Cuba: a heróica ilha na luta contra a Covid-19
Franklin Frederick
ODIARIO.INFO
Cuba, a “ilha heróica”, alvo de todas as formas de agressão e sabotagem imperialista incluindo um criminoso bloqueio que dura décadas, permanece um exemplo de soberania e solidariedade internacionalista e da superioridade de um sistema assentado na dignidade e na proteção da vida humana. A atual pandemia mostra isso de novo. O seu sistema de saúde e a sua desenvolvida investigação permitem-lhe não apenas uma assistência plena ao seu povo como um significativo auxílio a muitos outros países, nomeadamente com a vacina que produziu, tão adequadamente chamada Soberana II.
‘Eles descobriram armas inteligentes. Nós descobrimos algo mais importante: as pessoas pensam e sentem.’ – Fidel Castro
A pandemia de COVID-19 tem revelado o fracasso da maioria dos países capitalistas ocidentais nas suas políticas de saúde pública. Décadas de austeridade neoliberal, de cortes induzidos pelo FMI e pelo Banco Mundial em programas de saúde e educação mostram agora os seus resultados em números alarmantes de contágio e de mortes espalhando-se pela América Latina, Europa e sobretudo pelos EUA. No ocidente, Cuba tem dado um exemplo de eficiência e mostrado que um outro caminho é possível na luta contra a pandemia. Os números falam por si, basta compararmos Cuba com outros países ou mesmo grandes cidades com populações semelhantes para termos um quadro muito claro da diferença nos resultados. Com uma população de cerca de 11.350.000 pessoas, Cuba teve até agora – 21 de fevereiro – 45.361 casos acumulados de COVID-19 com 300 mortes. A cidade de Nova York, com cerca de 18.800.000 de habitantes, tem um total acumulado de 700.815 casos com 28.888 mortes. A Suíça, com uma população menor que a de Cuba, cerca de 8.600.000 pessoas, tem 550.224 casos acumulados de COVID-19 com 9.226 mortes.
Como explicar que um país que dispõe de muito menos recursos que uma cidade como Nova York ou um país como a Suíça possa ser tão mais eficiente na sua luta contra a pandemia? A resposta é simples: a Revolução Cubana de 1959 concentrou os poucos recursos disponíveis no país na construção de um sistema de saúde que atendesse às necessidades da população – das pessoas – em primeiro lugar – e não aos interesses dos diversos sectores da medicina privatizada – dos planos de saúde às grandes empresas farmacêuticas, passando pela cara medicina ‘high-tech’ da qual os países desenvolvidos tanto se orgulham.
Após a Revolução, praticamente metade dos médicos cubanos deixou o país, limitando enormemente a capacidade do novo governo de atender às necessidades de saúde de sua população. A decisão do governo revolucionário foi de investir na formação de novos profissionais de saúde – em pessoas – e de ampliar o acesso aos cuidados médicos à população rural e sobretudo aos negros, até então deixados de fora. Deste modo Cuba foi capaz de aumentar o número de enfermeiros e enfermeiras de 2.500 em 1958 para 4.300 numa década. Através das suas massivas campanhas de vacinação, Cuba eliminou a pólio em 1962, a malária em 1967, o tétano neonatal em 1972, a difteria em 1979, o síndrome da rubéola congénita em 1989, a meningite pós-caxumba em 1993, a rubéola em 1995 e a meningite tuberculosa em 1997.
Atualmente, a taxa de mortalidade infantil em Cuba é menor que a dos Estados Unidos e menos da metade do que a da população negra nos Estados Unidos. Em 1983, pouco mais de duas décadas depois da Revolução, a expectativa de vida em Cuba já tinha aumentado para 73,8 anos, quando no período anterior era de apenas 58,8 anos. Enquanto muitos especialistas em saúde pública costumam atribuir à falta de recursos a crônica insuficiência de atendimento médico na América Latina, a Revolução Cubana mostrou na prática que, quando recursos limitados são distribuídos de maneira equitativa e com ênfase em pessoas e em prevenção, podem se obter resultados em saúde pública antes inimagináveis.
O neoliberalismo, imposto pela força em muitos países do Sul, e escolhido pelas elites econômicas do Norte como política preferencial nos seus próprios países, levou a um caminho oposto ao cubano. E a pandemia de COVID-19 está mostrando com muita clareza qual o caminho que foi mais acertado. Nos países ricos do Norte, a austeridade neoliberal tem causado há décadas sucessivas reduções nos orçamentos da área da saúde, sobretudo com cortes no número de pessoal qualificado disponível. Cuba, ao contrário, investiu na formação de um número cada vez maior de profissionais da saúde. Quando a pandemia chegou, era claro que Cuba já dispunha do pessoal e da capacidade de alocação de recursos necessários para enfrentar uma tal situação.
