Gaza, a solução final

imagemJosé Goulão
ODiario.info

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, escolheu a chamada «Cimeira da Paz» promovida por Emmanuel Macron, em Paris, para anunciar que «não há solução diplomática» para o problema de Gaza.

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, escolheu a chamada «Cimeira da Paz» promovida por Emmanuel Macron, em Paris, para anunciar que «não há solução diplomática» para o problema de Gaza. Instantes depois, iniciou-se mais um período de ataques aéreos e invasão terrestre do exército israelita contra a martirizada faixa de terra cercada e bloqueada, na verdade um campo de concentração. Através das suas solenes palavras, ficou registrado que o chefe do regime sionista já tem uma solução final para os dois milhões de habitantes de Gaza – e que não será alcançada por via negocial. O mundo ouviu e calou.

Não consta que algum governo ou presidente se tenha dado conta da gravidade deste acontecimento. Nem em Lisboa, onde o ministro Santos Silva costuma ter a verve afiada quando supõe que algo de mau aconteceu aos seus «bons», nem na Cochinchina. Tampouco se ouviram vozes, ao menos murmúrios, condenando os 150 ataques aéreos realizados por aviões militares israelitas para protegerem os assassinatos seletivos cometidos por soldados vestidos civilmente infiltrados em Gaza.

Já estamos habituados, não é…? Foram mais alguns palestinos mortos pelas mesmas mãos que, sensivelmente na mesma ocasião, prenderam na região de Hebron, na Cisjordânia, um perigoso «terrorista» com oito anos de idade, de nome Omar Rabie Abu Ayyash, uma das 8 mil crianças palestinas presas, torturadas, submetidas a arbitrários tribunais militares desde 2000. Procuremos compreender: para garantir a sobrevivência de um Estado tão «ameaçado» como o de Israel, sem dúvida que a melhor defesa é o ataque; e os terroristas não têm idade.

Que solução final?

Fazendo fé nas palavras de Benjamin Netanyahu, sempre na primeira fila entre os democratas mundiais – só em Paris, ele já «foi Charlie» e agora uma das atrações da «Cimeira da Paz» –, se não há «solução diplomática» para Gaza, o que pretende fazer para resolver o problema de dois milhões de pessoas que teimam em sobreviver amontoadas num território com pouco mais de 300 quilômetros quadrados – dimensão do conselho de Montijo –, mesmo sem eletricidade, com 70% de desemprego, contidas por muros e cercas de arame farpado, sem medicamentos, com penúria de alimentos básicos, bebendo água salgada, rigorosamente vigiadas por um dos mais poderosos exércitos mundiais, usadas como cobaias para testes permanentes de novas armas de extermínio?

Porque o chefe sionista não se alongou em mais explicações, deixou espaço para algumas especulações através de um campo de hipóteses que não é muito vasto. O que resta então? Uma solução pela força: extermínio total? Ou parcial, abrindo depois as portas para uma limpeza étnica em direção ao Egito, cujo regime não pode sequer ouvir falar disso?

Tanto assim é que o Cairo faz a sua parte no cerco de Gaza na zona fronteiriça que lhe compete; e se apressa, sempre que necessário, a servir de intermediário na negociação de situações de cessar-fogo, como aconteceu nas últimas horas. Uma trégua precária não reconhecida publicamente pelo ex-porteiro de discoteca ucraniana e ex-ministro israelita da Defesa, o fascista Avigdor Lieberman.

Mas há o «Acordo do Século»!

Podemos admitir, com muito boa vontade, a existência de uma «terceira via» reservada para a população de Gaza, e que seria a passagem à prática do «Acordo do Século» sobre a questão palestina, negociado entre Trump e Netanyahu, mas cujo anúncio oficial continua por fazer.

Segundo os vazamentos havidos em relação ao conteúdo desse projeto, Gaza seria um «mini-Estado» administrado conjuntamente pelo Hamas e o Egito; em relação ao território atual, a entidade «autônoma» seria prolongada para o Egito, na região do Sinai, onde funcionaria um polo industrial e tecnológico, naturalmente com trabalho escravo no estilo que já foi o dos «dragões asiáticos»; e onde seriam também construídos um porto e um aeroporto internacionais, a ser colocado sob administração egípcia.

O «mini-Estado» de Gaza ficaria incomunicável em relação à Cisjordânia, fragmentando-se assim a questão palestina.

Tanto quanto se sabe, o Egito ainda não foi consultado sobre este arranjo; custa a crer que o regime do general al-Sisi, assente no antagonismo à Irmandade Muçulmana, admita cogerir uma entidade com o Hamas, um ramo dessa mesma organização.

Nada indica que o Hamas, agora dependente do Qatar, transferindo para este país as ligações preferenciais que tinha com o Irã, admita rever-se no projeto israelense-norte-americano. Sabe-se que este plano é igualmente apoiado pela Arábia Saudita – uma boa razão, nas circunstâncias atuais da região, para o Qatar se posicionar de maneira antagônica.

Os fatos enunciados bastam para comprovar que a hipotética «terceira via» seria «diplomática» apenas na aparência – e só nessa condição soa como uma contradição perante a declaração de Netanyahu em Paris.

Pelo contrário, o normativo do «Acordo do Século» só poderia ser aplicado pela força, um passo que levaria, no mínimo, a um confronto direto entre Israel e o regime de al-Sisi, que conduz o primeiro aliado árabe do sionismo na esteira dos presidentes Sadat e Mubarak.

O «Acordo do Século» é, portanto, incompatível com qualquer solução diplomática; ou está ainda a anos de luz dela – o que vai dar no mesmo.

Silêncio grave e cúmplice

Posto isto, é muito grave o silêncio que se ouve no mundo em relação às palavras terroristas proferidas por Netanyahu num pretenso ambiente «de paz», em Paris. Não será necessário um grande e prolongado esforço intelectual para deduzir que o primeiro-ministro de Israel advoga uma estratégia de força como «solução final» para Gaza. E, como a desproporção das forças e meios militares em presença é esmagadora, uma guerra conduzida até às últimas consequências para ultrapassar o problema significaria o extermínio em massa da indefesa população do território. E as ofensivas recorrentes parecem integrar-se no processo de preparação, a anestesia da chamada «comunidade internacional» para o desfecho inevitável – a chacina ou, no mínimo, uma repugnante limpeza étnica susceptível de colocar mais dois milhões de refugiados à deriva pelo mundo.

O silêncio da dita «comunidade internacional», no qual não se escutam dissonâncias, não é apenas cúmplice; é um sinal assustador de que a anestesia já está produzindo efeito, tal a reverência submissa do mundo perante os desplantes terroristas da aberração sionista.

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