Quando um colonialismo oculta outro
por Bruno Guigue
Que as crianças iemenitas morram de fome aos milhares, que os palestinos caiam sob as balas do ocupante, que a Síria seja um campo de ruínas e que a Líbia mergulhe no caos, isso já quase não nos comove. Manifesta-se, faz-se greve, protesta-se? Não realmente. Nem manifestações significativas, nem debates dignos deste nome. O crime neocolonial passa como uma carta nos correios. E contudo, se sofrêssemos o que os nossos governos infligem a povos que nada nos fizeram, o que diríamos nós? Se uma aliança criminosa nos condenasse a morrer de fome ou de cólera, como no Iêmen? Se um exército de ocupação abatesse nossa juventude porque ela ousa protestar, como na Palestina? Se potências estrangeiras armassem milícias para destruir nossa república, como na Síria? Se uma coligação estrangeira houvesse bombardeado nossas cidades e assassinado nossos dirigentes, como na Líbia?
A tendência dos países ditos civilizados de jogar um véu pudico sobre suas próprias torpezas não é nova. Como é característico, a democracia ocidental vê mais facilmente a palha no olho do vizinho do que a trave que se aloja no seu. De direita, de esquerda ou do centro, vive-se num mundo ideal, um universo feliz onde a consciência está sempre do seu lado. Sarkozy destruiu a Líbia, Hollande a Síria, Macron o Iêmen, mas jamais haverá tribunal internacional para julgá-los. Medidos pela vara da nossa bela democracia, estes massacres não são senão insignificâncias. Uma aberração passageira, a rigor, mas a intenção era boa. Como democracias poderiam desejar outra coisa senão a felicidade de todos? O discurso oficial dos ocidentais, sobretudo aquele destinado ao eleitor médio, traduz sempre a segurança inquebrantável de pertencer ao campo do bem. “Sofrem de opressão, ditadura, obscurantismo? Não se inquietem, enviaremos os bombardeiros!”.
Acontece entretanto que na volta de uma frase, no segredo das negociações internacionais, seja levantado um canto de véu, subrepticiamente. Assiste-se então a uma forma de confissão e eis que um vigarista confessa o crime esboçando um sorriso malicioso. Em 2013, no momento em que a França intervinha no Sahel, Laurent Fabius, ministro francês dos Negócios Estrangeiros, apela ao seu homólogo russo para obter o apoio da Rússia na ONU. Lavrov espanta-se então com esta iniciativa francesa contra jihadistas que Paris havia apoiado quando da intervenção na Líbia, em 2011: “C’est la vie!”, responde-lhe o ministro francês. Semear o terror para abater um Estado soberano? É “a vida”, segundo Fabius. Mas que este criminoso se tranquilize: nenhum juiz lhe pedirá contas. O Tribunal Penal Internacional (TPI) é um tribunal para os indígenas: está reservado aos africanos. As pessoas como Fabius têm a arte de passar entre as gotas da chuva.
Alimentados por um discurso que lhes diz que o seu país está sempre do lado bom, os franceses parecem a anos-luz do caos que os seus próprios dirigentes contribuem para construir. Os problemas do mundo não os afetam senão quando hordas de miseráveis se acumulam às suas portas. E são numerosos os que concedem seus votos – como muitos europeus – àqueles que pretendem poupar-lhes esta invasão. Naturalmente, esta defesa da “sua casa” deveria logicamente ser acompanhada da recusa de ingerência na casa dos outros: de que valeria um patriotismo que autorizasse o forte a ingerir-se nos assuntos do fraco? Ora, a experiência mostra que estes “patriotas” raramente estão na linha de frente do combate pela independência nacional fora do mundo pretensamente civilizado. Quais os partidos da direita europeia, por exemplo, apoiam o direito dos palestinos à autodeterminação nacional? Manifestamente, eles não têm pressa de honrar os seus próprios princípios.
Mas isto não é tudo. Pode-se mesmo perguntar se estes pretensos patriotas o são verdadeiramente para si próprios: quantos deles, com efeito, são favoráveis à saída do seu próprio país da OTAN, esta máquina de arregimentar as nações europeias? Tal como para a pergunta anterior, a resposta é clara: nenhum. Estes “nacionalistas” acusam a União Europeia pela sua política migratória, mas esta é a única amostra de seu repertório patriótico, verdadeiro disco arranhado com sotaques monocórdicos. Incham os músculos diante dos migrantes, mas são muito menos viris frente aos EUA, bancos e multinacionais. Se levassem a sua soberania a sério, questionariam a sua pertença ao “campo ocidental” e ao “mundo livre”. Mas sem dúvida será demasiado pedir-lhes isso.
Nesta incoerência generalizada, a França é um verdadeiro caso exemplar. Uma certa direita – ou extrema-direita, como se queira – critica com satisfação as intervenções no estrangeiro, mas de maneira seletiva. O Rassemblement National, por exemplo, denuncia a ingerência francesa na Síria, mas aprova a repressão israelense contra os palestinos. O direito dos povos a disporem de si mesmos seria de geometria variável? De fato, este partido faz exatamente o inverso do que faz uma pretensa esquerda, que apoia os palestinos – em palavras – e aprova a intervenção ocidental contra Damasco, considerando mesmo que não se faz o suficiente e que seria preciso bombardear este país mais severamente. O drama é que estas duas incoerências gêmeas – e em espelho – cegam o povo francês. Mede-se esta cegueira no resultado, quando se veem esquerdistas desejarem a derrubada de um Estado laico por mercenários da CIA (em nome da democracia e dos direitos humanos) e nacionalistas apoiarem a ocupação e a repressão sionistas na Palestina (em nome da luta contra o terrorismo e o islamismo radical).
É verdade que este cruzamento entre pseudo-patriotas e pseudo-progressistas também tem uma dimensão histórica. Ele transporta ao seu modo a herança envenenada dos tempos coloniais. Assim, a direita nacionalista critica o neocolonialismo ocidental na Síria, mas considera insuportável mencionar os crimes coloniais passados cometidos pela França na Indochina, na Argélia ou em Madagáscar. Supõe-se que isso não é voluntário, mas a esquerda universalista contemporânea – em nome dos direitos humanos – faz exatamente o inverso: ela acusa o velho colonialismo da “Argélia Francesa”, mas aprova a intervenção neocolonial na Síria contra um estado soberano que conquistou sua independência ao ocupante francês em 1946. Em suma, a direita ama loucamente o colonialismo no passado, a esquerda ama-o apaixonadamente no presente. O círculo está fechado e, definitivamente, todos estão de acordo. Vítima principal: a lucidez coletiva.
A França é um dos raros países em que um colonialismo oculta um outro, o velho, aquele que mergulha suas raízes na ideologia pseudo-civilizadora do homem branco, encontrando-se como que regenerado pelo sangue novo do belicismo dos “direitos do homismo”. Este colonialismo, por sua vez, é um pouco como o antigo colonialismo “acessível aos caniches”, para parafrasear Céline. Ele pretende fazer-nos chorar antes de lançar os mísseis. Em todo o caso, a conivência implícita entre os colonialistas de todas as plumagens – os velhos e os jovens, os arqueo e os neo – é uma das razões da errância francesa no cenário internacional desde que rompeu com uma dupla tradição, gaulista e comunista, que muitas vezes lhe permitiu – não sem erros – arrumar a sua própria casa: a primeira por convicção anticolonialista, a segunda por inteligência política. Dia virá, sem dúvida, em que se dirá, para fazer a síntese, que se a França semeou o caos na Líbia, na Síria e no Iêmen era, no fundo, para “partilhar a sua cultura”, como afirmou François Fillon a propósito da colonização francesa dos séculos passados. No país dos direitos do homem, tudo é possível, mesmo atirar areia para os olhos.
05/Novembro/2018
O original encontra-se em www.legrandsoir.info/quand-
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