Nos países do Norte , ao contrário, à falta de pessoal e de infraestrutura pública somou-se a incapacidade de tomar as medidas corretas quando estas se opunham aos interesses privados estabelecidos. Consequentemente, pela primeira vez, Cuba foi solicitada a levar a sua ajuda a alguns países ricos e desenvolvidos do Norte, como a Itália. Os médicos e outros profissionais de saúde cubanos também levaram a sua ajuda a Andorra e aos departamentos ultramarinos de França no Caribe, Martinica e Guadalupe. Não se pode imaginar uma maior demonstração da falência do modelo neoliberal.
A Revolução Cubana, desde o seu início e apesar de todas as dificuldades materiais enfrentadas pelo novo governo, fez todo o possível para ajudar países mais pobres e em dificuldades. Em 1963, apenas quatro anos depois da Revolução, lutando ainda com enormes dificuldades internas, Cuba enviou a sua primeira missão de ajuda médica à Argélia, nação que acabava de sair de décadas de uma sangrenta guerra de independência contra a França. Em 1966, com a ajuda de 200.000 doses de vacinas contra a poliomielite doadas pela União Soviética, Cuba e o seu pessoal médico, em colaboração com o governo do Congo, coordenou a vacinação de mais de 61.000 crianças no que foi a primeira campanha de vacinação em massa na África. Até o presente, Cuba já enviou cerca de 124.000 profissionais de saúde para prestar cuidados médicos em mais de 154 países.
Ao lado desta impressionante ajuda levada pelo seu próprio pessoal médico a várias partes do mundo, uma outra contribuição fundamental de Cuba é a formação de profissionais da saúde, vindos sobretudo de países pobres, na sua Escola Latino Americana de Medicina, a ELAM. Fundada em 1999, a ELAM forma estudantes de acordo com o modelo cubano de Medicina Geral Integral (MGI), com o foco principalmente em saúde pública e cuidados primários, com uma abordagem holística na compreensão da saúde, incluindo disciplinas como biologia, sociologia e política. Os estudantes estrangeiros da ELAM têm todas as despesas pagas pelo Estado Cubano, exceto as passagens. Em 2020, a ELAM já havia formado 30.000 novos médicos vindos de mais de 100 países, principalmente da África. Muitos destes estudantes não teriam a menor possibilidade de estudar medicina nos seus países de origem e, ao retornar, providenciarão um serviço inestimável e, por vezes, antes inexistente para os seus concidadãos, incluindo cuidados relativos à pandemia. Segundo a ELAM, há cerca de 52.000 profissionais de saúde de Cuba trabalhando em 92 países, o que faz com que Cuba tenha mais médicos atuando no exterior do que todos as contribuições de profissionais da saúde enviados pelos países do G-8 somados.
Devido ao seu compromisso com a saúde de pessoas, principalmente dos mais pobres e desprovidos, e não com um sistema de saúde privatizado onde o lucro determina onde e como alocar recursos, os médicos cubanos são alvo frequente dos ataques da extrema-direita nos países onde atuam. No Brasil, na sequência do golpe de Estado contra a presidente eleita Dilma Rousseff e à ilegal ascensão ao poder de Jair Bolsonaro, os médicos cubanos tiveram que deixar o país. O mesmo ocorreu na Bolívia logo após o golpe contra o presidente Evo Morales e em Honduras, depois do golpe contra o presidente Zelaya.
Em todos estes casos foram sempre os pobres os mais atingidos, pois ficaram sem o atendimento médico providenciado pelos profissionais cubanos, muitas vezes o único cuidado que já haviam recebido até então. Em 1979 Cuba enviou uma missão médica para Granada e em 1982 este país apresentou uma redução de 25% na taxa de mortalidade infantil, graças sobretudo ao trabalho realizado pelos profissionais cubanos. Mas os Estados Unidos invadiram Granada em 1983 e os trabalhadores de saúde cubanos foram obrigados a deixar o país.
Em relação à pandemia de COVID -19, o exemplo que talvez melhor revele as consequências desastrosas que o efeito combinado da saída de médicos cubanos e imposição de reajustes estruturais podem causar num país é o caso do Equador. Na sequência da eleição do Presidente Lenin Moreno em 2017, os profissionais de saúde cubanos que trabalhavam no país com o apoio do Presidente Rafael Corrêa foram expulsos, e o Fundo Monetário Internacional recomendou um corte de 36% no orçamento da saúde, medida adotada pelo Presidente Moreno. Estas duas ações deixaram o país praticamente sem um sistema de saúde e sem defesa diante da pandemia. Em consequência, só a cidade de Guayaquil, a maior do Equador, com cerca de 2.700 milhões de habitantes, teve um número estimado de 7.600 mortos devido à pandemia, um número mais de 25 vezes maior que o de Cuba.
