros começassem a falhar enquanto o custo de servir ascende quando as taxas de juro ascendem, então isto é uma receita para bancarrotas corporativas e uma nova crise da dívida. A dívida global, particularmente a dívida corporativa, é a mais alta de todos os tempos.
Em 2017 a dívida subiu 10,2% em relação a 2016. Decompondo por sector, a dívida financeira corporativa cresceu 11,1%, a dívida do governo cresceu 6,7%, a dívida familiar cresceu 12,5% e a dívida do sector financeiro cresceu 11,3%.
O nível de dívida do mercado emergente será insustentável porque, dentre outras razões, a dívida amadurece e deve ser ou reembolsada ou refinanciada. Aqui está a dívida do mercado emergente por maturidade:
Muitos dos negócios e de companhias financeiras no mercado emergente contraíram empréstimos em dólares, quando o dólar estava relativamente franco e as taxas de juro dos EUA ridiculamente baixas. Grande parte das entradas de capital em economias emergentes não era constituída por investimento produtivo mas sim por empréstimos e títulos para atividade especulativa. Fluxos de capital a longo prazo para os sectores produtivos das economias emergente (IDE) têm estado em declínio desde a Grande Recessão.
Os sinais de cracking já estão a aparecer em algumas das maiores economias emergentes. A Argentina entrou em crash e foi forçada a tomar emprestado US$50 mil milhões do FMI pois não podia mais contrair empréstimo nos mercados internacionais de títulos a custos razoáveis. A economia está a afundar, a inflação dispara e a divisa mergulhou. O Brasil não está atrás. A economia brasileira está a lutar para crescer de algum modo e ainda tem os mais altos custos de juro para dívidas do mundo . No 1º trimestre de 2018 a economia da África do Sul contraiu-se à taxa mais rápida dos últimos nove anos quando o investimento corporativo caiu drasticamente. E a divisa da Turquia, a lira, atingiu uma baixa histórica quando a inflação anual atingiu mais de 12%; estrangeiros retiraram seu dinheiro e o banco central aumentou sua taxa de juro para cerca de 18%.
Mas o ponto fulcral real será provavelmente a dívida corporativa nas economias G7. A dívida das corporações não financeiras dos EUA atingiram uma altura pós crise de 72% do PIB. Em torno dos US$14,5 milhões de milhões em 2017, a dívida do setor corporativo não financeiro estava US$810 mil milhões mais alta do que um ano antes, com 60% da ascensão resultante da criação de novos empréstimos bancários. Atualmente, o financiamento titulado representa 43% da dívida pendente com uma maturidade média de 15 anos, contra a maturidade média de 2,1 ano para empréstimos de negócios estadunidenses. Isto implica aproximadamente cerca de US$3,8 milhões de milhões de reembolso de empréstimos por ano. “Contra este pano de fundo, o aumento das taxas de juros agravará a pressão sobre corporações com grandes necessidades de refinanciamento”. (IIF)
À parte as taxas de juro mais altas, as companhias que precisam crédito (em oposição àquelas altamente classificadas que tomam emprestado só porque podem fazê-lo de modo barato) tendem a ser aquelas com maior risco. Um relatório recente da Moody’s descobria que 37% da dívida corporativa não financeira dos EUA está abaixo do grau de investimento. Isso representa cerca de US$2,4 milhões de milhões.
A recessão global não está entre nós em 2018 – ao contrário, a economia global está a crescer mais rapidamente do que em qualquer momento desde 2009. Mas esse crescimento pode muito bem ser atingido o pico e nos próximos 18 meses a economia mundial poderia encaminhar-se para uma possível queda. Como sabemos? Bem, como tenho argumentado, a lucratividade do capital deve começar a cair outra vez e finalmente os lucros totais das corporações nas economias principais deve deixar de ascender. Se o custo de servir toda esta dívida também tiver ascendido, então estão estabelecidas as condições para bancarrotas corporativas.
No passado, um sinal confiável para isto tem sido a inversão da curva de rendimento dos títulos. Habitualmente a taxa de juro para a contração de empréstimos por um ano é muito mais baixa do que a taxa para a tomada de empréstimos a dez anos por razões óbvias (o prestamista obtém o dinheiro de volta mais rapidamente). Assim, a curva do rendimento entre a taxa a dez anos e a taxa a um ano é normalmente positiva (digamos de 4% comparada com 1%).
A ideia geral é que uma inclinação escarpada da curva de rendimento, em que taxas longas estão em ascensão mais rápida do que taxas curtas, indica que o crédito é de fácil acesso e que os lucros são suficientemente altos devido a um crescimento econômico mais rápido. Mas quando rendimentos a curto prazo sobem acima da taxa prevalecente a longo prazo isso indica que as condições de crédito se tornaram inabitualmente restritivas em comparação com os lucros e que há uma probabilidade muito alta de que uma recessão aconteça dentro de cerca de um ano.
O estratega de investimento da RBC, Jim Allworth, considera que: “Não houve uma recessão em mais de 60 anos que não fosse antecedida por uma inversão da curva de rendimento. Na média, a curva de rendimento inverteu-se 14 meses antes do início de uma recessão (mediana de 11 meses). A mais curta “advertência antecipada” foram oito meses. Ainda não estamos aqui nos EUA e certamente em nenhum lugar na Europa. Mas a curva dos EUA está a ir naquela direção”.
Os ataques de raiva de Trump e o risco crescente de uma guerra comercial que poderia sufocar a atual “recuperação” só aumenta os riscos subjacentes de novo declínio global.
O original encontra-se em thenextrecession.wordpress.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .