Há uma NEP na Venezuela?
WLADIMIR ABREU*
Especial para Tribuna Popular (órgão oficial do Partido Comunista da Venezuela)
Alguns porta-vozes do governo venezuelano – nessa maneira pós-moderna de enfocar a política e as ciências segundo a qual qualquer coisa vale como argumento –, têm equiparado o plano de «recuperação e prosperidade econômica» anunciado pelo presidente Nicolás Maduro, em agosto passado, com a Nova Política Econômica (NEP) da Rússia soviética.
A NEP, introduzida a partir de 1921, foi a primeira tentativa de organização econômica do nascente Estado soviético, o primeiro esforço sistemático para organizar as forças produtivas e as relações sociais de produção.
Logo após o período conhecido como «comunismo de guerra», que havia consistido simplesmente na expropriação da propriedade burguesa e a requisição de produtos agrícolas aos camponeses, com o propósito de atender às necessidades emergenciais impostas pela guerra civil e para derrotar os exércitos contrarrevolucionários, era imperativo promover um processo de reorganização que assentaria as bases para o desenvolvimento das forças produtivas e o início do crescimento econômico sustentado.
Na década de 1920, a Rússia era um Estado relativamente empobrecido, que havia passado, durante um período brevíssimo, pela primeira guerra mundial, as revoluções de fevereiro e de outubro, a guerra civil e o isolamento econômico, político e militar imposto pelo ocidente europeu. Tudo isto havia levado ao caos o já por si débil capitalismo russo, incipiente e atrasado, de base principalmente agrária, deprimido pelos estragos das guerras e o envio de milhões de camponeses às frentes de batalha.
Planificação séria
Com a vitória na guerra civil já à vista, o 10º Congresso do Partido Comunista (bolchevique) da Rússia, em março de 1921, decidiu substituir as requisições de cereais pela criação de um imposto em espécie, ao mesmo tempo em que foram estabelecidos mecanismos para permitir os investimentos e negociações com capitalistas locais ou estrangeiros, em diversas áreas que promovessem o desenvolvimento de forças produtivas materiais, inclusive com cláusulas amplamente benéficas aos capitalistas.
Mesmo que tenha coberto alguns assuntos industriais, a NEP foi fundamentalmente uma política agrária. Na Rússia, a imensa maioria da população era rural; o objetivo principal desta política era revitalizar e dar oxigênio a uma gigantesca população camponesa esgotada por séculos de opressão semifeudal e por duas décadas de comoções políticas.
Lenin e os bolcheviques, uma vez que se dissiparam as possibilidades da revolução alemã e de uma onda revolucionária mundial, compreenderam que era obrigatório orientar no sentido de um desenvolvimento econômico próprio, mesmo que isto significasse empreender recuos táticos. Tais retrocessos consistiram em permitir as relações burguesas no campo russo e a participação de capitais privados, incluindo estrangeiros, em áreas industriais. Devido ao bloqueio capitalista internacional, esta política não alcançou muito êxito em relação aos investimentos externos; não obstante, conseguiu lograr seus objetivos quanto às atividades agrícolas.
Agora, a NEP nunca implicou na renúncia do papel dirigente da classe operária e do Partido Comunista na condução da política econômica. De fato, previamente ao lançamento da NEP, em fevereiro, foi criado o GOSPLAN (Comitê Estatal de Planificação Econômica), com funções de regulação, organização e coordenação suprema que abarcavam e incluíam tanto as atividades empreendidas sob a NEP como as das restantes áreas da economia soviética.
Ainda que o primeiro plano quinquenal somente tenha se iniciado em 1928, pondo fim à NEP, o Estado soviético desde seus inícios sempre aspirou a construir uma visão conjunta e sistemática de seu desenvolvimento nacional, sobre a base de análises científicas, tecnicamente pormenorizados e profundamente estudados.
Um exemplo disto foi a GOELRO (Comissão Estatal para a Eletrificação da Rússia), que existia desde 1920 e cujas funções excediam em muito a área puramente elétrica: dirigia e organizava todo o tecido da produção, distribuição e utilização de energia, desde a construção da represa hidrelétrica de Donbass até a criação de uma infraestrutura industrial associada, com profundo impacto na produção de aço, carvão e petróleo, entre outros.
Incomparáveis
No entanto, na Venezuela de 2018, em que consiste o suposto plano de recuperação econômica, além de eliminar zeros no sistema monetário, criar uma «moeda pela internet» e reprivatizar empresas quebradas por gestões ineficientes e dolosas?
A Rússia soviética, vítima de hiperinflação resultante da monetização do déficit fiscal causado por uma verdadeira guerra e do colapso simultâneo da produtividade nacional, fez três reconversões monetárias, eliminando do sistema monetário dez zeros entre 1922 e 1924; mas, ao mesmo tempo, introduziu profundas reformas estruturais que sanearam as finanças do Estado e reativaram o tecido produtivo da nação, resolvendo o problema da inflação de forma permanente e definitiva.
A Venezuela, por sua vez, já realizou duas reconversões monetárias e caminha de forma acelerada para a a terceira etapa, sem qualquer tentativa de controlar o déficit fiscal ou retardar o crescimento da liquidez monetária. Não se vislumbra no horizonte venezuelano a solução para a crise hiperinflacionária.
Apesar das críticas persistentes e propostas do Partido Comunista da Venezuela e de outras forças políticas e sociais, a economia venezuelana continua à deriva, sem um planejamento sério e fundamentado, sem mecanismos eficazes para estimular o desenvolvimento produtivo e certamente sem controle algum decisivo do processo econômico pela classe trabalhadora e suas organizações.
Alguém pode afirmar seriamente que algo do que está sendo feito aqui tem alguma relação com o que foi feito na Rússia Soviética em 1921? Alguns dirão que a “revolução bolivariana” não copia nem imita modelos alienígenas, o que é um argumento válido. Porém, estabelecer a direção científica e técnica do desenvolvimento econômico não é imitar modelos, é um dever!
*Professor de História