A “ameaça” da Venezuela e a hipocrisia paramilitar

imagempor Pedro Marin | Revista Opera

Na última quarta-feira (11/09) foi aprovada na OEA (Organização dos Estados Americanos) uma resolução convocando uma reunião entre os países signatários do TIAR (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca) no sentido de ativar o pacto contra a Venezuela.

O tratado, que tem como princípio que um ataque contra um dos países membros será considerado um ataque contra todos, foi oficializado em 1947, entrando em vigor no ano seguinte. Inspirado na chamada Doutrina Monroe, segundo a qual os países da América Latina e Caribe constituíam um grande protetorado norte-americano, o acordo foi formalizado e assegurado durante a Guerra Fria, alongando no tempo a aliança dos EUA com os países do continente, assegurada para impedir a influência do Eixo no hemisfério durante a Segunda Guerra.

Na reunião desta quarta-feira, 12 dos 18 países membros do TIAR votaram favoravelmente à resolução, que argumenta que a crise na Venezuela “tem um impacto desestabilizador, representando uma clara ameaça à paz e à segurança do hemisfério”.

Proposta pela Costa Rica, foi rechaçada pelo Brasil uma emenda que, apesar de favorável à instalação do TIAR, proibia expressamente medidas “que impliquem no emprego de força armada” e falava em uma “restauração democrática” na Venezuela.

O chanceler Ernesto Araújo, no entanto, disse que a convocação “não significa ação militar, de forma nenhuma, não é isso que nós queremos, o TIAR não é simplesmente um acordo de ação militar; é um acordo para ação coletiva diante de ameaças à segurança, como claramente é. O chanceler da Colômbia, se não me engano, fez uma apresentação muito clara nesse sentido, com o fato de o regime Maduro estar abrigando terroristas”, se referindo às FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

Só faltou combinar direito com o autoproclamado Juan Guaidó, que representa a Venezuela na OEA – apesar de não ser presidente de nada, a não ser da alcateia internacional que tenta mudar o governo do país por via golpista. De acordo com o que reporta a Folha de São Paulo, membros da comitiva de Guaidó confirmaram que a resolução pode sim levar a um cenário de intervenção militar contra a Venezuela.

Naturalmente, a argumentação dos chanceleres da Colômbia e Brasil representa nada senão propaganda odienta, que suplica por ouvidos mal informados. Se a presença de membros ou ex-guerrilheiros das FARC na Venezuela representa uma ameaça continental, o que dizer de organizações criminosas brasileiras que vão ganhando força em território paraguaio? Seria viável aplicar o TIAR contra o Brasil, ou ainda contra o Paraguai, abrigo do Exército do Povo Paraguaio (EPP), que também já agiu para além da fronteira, no Brasil? Que dizer então da paramilitaresca Colômbia, que exporta seus paracos para o território venezuelano? A propósito, o autoproclamado presidente Juan Guaidó, que como foi revelado recentemente se encontrou com narcotraficantes colombianos, representa também uma ameaça a todo o continente?

imagemE se a alcateia não considerasse como risco à segurança continental o conto sobre perigosos guerrilheiros em território venezuelano, e sim a crise – como diz a resolução -, o caminho da paz e da segurança por excelência não poderia estar na aplicação de mais sanções e bloqueios contra a Venezuela, mas na sua anulação e na coleta de ajuda para o país.

Pesassem todos estes fatos na balança torta que querem fazer alguns países do TIAR, o que haveria no continente não seria a “defesa mútua” das Nações, senão a guerra mútua, total e continental. E, se a busca destes fosse a segurança do continente, sem dúvidas seria contra Bolsonaros, Guaidós, Abdos, Duques e, acima de tudo, Trumps, que o TIAR seria solicitado. Afinal, são estes os sobrenomes – não “Maduro” – de quem tenta colocar o continente numa espiral caótica, em busca de mesquinhos ganhos políticos e econômicos, que não beneficiariam povo nenhum, mas sem dúvidas agradariam a muitos empresários e banqueiros.

Pedro Marin

23 anos, é editor-chefe e fundador da Revista Opera. Foi correspondente na Venezuela pela mesma publicação, e articulista e correspondente internacional no Brasil pelo site Global Independent Analytics. Tem artigos publicados em sites como Truthout, Russia Insider, New Cold War, OffGuardian, Latin America Bureau, Konkret Media e Periferia Prensa. É autor de “Golpe é Guerra – Teses para enterrar 2016”.

Primeira ilustração: Militares venezuelanos. (Foto: PrensaFANB)

Segunda ilustração: Juan Guaidó posa ao lado de Jhon Jairo Durán Contreras (“el Menor”), e Albeiro Lobo Quintero, conhecido como “el Brother”, membros do grupo “Los Rastrojos”. (Reprodução)

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