TODA SOLIDARIEDADE AO POVO DO HAITI. INTERVENÇÃO MILITAR NÃO!

O Haiti paga o preço de ter sido palco da única revolução de escravos vitoriosa da história mundial, a qual, vitoriosa em 1794, libertou o país da colonização francesa e aboliu a escravidão. O “pecado” da rebelião original foi logo corrigido pelas forças da reação: após poucos anos de governo livre, a França voltaria a dominar o país, sendo derrotada, entretanto, em 1803, por um exército popular. Os países europeus escravistas e os EUA não tolerariam a ousadia e imporiam um forte bloqueio econômico ao país por cerca de 60 anos, só superado quando o governo haitiano concordou – sob intensa pressão militar – em pagar à França uma indenização de 150 milhões de francos, o que causaria a quase exaustão de sua economia.

Muitos presidentes haitianos foram depostos ou assassinados, e os EUA ocupariam militarmente o país entre 1915 e 1934, saindo somente quando o controle da alfândega do país permitiu o pagamento das dívidas que este possuía com o City Bank e promoveu uma mudança constitucional que passou a permitir a venda de terras e plantações a estrangeiros. Em 1957, François Duvalier – o Papa Doc – foi eleito, com apoio dos EUA e das elites locais, passando a impor uma brutal ditadura, que teria continuidade, após sua morte, com a ascensão ao poder de seu próprio filho, Jean-Claude, o Baby Doc, que seguiria governando até 1986. Somente em 1990 foram realizadas novas eleições no país, vencidas pelo padre Jean Bertrand Aristide, que, por sua vez, seria deposto poucos anos mais tarde, por um golpe militar.

O Haiti é um exemplo inequívoco da sobrevida do jugo colonial e da política de dominação dos EUA sobre o seu “quintal”, em aliança com a classe burguesa local. O país produz um pouco de cana de açúcar, café e cacau, além de alguns outros poucos produtos agrícolas e de pesca, e explora alguns resorts turísticos de luxo (que seguem operando, como se não tivesse ocorrido o terremoto). É um país de fortes contrastes: de um lado uma burguesia opulenta, dona de terras, hotéis, e, do outro, desempregados, trabalhadores precarizados, miséria por toda a parte. O Estado haitiano, frágil na infraestrutura, na saúde, na educação, nas liberdades democráticas, é forte na repressão e no atendimento aos interesses da classe dominante. Por sua origem de país de escravos libertos, a ideia de um Haiti livre e soberano não é tolerada, ainda hoje, pelas elites capitalistas mundiais.

Em 2004, chegou ao Haiti uma denominada missão de paz da ONU, a Minustah, em nome da estabilização e segurança do país. As tropas da Minustah, de cerca de 8 mil militares e sob comando do Exército brasileiro, entretanto, concentraram suas ações na repressão aos movimentos sociais locais e às mobilizações políticas populares, numa espécie de “imperialismo terceirizado” que, ao contrário do que se propagava para justificar a forte presença militar no país, manteve os altos índices de miséria e desigualdade social existentes no Haiti. Nenhum hospital ou escola foi construído ao longo destes seis anos de ocupação.

A presença da Minustah somente fez acentuar a condição de nação sob permanente estado de intervenção externa. Os termos da missão de paz da ONU definem que o orçamento da Minustah só pode ser gasto nas operações destinadas a manter a ordem pública e a segurança interna. Em junho de 2009, as mobilizações populares em apoio a um projeto aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado que reajustava o salário mínimo, foram duramente reprimidas pelas tropas da Minustah.

Com papel tão limitado, o governo e as tropas brasileiras, além de usarem a missão no Haiti para tentar assegurar uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, também fazem do país, nas palavras de um coronel da Brabatt (Batalhão Brasileiro da Minustah), “um laboratório para os militares brasileiros aprenderem a como conter uma possível rebelião nas favelas cariocas”.

Recentemente, as tropas da ONU foram atropeladas por uma verdadeira invasão militar norte-americana, com mais de 10 mil soldados, incluindo 2 mil marines, com a alegada missão de ajudar os sobreviventes do terremoto e auxiliar no esforço de reconstrução do país.

