Lições da história, do Chile à Venezuela

imagemHeitor César*

Em 11 de setembro de 1973 o Chile sofria um golpe militar com o apoio e assessoria dos Estados Unidos. O sangrento golpe foi um desdobramento da pressão internacional, sabotagem, bloqueio econômico e crise de abastecimento provocada por empresários adversários do governo popular socialista de Salvador Allende.

Allende havia chegado ao governo a partir de uma frente popular composta por socialistas, comunistas e amplos setores democráticos e progressistas. Contudo, apesar da forte base de apoio popular, o governo de Allende não teve sequer um momento de paz. Sua agenda de nacionalizações e estatizações era vista com medo pelas elites conservadoras chilenas, sempre detentoras do poder econômico e político do país. De imediato iniciou-se uma aliança dos setores mais conservadores chilenos com militares descontentes com o governo e sob o apoio dos EUA, que temiam perder seus negócios no Chile e a aproximação do Chile com o bloco socialista.

Greves patronais e crise de abastecimentos promovidas por adversários do governo foram um estopim para começar uma forte campanha de pressão contra o governo da frente popular. Sob o pretexto de resolver os problemas de abastecimento e frear o “avanço do comunismo” que subvertia valores tradicionais, se desencadeou uma ofensiva que culminou num sangrento golpe militar, com o bombardeio ao palácio governamental e a morte de Allende, que resistiu ao golpe com sua própria vida.

Seguiu-se uma brutal repressão com prisões, torturas, desaparecimentos e mortes. O Chile mergulhou numa sangrenta e brutal ditadura que durou até a derrota do ditador Pinochet num plebiscito em 1989. Durante esses anos de ditadura, além dos assassinatos, torturas e prisões, o governo pró EUA pôs em marcha um programa ultraliberal para atender os interesses de seus patrocinadores internos e externos, privatizações, reforma da previdência, perda de direitos sociais, políticos e trabalhistas. Mesmo com a derrota de Pinochet, os estragos foram profundos e ainda hoje o Chile sofre com os impactos da ditadura.

Ao olhar para a Venezuela, mesmo compreendendo que a história não se repete, é impossível não identificar similaridades. Desde que ganhou as eleições em 1999, Hugo Chavez enfrentou todo tipo de adversários internos e internacionais. Sobreviveu a um golpe de estado, sendo libertado pela multidão que tomou as ruas, sofreu pressões e tentativas de desestabilizar seu governo. Nesse período ele respondeu com mais justiça e mais democracia, construiu e lançou as bases de sua revolução bolivariana, apresentou ao mundo sua proposta de socialismo do século XXI, nacionalizou empresas, acabou com o analfabetismo, criou amplos programas sociais e populares de inclusão, atacou privilégios e democratizou a política na Venezuela, com a ampliação da participação popular nos processos decisórios, não apenas com eleições e referendos, mas incentivando a politização da população com amplos programas de debates sobre leis e sobre a constituição.

Chavez morreu e seu sucessor buscou manter sua agenda, contudo, as condições estavam mais desfavoráveis. Sua política de integração latino-americana e a criação de um projeto de sociedade alternativo aos ditames de Washington foram duramente golpeadas por uma ofensiva da extrema direita em nosso continente. Hoje, além da já tradicional aliada dos EUA Colômbia, o Brasil se alinha ao projeto do Império para nosso continente potencializando as pressões contra o governo bolivariano.

Crise de abastecimento fabricada por empresários como forma de pressionar o governo de Maduro, bloqueio econômico, pressão interna de uma elite que nunca aceitou ter perdido seus privilégios políticos e pressão internacional dos EUA, que sempre ambicionaram pelo petróleo da Venezuela, somados à ofensiva da Colômbia e do Brasil e de países alinhados aos EUA criaram uma situação explosiva de tensionamento interno e externo que colocam em risco a continuidade da revolução bolivariana e suas conquistas.

Camuflada como ajuda humanitária, a pressão internacional intensificou-se nos últimos dias, criando tensão política sem precedentes, com declarações inclusive de possíveis ações militares. Cabe lembrar que, sob pretexto de ajuda humanitária, os EUA levaram guerra e destruição a dezenas de países: somente nos últimos anos temos o exemplo da Líbia, que foi arrasada por uma guerra civil patrocinada pela OTAN, e a Síria, que sofreu com os ataques e bombardeios e pressões internacionais. Cabe a perguntar: se os EUA estão tão interessados em ajudar os países latino-americanos, por que busca de toda forma construir um muro para se afastar do México e demais países e povos latino-americanos? Por que não acabam com o bloqueio? Por que não param de patrocinar uma oposição golpista e ilegítima?

A pressão sobre a Venezuela, sobre sua autodeterminação e sobre a soberania popular avançam e cabe a todos que defendem uma América Latina livre de pressões norte-americanas, com liberdade e autonomia para construir seu caminho, combaterem essa tentativa de golpe.

O exemplo do Chile nos faz temer pelo futuro da Venezuela e de todo nosso continente, mas não vamos deixar a história se repetir.

Membro do Comitê Central do PCB