Em memória de Edson Luís de Lima Souto
Lucila Zanelli e Brenda Soares Rodrigues*
No dia 28 de março de 1968, há 51 anos, tiros ecoaram no Restaurante Calabouço. Em meio às vozes da juventude que expressavam reivindicações justas e inerentes à condição humana, dois jovens foram vítimas fatais do Estado. O ódio de classe ceifou, à queima roupa, a vida do estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto. A segunda vítima foi o também estudante Benedito Frazão Dutra, que, igualmente atingido pelas balas dos policiais, chegou a ser levado ao hospital, mas faleceu.
Episódios como estes – que diga-se de passagem, não são raros na história das organizações populares – são dolorosos e nos convocam à reflexão sobre o significado das lutas em prol de mudanças necessárias para a construção de uma sociedade em que crimes que atentam contra a vida e tentam impedir a pluralidade de ideias e concepções não se perpetuem.
Edson tinha apenas 18 anos. “Na época, os estudantes organizavam uma passeata para protestar contra o alto preço e a má qualidade da comida servida no restaurante. A polícia militar, que outras vezes já havia reprimido os estudantes no local, chegou ao restaurante com muita repressão”[2].
Este assassinato se consumou em um período marcado por sangue e negação de direitos civis, políticos e sociais, somando-se, tristemente, à imensa lista de crimes cometidos contra aqueles e aquelas que enfrentavam a ditadura. Tratava-se de um período no qual o Estado brasileiro assumia, de forma radical, a opção pela coerção da classe trabalhadora para garantir os interesses imperialistas de uma burguesia sempre pronta a financiar os meios cabíveis para impor a sua própria manutenção no poder.
Covardes, ao menor indício de mudanças (em pontuais benefícios aos trabalhadores/as) nos conflitos entre capital e trabalho representados pelo conjunto de propostas de João Goulart e sua base social, as classes dominantes soltaram as coleiras dos seus cães de caça para que, alegadamente em favor do “povo brasileiro”, na verdade, se defendessem daquilo que diziam representar uma “ameaça” ao que lhes custa mais caro: a propriedade privada.
A partir de estudos pautados nas inúmeras pesquisas e sistematização/documentação das lutas e reivindicações daquele período e posterior a ele, compreendemos os motivos pelos quais militantes como Edson Luís também tiveram suas vidas retiradas. Para garantir a sua condição de existência, este modo de produção vigente se vale da vida da maioria da população: explorando-a, transformando-a em mercadoria, controlando-a partir dos interesses da classe dominante, decidindo até quando (e se) deve viver.
O Partido Comunista Brasileiro (PCB) por exemplo, representa desde sua origem, um instrumento revolucionário da classe trabalhadora; para a classe dominante, sempre foi um perigo eminente ao exercício de sua dominação. Em nossas fileiras, militantes colocaram suas vidas à disposição da luta pela emancipação humana, tais como José Montenegro de Lima. “Magrão, como era conhecido o dirigente da Juventude Comunista, […] desafiou as forças da reação um mês depois de o ministro da Justiça, Armando Falcão, ter noticiado com júbilo, em cadeia nacional de transmissão, a queda da estrutura gráfica do PCB.”[3]
As feridas do que vivemos neste período são chagas abertas ou muito mal cicatrizadas. Os recorrentes e intensos ataques à democracia atualmente podem levar a uma interpretação que parece ser a mais plausível num primeiro momento: estamos revivendo 1964! No entanto, precisamos romper os limites ideológicos e lembrar que a frágil democracia que alcançamos ainda se ancora em princípios burgueses. Na atual conjuntura, avançam as ofensivas às liberdades democráticas, num contexto de esgotamento do pacto de conciliação de classes, na fase monopolista do capitalismo. Este sistema se encontra em sua fase madura, e os neoliberais sabem que “[…] prosperam muito melhor entre as ditaduras e governos antidemocráticos, porque seus projetos nacionais e antipopulares precisam de repressão e restrição das liberdades democráticas para serem aplicados”[4].
A cada dia, fica mais evidente os limites desta democracia de fachada. Basta lembrarmos dos inúmeros episódios de perseguição política, repressão e assassinatos de militantes brasileiros – em sua maioria, sem responsabilização dos culpados, sem resposta. O “velho” permanece vivo, condenando ao caixão, à cadeia, aos porões e hospícios, o novo que insiste em nascer.
Neste mês de Março, lembramos. E a luta de classes permanece pulsando. De luto, na luta continuamos. As manifestações do 8M têm sido cada vez mais intensificadas ao longo do mês: que possamos nos lembrar de Clara Zetkin e Alexandra Kollontai e das conquistas e lutas das mulheres soviéticas. O 14M representou neste ano a luta por justiça e revolta frente ao assassinato de uma mulher negra, favelada, lésbica e socialista: que possamos sempre nos lembrar da luta de Marielle. Edson Luís lutou pelo direito de viver: viver com dignidade. A juventude, as mulheres, a população negra e a lgbt, os sem-terra, os sem-teto, os povos e comunidades originárias têm sofrido de forma avassaladora com os ataques que colocam em xeque a sua existência.
As contradições entre as frações da burguesia e no interior do governo Bolsonaro têm se acentuado e temos a tarefa histórica de avançar para derrotar a Contrarreforma da Previdência que, se aprovada, representaria uma enorme perda para a vida e organização da nossa classe. Em memória de Edson, de todos e todas assassinados pela ditadura militar, sem perder de vista nosso horizonte, no qual meninos não mais serão assassinados ao levantarem suas vozes por comida ou por terra ou por casa, implorando por suas vidas.
Edson Luís de Lima Souto, presente! Pelas liberdades democráticas, rumo ao Socialismo! Pelo Poder Popular!
[1] Uma das palavras de ordem das manifestações que ocorreram na Assembleia Legislativa, para onde o corpo do estudante foi levado em protesto, após o assassinato.
[2] Texto de União Nacional dos Estudantes/UNE. Edson Luís: “Mataram um estudante. Podia ser seu filho”.
[3] Texto do Partido Comunista Brasileiro. “José Montenegro de Lima: a juventude comunista enfrenta a ditadura”.
[4] Texto de Edmilson Costa, em Partido Comunista Brasileiro. “A face Bia e crua do mercado no poder”.
* Militantes da UJC e do Coletivo Negro Minervino de Oliveira de Uberaba (MG)