O grande capital e o fascismo
Foto: Alessandro Di Marco (EFE)
Jorge Cadima
ODIARIO.INFO
«Hoje, o grande capital em crise gera novas confusões. A sua comunicação social promove a extrema-direita, ao mesmo tempo em que cria uma falsa amálgama com o protesto social. Com isso procura simultaneamente desorientar a legítima resistência às suas ofensivas antissociais e alimentar a tropa de choque a quem recorrerá, se a sua crise se tornar incontrolável.»
Há 100 anos, a Itália foi palco de ensaio do fascismo, jogando na confusão para canalizar o descontentamento social. Mussolini, apresentando-se como «antissistema», foi na realidade promovido, financiado e levado ao poder pelo grande capital e latifundiários italianos, impondo a sua ditadura de classe. Hoje, o grande capital em crise gera novas confusões. A sua comunicação social promove a extrema-direita, ao mesmo tempo em que cria uma falsa amálgama com o protesto social. Com isso procura simultaneamente desorientar a legítima resistência às suas ofensivas antissociais e alimentar a tropa de choque a quem recorrerá, se a sua crise se tornar incontrolável.
O primeiro-ministro italiano é Mario Draghi, banqueiro da Goldman Sachs e presidente do Banco Central Europeu durante as troikas. No início deste ano, o presidente Mattarella abriu uma crise política e nomeou Draghi para «reformar» o país. Entre as «reformas» está o fim da Alitalia (10 mil trabalhadores) a partir de 15 de outubro. No mesmo dia, entra em vigor um passe sanitário (Green Pass) de contornos tão draconianos como o de Macron. Quem não tiver passe é suspenso do trabalho sem remuneração. Como afirma a resolução aprovada pelos trabalhadores do porto de Trieste, que anunciaram greve contra a legislação: «durante quase dois anos asseguramos o pleno funcionamento das operações portuárias sem que houvesse preocupações pela nossa saúde e segurança face à COVID-19»; «o Green Pass não é uma medida sanitária, mas uma medida de discriminação e de chantagem». Que visa dividir e colocar na defensiva os trabalhadores – vacinados ou não vacinados – face à ofensiva contra os seus direitos.
As medidas de Draghi geraram forte contestação, com protestos e greves convocados pelos sindicatos COBAS. Mas as confederações sindicais ligadas aos partidos do governo aceitaram-nas. A tentativa de divisão dos trabalhadores ameaça surtir efeito. Ao mesmo tempo surge a provocação fascista. No final de uma grande concentração de protesto contra o Green Pass em Roma, a 9 de outubro, um desfile de fascistas (que estiveram na concentração e a quem foi dado espaço no palco) assaltou a sede da maior confederação sindical, a CGIL.
Draghi condenou o ataque que a sua polícia não impediu. Usou-o para anunciar limitações ao direito de manifestação. Seria bom poder acreditar que Draghi age por sentimento antifascista e defende a liberdade sindical. Mas o passado sugere outra coisa. Em 2 de maio de 2014, trabalhadores de Odessa que protestavam contra o golpe na Ucrânia foram perseguidos até o interior da Casa Sindical daquela cidade, que foi depois incendiada por fascistas – saídos da mesma sarjeta que os seus congêneres italianos. Foram chacinadas centenas de pessoas, algumas à paulada após se atirarem das janelas do edifício em chamas. Esse massacre fascista numa sede sindical não suscitou reparos ao então presidente do BCE Draghi. A UE reservou as suas críticas e sanções à Rússia e aos antifascistas ucranianos.
É urgente o combate sem tréguas ao fascismo. Mas o fascismo alimenta-se das políticas dos troikeiros da União Europeia. Não se pode ceder à chantagem de aceitar o desastre social e a limitação das liberdades em nome do antifascismo. Fazê-lo apenas engordaria o fascismo. Que seria depois usado para impor pela força o desastre social e o fim das liberdades. Há que dizer «não!» às troikas, cheguem ou não com o porrete na mão.
Fonte: https://www.avante.pt/pt/2498/opiniao/165616/Fascistas.htm?tpl=179