As brigadas médicas e a ELAM são importantes contribuições de Cuba na luta contra a pandemia de COVID-19. Mas uma outra contribuição, decisiva, está a caminho: a vacina Soberana II, produzida pelo Instituto de Vacinação Finlay de Havana. Cuba espera imunizar ainda este ano toda a sua população com a sua própria vacina. Uma vez mais, a abordagem socialista de Cuba na produção de vacinas difere radicalmente da adotada pelas nações capitalistas do mundo. Fruto da experiência internacional acumulada de Cuba, através das suas muitas missões conduzidas em várias partes do mundo, a vacina cubana é uma esperança para as nações pobres, pois, mais uma vez, pode contar-se com a solidariedade de Cuba.
De acordo com um artigo de W. T. Whitney Jr. (ver https://www.peoplesworld.org/article/cuba-develops-covid-19-vaccines-takes-socialist-approach/):
“100 milhões de doses da Soberana II estão sendo preparadas, o suficiente para imunizar todos os 11 milhões de cubanos, com o início da vacinação a acontecer em março ou abril. Os 70 milhões de doses restantes irão para o Vietnã, Irã, Paquistão, Índia, Venezuela, Bolívia e Nicarágua. A Soberana II ‘será a vacina da ALBA’, como explicou a vice-presidente venezuelana Delcy Rodríguez, referindo-se à aliança de solidariedade estabelecida em 2004 pelo presidente venezuelano Hugo Chávez e o cubano Fidel Castro”.
E autor do artigo citado acrescentou:
“A estratégia de Cuba na comercialização da vacina representa uma combinação do que é bom para a humanidade e do impacto na saúde mundial. Não somos uma multinacional onde um objetivo financeiro vem primeiro’, diz Vicente Vérez Bencomo, diretor do Instituto de Vacinas Finlay de Cuba. Os rendimentos gerados pela venda de vacinas no estrangeiro irão pagar os cuidados com saúde, educação e aposentadorias em Cuba, tal como acontece com as exportações de serviços médicos e medicamentos”.
Em contraste com a abordagem cubana, o autor citado escreveu:
“Segundo o forbes.com em novembro de 2020, ‘se a [vacina] da Moderna conseguir a aprovação da FDA (Food and Drug Administration, órgão regulador dos EUA) e conseguir fazer doses suficientes, a sua margem superior de lucro poderá ser quase 35 bilhões de dólares mais alta … do que … nos últimos 12 meses’. Outro relatório sugere que, ‘as empresas (Pfizer e Moderna) vão ganhar bilhões de dólares em lucros com as suas vacinas COVID este ano [e] haverá mais lucros em anos posteriores’. As empresas ‘reivindicam os direitos a vasta quantidade de propriedade intelectual’.”
“Com a responsabilidade a cargo das empresas, a distribuição de vacinas COVID-19 é distorcida. Desde 27 de janeiro, ‘foram enviadas cerca de 66,83 milhões de doses, das quais 93 por cento foram fornecidas apenas a 15 países’. Na América Latina, apenas o Brasil, Argentina, México e Chile conseguiram contratos de compra adequados para imunizar populações inteiras. Os contratos das empresas com nações africanas permitem a imunização de apenas 30 por cento dos africanos em 2021”.
“A divisão da riqueza determina a distribuição. Os epidemiologistas da Universidade de Duke relatam que, ‘embora os países de elevado rendimento representem apenas 16% da população mundial, possuem atualmente 60% das vacinas para a COVID-19 que foram compradas até ao momento’. O jornalista cubano Randy Alonso relata que apenas ‘27% da população total dos países de rendimento baixo e médio pode ser vacinada este ano’.”
Desde que realizou a sua revolução, Cuba continua sob ininterrupto ataque do Império e de seus comparsas. A sua população sofre com as sanções e bloqueios econômicos, que comprometem também muito as suas iniciativas de solidariedade internacional. Mesmo assim, esta pequena nação, sempre tão teimosa e generosa, continua a ser uma fonte de esperança para o mundo. Sobretudo, Cuba aponta o caminho a seguir, com muita firmeza, frugalidade, coragem e uma inesgotável alegria.
Fonte: http://desacato.info/as-contribuicoes-de-cuba-na-luta-contra-a-pandemia-de-covid-19/