Venezuela: Trump ameaça com bloqueio naval
Enquanto os EUA planejam fechar acesso marítimo, Rússia e a Venezuela firmam acordo para trânsito de navios militares
Fania Rodrigues
Caracas (Venezuela)
Brasil de Fato
A tensão política e militar entre os Estados Unidos e a Venezuela subiu alguns degraus essa semana, alertou o assessor do Conselho de Defesa da Presidência da República da Venezuela, Juan Eduardo Romero, em entrevista ao Brasil de Fato. Entre os fatores que fizeram crescer o clima de guerra, está a declaração do chefe militar do Comando Sul da marinha dos Estados Unidos, o almirante Craig Faller, que afirmou na última segunda-feira (19) que está “pronto para agir” em relação à Venezuela.
“Não vou detalhar o que estamos planejando e o que estamos fazendo, mas continuamos prontos para implementar decisões políticas e estamos prontos para agir”, disse Faller, que está no Brasil, na cidade de Natal (RN), onde participa de treinamentos conjuntos com nove países latino-americanos, além dos Estados Unidos, Reino Unido, Portugal e Japão.
Por sua vez, o governo venezuelano prepara sua defesa e anunciou uma ampliação dos acordos militares com a Rússia, que incluem exercícios conjuntos com navios de guerra russos e venezuelanos. O acordo foi assinado semana passada entre os ministros de Defesa dos dois países.
A vice-presidenta da Venezuela, Delcy Rodríguez, viajou a Moscou para reunir-se, na terça-feira (20), com o ministro de Relações Exteriores da Rússia, Serguéi Lavrov.
Resistência ao “bloqueio total”
No início de agosto o presidente Donald Trump disse que não descartava um bloqueio naval contra a Venezuela, o que seria uma espécie de quarentena, segundo ele.
“O foco do governo dos Estados Unidos continua sendo a pressão sobre um regime ilegítimo para garantir que haja uma transição para um governo democrático e legítimo”, acrescentou Craig Faller.
Segundo o assessor do Conselho de Defesa da Presidência da República da Venezuela, Juan Eduardo Romero, o ambiente de tensão piorou nos últimos dias. “O que os Estados Unidos podem fazer nesse caso é posicionar os seus navios em águas internacionais, mas não poderiam impedir a entrada de navios em águas venezuelanas porque isso fere as normas de comércio e princípios do direito internacional”, afirma Romero, que também é cientista político, doutor em História e professor universitário.
No pior dos cenários, segundo ele, o que poderia haver é um enfrentamento entre navios militares estadunidenses e russos em águas venezuelanas. “O que isso pode gerar, no marco do intercâmbio entre a Venezuela e a Rússia, é que as forças russas se vejam na posição de tentar romper o cerco dos Estados Unidos, que até o momento se restringe a ameaças”, destacou.
De acordo com Romero, a medida fere os princípios da Carta das Nações Unidas e da Convenção de Genebra, que classificam esse tipo de ação como agressão militar. “Os EUA agem como se já estivessem em guerra declarada contra a Venezuela”, afirmou.
O novo convênio militar entre a Rússia e a Venezuela não estabelece os modelos de navios que vão participar dos exercícios conjuntos. “Portanto não está descartada a participação de um navio porta-aviões russo”, agregou o assessor. Ele, entretanto, descartou rumores de uma possível base militar russa na Venezuela. “A Constituição proíbe abertamente a permanência de tropas estrangeira em território venezuelano”, explicou.
Consequência de um bloqueio naval
O professor da Escola de Estudos Internacionais da Universidade Central da Venezuela e da Universidade Militar Bolivariana da Venezuela, Luis Quintana, explica o que significa um bloqueio naval.
“Um bloqueio naval é uma medida extrema que impediria a passagem de qualquer embarcação para e da Venezuela, o que na prática implicaria condenar o povo venezuelano à morte, considerando que é um país que depende de importações de alimentos que chegam principalmente por mar. Nesse caso, os Estados Unidos se tornariam o dono da garrafa de oxigênio que poderia dar ou tirar a vida de uma nação inteira”, afirma o professor.
Não seria a primeira vez que os Estados Unidos imporiam um bloqueio naval a um país latino. No contexto da crise dos mísseis, os Estados Unidos impuseram um bloqueio naval a Cuba com a aprovação da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 1962. Naquela época, a justificativa utilizada foi impedir o acesso a navios que transportavam mísseis nucleares da União Soviética.
Outro exemplo desse tipo de bloqueio naval foi o imposto no início do século 20 por Reino Unido, Alemanha e Itália contra a própria Venezuela, que durou mais de dois meses, entre dezembro de 1902 e fevereiro de 1903.
Na avaliação de Quintana, a Venezuela tem uma capacidade limitada de resposta militar se comparado ao poder militar da “principal potência da história da humanidade”.
A resposta a uma ameaça dessa natureza deve ser, portanto, de natureza política. “Somente através da diplomacia, negociações diretas ou a pedido de outros poderes, uma ameaça dessa magnitude poderia ser neutralizada. Nesse sentido, a China e a Rússia, como membros permanentes do Conselho de Segurança e como aliados da Venezuela, podem desempenhar um papel fundamental no uso de canais políticos”, avaliou o professor.
Apesar das ameaças militares, os EUA têm priorizado táticas de pressão econômica, no caso venezuelano. “Combinaram as ameaças de uma intervenção militar com a imposição de severas medidas que bloqueiam a economia do país. Porém, isso não significa que opção militar não possa ser implementada, especialmente as tentativas de derrotar o chavismo continuar fracassando”, apontou professor Quintana.
Convênio entre Rússia e Venezuela
A Rússia e a Venezuela mantêm convênio de cooperação técnico-militar desde 2003. Isso inclui a assistência técnica para a fábrica venezuelana de fuzis russos Kalashnikov (AK 47), que está em processo de instalações, assim como treinamento para o técnicos venezuelanos para manutenção dos caças Sukhoi, sistemas de radares S-300, os laçadores de mísseis terra-ar, todos de fabricação russa.
Sobretudo em relação à instalação da fábrica tem havido muitas dificuldades. “Estamos construindo uma fábrica de rifles Kalashnikov e de munição, mas as sanções dificultam os trabalhos. Os americanos nos impediram de entrar com máquinas e equipamentos, mas vamos conseguir de qualquer maneira”, disse recentemente o diretor executivo da empresa estatal russa, Rostec Sergey Chemezov.
No último acordo, assinado semana passada entre os ministros da Defesa, Vladimir Padrino López, da Venezuela, e Sergei Shoigu, da Rússia, foi ampliado o convênio de formação militar e também a visita de navios russos a portos venezuelano e navios venezuelanos a portos da Rússia.
Edição: Rodrigo Chagas
Entre os navios da frota do Comando Sul dos EUA está o porta-aviões Ronald Reagan / Foto: Kim Jae-Hwan / AFP
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