Está claro, no entanto, que outros objetivos se escondem por trás da pretensa “ajuda humanitária” internacional.

O primeiro deles é buscar destruir qualquer capacidade dos haitianos em se autogovernarem, pois tratou-se de impedir que o Estado haitiano possa fazer o que todo Estado faz, executando políticas públicas com os fundos disponíveis, sejam eles obtidos internamente com o recolhimento de impostos, sejam advindos de doações ou empréstimos internacionais. Desde 2001, por pressão dos Estados Unidos, os fundos de ajuda internacionais são direcionados prioritariamente para as ações de ONGs que passaram a substituir as obrigações do Estado haitiano. O país não conta com forças armadas e as funções policiais são raquíticas;

Outro objetivo evidente é que o Haiti, na visão dos capitalistas internacionais, deve servir para a reprodução mais intensa do capital internacional, tendo em vista a precariedade das leis trabalhistas, a elevada taxa de exploração e o baixo valor dos salários. É o que fizeram os Estados Unidos, que despejaram no Haiti o seu arroz, que conta com fartos subsídios internos, levando à ruína os pequenos agricultores do país. Além disso, durante a ditadura de Baby Doc, obrigou o Haiti a eliminar todos os porcos do país, acusando-os de estarem infectados pela febre africana, entre outros exemplos, tornando a vida no campo insuportável e levando a um grande êxodo rural, cujas consequências estão no aumento das favelas e da miséria do país. Empresas “maquiladoras”, principalmente de roupas esportivas (Nike, Adidas, Reebok), ao se instalarem no Haiti, se aproveitam igualmente de uma força de trabalho baratíssima e sem direito à organização sindical.

Interesses econômicos de grupos capitalistas brasileiros também estão por trás da presença do Brasil na “missão de paz” da ONU no Haiti. Além da OAS, que ganhou uma licitação de US$ 145 milhões para construir uma rodovia, a Coteminas, maior empresa de cama, mesa e banho do mundo e cujo proprietário é o vice-presidente José Alencar, negocia com as autoridades da Minustah a instalação de uma planta no país. Sua produção seria exportada para os Estados Unidos, com quem o Haiti tem um acordo de livre comércio. É o melhor dos mundos para qualquer capitalista: a exploração mais desbragada é garantida pela força das armas, tudo em nome da reconstrução do país.

A devastação causada pelo terremoto, ao prostrar ainda mais o povo haitiano, foi a senha para governos imperialistas ampliarem sua presença militar. O governo dos Estados Unidos, além do envio de tropas, militarizou a costa haitiana, enviando modernos navios de guerra e ocupou o aeroporto de Porto Príncipe, causando dificuldade para o pouso de aviões com ajuda humanitária. Deve ser louvada a postura de Cuba, que enviou 300 médicos e alimentos, sem qualquer força militar agregada.

A presença súbita de tropas estadunidenses no Haiti também deve ser vista como parte da estratégia dos ianques em ampliar o cerco militar a Cuba e Venezuela. O governo Lula segue a mesma trilha, apoiando os interesses dos grupos empresariais brasileiros e fazendo o papel de potência regional – aliada direta, neste caso, dos EUA – para marcar mais um ponto na busca pela cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.

A solução dos problemas haitianos, inclusive os causados pelo terremoto, começa pela garantia do respeito à sua soberania. Todas as tropas estrangeiras devem deixar o país. Em primeiro lugar devem sair as tropas norte-americanas, que não têm mandato da ONU. Para que o país supere o estado de quase miséria em que vive – mesmo antes do terremoto – outras medidas devem ser adotadas, como a manutenção de um volume fixo de recursos obtidos com a taxação do fluxo financeiro internacional, para apoiar o desenvolvimento econômico e social do país, o cancelamento de sua dívida externa e a assistência técnica para retomar a produção industrial e agrícola, sem qualquer tipo de contrapartida.

Por fim, há que garantir-se o exercício pleno das liberdades democráticas para que a maioria dos haitianos possa decidir sobre o seu destino, com a realização de novas eleições sem qualquer tipo de coação.

Comissão Política Nacional

Janeiro de 2010